NUNO MINDELIS
Fiquei em dúvida se escrevia sobre este disco ou não. A criatura tem 29 anos (por acaso é até amiga de um americano muito amigo meu), tem voz boa, canta bem, toca bem, é linda e exuberante. Parece um ser raro, de brilho invulgar, carinha de anjo, corpo espetacular com pernas bem torneadas (que faz questão de realçar nas fotos promocionais, nas capas, nas roupas justinhas etc.) enfim, um exemplar de humano que poderia sintetizar a graça e a beleza do reino animal , como um pavão, um ursinho panda, um tigre de Bengala, um pássaro exótico colorido e raro. Aí você vê que ela cavalga uma Telecaster de madeira natural ou uma SG branquinha, como a Branca de Neve e o quadro fica completo. Viramos todos anões.
Anda por aí e anda bem até, no circuito contemporâneo de blues americano. Em 2012 (aos 23, olha aí !) ganhou um ‘Best New Artist Debut’, no Memphis Blues Music Awards.
O presente disco foi produzido por Luther Dickinson, da North Mississipi Allstars, que já tocou com Black Crowes, filho do figurão da indústria de discos Jim Dickinson e guitarrista de primeira, na minha opinião.
Disco bem gravado, baterias soando como deve ser (tipo 70s com a vantagem da captação melhor dos novos tempos) nota-se o cuidado geral em tudo. Falando em baterias dos 70s, lembrei-me das dos 80s e quase tive uma convulsão agora. Vai fazer coisa bizarra e de mau gosto assim lá na China! Credo! E até gente como Mark Knopfler e Clapton aderiram, é meio como calça de boca de sino, você só percebe o ridículo depois de uma década, pelas fotos. Mas deixando o aparte e voltando à bonitinha…
https://www.youtube.com/watch?v=88BaytsPunI
As introduções prometem arrebatamento. São sonoridades legais, acho que Luther chamou a turma da pesada (ou colocou na ordem a turma da Samantha). Ou nenhum dos dois. Confesso que não cheguei a conferir quem tocou o que no disco. Pode ser até que Luther não tenha tido nenhum trabalho e eu esteja sendo extremamente injusto e irresponsável. Mas ok, não estou escrevendo sobre o Dark Side of The Moon nem sobre o Sargent Peppers.
Decidi limitar-me a ouvir e estou viajando em conclusões extraídas estritamente a partir da música. Ah, velhos tempos em que eu buscava informações milimétricas nas capas, sabia até o nome do cara que servira o café no estúdio, o nome da gráfica que imprimira a capa (em letrinhas microscópicas), a editora e os autores (em letrinhas nanoscópicas), as marcas dos instrumentos usados, etc. etc.. Mas deixando o aparte e voltando à bonitinha …
A voz é boa, mas será que já ouvi igual? Creio que sim. Poderia ser outra das centenas (milhares?) de cantoras americanas que não fossem Karen Dalton, Bonnie Raitt , Koko Taylor, Etta James ou (a inglesa) Amy Winehouse. Mas peraí! Estou sendo muito exigente. Ok, não há nada que provoque uma surpresa como Norah Jones, para baixar o critério no quesito timbre vocal raro, vai. Falando em Amy e/ou Dalton ahh! Que raridades! E Nora mandou muito bem! Muito mesmo.
Tudo bem que com ela é elevador, sem ácido, mas a média maciça dos humanos gosta mais de água com açúcar e eu, envelhecendo, confesso que também começo a preferir. Chega de complexidades, chega de viruosismos, de ácidos e experimentações, que venham as melodias, as belezas mais naturais, as formas mais simples. E Nora é craque no Rhodes! Mas deixando o aparte e voltando à bonitinha….
As introduções prometem arrebatamento porque de certa forma me lembram de Keb Mo, agora percebo. Aquele jeito dele, com Nationals e Dobros. E agora, na volta de uma pausa em que tomei um cafezinho e decidi redimir-me e ler um pouco sobre o álbum, vejo numa publicação chamada Rock & Blues Muse um review que compara a voz de Samantha à de Amy! Hãã? Juro por tudo que foi depois do meu comentário acima.
Mas então ou o autor do review é muito simpático, bonzinho ou ficou hipnotizado com as pernas dela. Ou é, como disse uma vez um físico e acadêmico brasileiro (e eu adorei a expressão para sempre!) ‘apoucado intelectualmente”. Não existe outra hipótese. Bom, existe a de eu estar esmagadoramente equivocado, mas acho estranho após ter ouvido tanta coisa em tantos anos. Mas deixando o aparte e voltando à bonitinha…
Não ouvi uma guitarra que me fizesse dar ‘rewind’ ou aumentar o volume no disco. Nem com o Luther por perto. Mas não sei se precisaria. Imagino que sim, mas sou do século passado, vai saber. É o instrumento do headliner do disco, afinal. Voz e guitarra, certo? Mas devo ser franco, não o ouvi até ao final. Pode ser que haja uma revolução que mude a vida de todos nós nas duas últimas faixas e nos faça atingir uma felicidade plena, envoltos numa luz dourada. Mas não apostei nisso.
Falando em guitarra, cada vez mais estou apaixonado pelas semi acústicas, em especial as ES 335. Para quem não sabe o ES refere-se a “Electric Spanish’, (visando combinar a guitarra elétrica à sabedoria centenária de violões espanhóis). A ideia foi do gênio Ted McCarty , que acabou virando presidente da Gibson, inventor do formato semi – acústico que hoje todos conhecemos. E inventou muito mais que isso: o bloco central que combina a guitarra de corpo sólido e a semi acústica evitando ‘feed back’ (microfonias, apitos) a ponte Tune-o-Matic, o captador Humbucker etc.etc. Tudo isso sem ser guitarrista, assim como Leo Fender. Fascinante! Mas deixando o aparte e voltando à bonitinha …