A cantora Mariã mostra que é possível unir raízes e contemporaneidade em seu EP de estreia. Em resumo, Raia Luz é composto por cinco faixas e mistura MPB e rock de forma harmônica. Com produção de Rodrigo Braga (conhecido por seu trabalho com Vanessa da Mata), o trabalho fala sobre o encontro e a solidão nas grandes cidades.
Ademais, Mariã carrega as raízes da música popular brasileira nas veias: a carioca é neta de Lana Bittencourt, uma das cantoras de rádio mais influentes no país. Ao mesmo tempo, o rock imerge em suas canções com influência do alternativo e do indie.
Enfim, a artista construiu a sua identidade e a apresenta em Raia Luz, que começou a ser produzido em 2019.
Dentre as suas experiências musicais, a cantora morou um ano em Londres para realizar mais de 40 shows. Lá, ela se apresentou em grandes casas londrinas como por exemplo o Ronnie Scotts Jazz.
Além disso, no Brasil teve a oportunidade de dividir o palco com ninguém menos do que Ney Matogrosso e Rogéria. Posteriormente, em 2016, lançou por meio de um crowdfunding um disco com a banda Rádio Nuvem.
Em entrevista ao Blog N’ Roll, Mariã fala sobre esta nova fase em sua vida. Ela também comenta as suas vivências na música, projeções para o futuro e como será o mundo artístico pós pandemia.
Como foi o processo criativo do EP Raia Luz?
O processo surgiu após a produção de uma música minha com uma equipe incrível de profissionais porém, do universo da MPB. Produzimos a música e apesar do resultado ficar tecnicamente excelente, o arranjo e o conceito daquele som não me representavam.
Entendi que não poderia culpar a equipe e sim me perceber como compositora para criar músicas que tivessem uma harmonia e melodias com a pegada do rock n’ roll. Fui estudar música para me expressar melhor após a composição das letras. Com exceção de Raia Luz, a faixa-título, todas as canções foram feitas dessa maneira LETRA + MELODIA + HARMONIA.
Voltei a escutar bandas clássicas como Pink Floyd, Radiohead e Mutantes, mas também busquei novos sons para descobrir qual era a estética que mais me agradava.
Ao todo, quanto tempo demorou para você compor as cinco faixas?
As cinco músicas do EP foram compostas em três meses. Tinha pensado em produzir um álbum inteiro, pois outras canções vieram juntas. Mas as cinco estavam tão alinhadas entre si, que entendi ser melhor unir para fechar em um momento marcante de me entender na composição do rock n’ roll.

Existe a possibilidade de Raia Luz ou outro single do EP ganhar um videoclipe?
Com certeza! A música Meditação Urbana que foi lançada como single dialoga muito com o momento que estamos vivendo na quarentena. Por isso tenho tido um retorno tão bonito de pessoas que se identificam. Sendo que ela retrata esse momento de sair nas ruas novamente, observar as pequenas coisas. Tenho conversado com uma equipe audiovisual para retratarmos esse “retorno a vida” em um clipe emocionante.
Como