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Entrevista | Willie Walker – “Direitos autorais nunca significaram muito pra mim”

EUGÊNIO MARTINS JÚNIOR
Foto: Sérgio Poroger / extraídas do livro Cold Hot

Assim como Chicago é relacionada ao blues elétrico e New Orleans ao jazz, é impossível falar em Memphis e não lembrar dos seus muitos estilos musicais e seus artistas.

Já mencionando W.C. Handy, a quem é creditado Memphis Blues, uma das primeiras gravações, publicada em 1912, a cidade foi prolífica em lançar nomes fortes no começo do século passado, entre eles, Memphis Minnie, Furry Lewis, Frank Stokes, Joe McCoy, Gus Cannon.

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Mas foi após a Segunda Guerra Mundial que Memphis explodiu musicalmente dando ao mundo BB King, Rufus Thomas, Big Walter Horton, Howlin’ Wolf, Bobby “Blue” Bland, Junior Parker, Johnny Ace, Little Milton, Roscoe Gordon, Ike Turner e muitos outros.

Nos 1950, o som de Memphis mudou para sempre a música pop, de lá saiu Elvis Presley, Johnny Cash, Carl Perkins, Jerry Lee Lewis e o o mais importante de todos, Chuck Berry. Todos gravados pela Sun Records. A gravadora Stax de Don Covay, Wilson Picket, Bar-Keys, Otis Reding, Booker T. & the MG’s e Albert King também é de lá. O Memphis Sound fez fama e é reconhecido no mundo inteiro.

Nesse ambiente cresceu Willie Walker. Além da diversidade musical, Memphis também era um grande centro urbano no sul do país que atraiu brancos e negros em busca de oportunidades e para onde seus pais migraram.

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Lá o jovem Willie teve contato com o ambiente musical das ruas, onde os conjuntos vocais de doo wop cantavam nas esquinas e a Bela Street era o eldorado dos artistas.

Os anos passaram e Walker atingiu um certo reconhecimento, mas nada comparável aos artistas já citados.
Porém, após alguns anos afastado, percebeu que seu nome ainda ecoava na memória musical das pessoas e “relançou-se”, agora sim, com êxito.

Tem gravado regularmente discos muito bons, viajado pelo mundo e sendo indicado aqui e ali para prêmios nos circuitos blueseiros. After a While, álbum gravado em 2017 com a banda do guitarrista Anthony Paule, recebeu cinco indicações ao Blues Music Award, incluindo vocalista do ano e artista do ano de soul e blues.

Aqui no Brasil, acampou na Chico Blues Records e a parceria com Igor Prado já rendeu participação em Soul Connection e diversos shows pelo Brasilzão.

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A entrevista foi realizada em 21 de fevereiro de 2019, dia do show Willie com a Just Groove na Café Society, casa de shows paulistana que vem abrindo espaço para o blues e soul music. O Just Groove é Igor Prado e Jesiel Oliveira (guitarra), Rael Lúcio (baixo) e André Azevedo (bateria).

Quando encontro um artista com sua experiência de vida, sempre pergunto como foi sua infância e adolescência. E como foi seu contato com o blues?

Minha infância foi dura. Lutando todos os dias. Meu primeiro contato com o blues foi pelo rádio. Amava aquilo que ouvia e cantava junto. Com o tempo acabei trabalhando com alguns músicos que me mostraram a verdadeira luz, porque aprendia muito mais do que cantar. Eram músicos muito qualificados. Nasci no Mississippi, mas cresci em Memphis, no Tennessee.

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Muitos jovens cantavam nas igrejas aos domingos, mas havia o blues que também disputava a atenção deles. Isso aconteceu com você?

O blues veio da igreja. É basicamente a mesma coisa, as mesmas mudanças, mesma melodia e forma artística.

Mas a mensagem não é a mesma.

Sim, a mensagem não é a mesma. Você só muda de Jesus para baby. (risos)

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Você começou a viajar cedo com uma banda, aos 15 anos? A estrada pode ser dura para um garoto dessa idade. Poderia falar sobre isso?

Todos os verões viajava com um grupo gospel. Eram viagens duras. Cinco ou seis pessoas dentro de um carro. Mas quando se é jovem você não se importa. Aí vai ficando mais velho e não quer mais viajar com tantos homens em volta. (risos)

Fale um pouco sobre Memphis nos anos 60, você gravou seu compacto em 1965, como era a cena blues com todos aqueles grandes nomes.

A cena blues era importante, mas a soul music era mais popular entre os jovens. Preferíamos o doo wop. Eram quatro ou cinco rapazes cantando juntos à capela nas esquinas, nos parques, em qualquer lugar. Por isso muitos de nós desenvolvemos a habilidade de cantar. Formávamos os grupos de doo wop e imitávamos os grupos consagrados.

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No compacto 329 da Goldwax você gravou de um lado com There Goes My Used To Be e do outro Ticket to Ride. Gostaria que falasse como essa gravação foi recebida na época.

É interessante. Havia um produtor de New York que queria que eu gravasse Ticket To Ride, mas essa não era a minha favorita. There Goes My Used To Be era minha favorita e que acabou se tornando a preferida da audiência também.

E eu nunca tive a chance de me certificar disso quando fiquei mais velho. Nunca tive a pretensão de ter uma carreira. Simplesmente aproveitei a oportunidade de gravar. Morava em Minessotta nessa época, onde fiz algumas apresentações.

Li em sua biografia que a Goldwax sonegava os créditos das canções. As coisas não eram fáceis para os músicos naquela época. Elas mudaram ao longo de todos esses anos?

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Não escrevia canções naquela época. Nem estava interessado. Cantava a música dos outros. Os direitos autorais nunca significaram muito pra mim. Mas muitos outros compositores que conheci tiveram esse problema. Outras pessoas lhes davam alguns dólares e eles aceitavam porque estavam com fome e aquelas pessoas ficavam com a autoria das músicas. Quem produzia os discos era quem levava os créditos. Não conheci nenhum que era compositor.

Os compositores daquela época eram negros e pobres, apenas lutando para sobreviver. Eles vendiam suas canções por US$ 25 porque tinham família para alimentar. Escolheram esse caminho.

Conheci compositores que cometeram suicídio depois de perceberem quanto dinheiro sua música havia gerado e ele próprio não ter recebido nenhum crédito ou dinheiro. Muitos se sentiram inúteis.

Por um lado eles te davam uma oportunidade, por outro eles te roubavam.

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Exatamente. No meu caso, eu não perseguia a música. Mas uma oportunidade apareceu depois que me aposentei. Daí pude sentir o quanto as pessoas lembravam de mim e da música que fiz nos anos 60. Foi uma coisa muito boa. Estou melhor agora do que muitos dos meus amigos que estavam no topo, na época que o circuito era forte. E infelizmente muitos estão mortos.

Você tem uma parceria com o Igor Prado que já rendeu uma gravação e várias turnês. Após todos esses anos de estrada, o que achou de encontrar em um outro país uma comunidade de jovens que levam a sério o blues e a soul music?

É revigorante. É outro mundo. Encontrá-los aqui foi impressionante. Estou apaixonado por esses jovens e temos muito o que fazer juntos.

Gostaria que falasse sobre seu mais recente álbum com a Anthony Paule Orchestra. After a While é um grande álbum com 13.

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Foi uma satisfação e uma grande experiência. Assim como o que fiz com o Igor. Entregamos ao público o melhor produto que pudemos fazer.

E por causa desse álbum você foi indicado como Melhor Cantor de Blues Masculino, 2018 pela revista Living Blues.

Foi uma grande honra. Mesmo que você não ganhe, a indicação lança muitas luzes sobre o seu trabalho.

Houve uma época em que a soul music era música de protesto. Lá estavam Curtis Mayfield, Gil Scott Heron e o grande cantor e compositor Marvin Gaye. Parece que atualmente essa função tem sido com rap e isso também já está mudando. Não há mais música de protesto nos Estados Unidos com todos esses problemas raciais acontecendo?

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Veja bem. Não eram canções de protesto, mas sobre a verdade. De como as coisas realmente são, mostrando com elas são estranhas. A coisa mais perto disso que temos hoje é o rap. E costumam ser músicas muito raivosas e eles despertam somente isso. Eu não gosto. Não é o meu jeito. Mas há alguns rappers que são grandes vocalistas. Pra mim é competição e eu não gosto. Não tocam as minhas músicas no rádio. (risos)

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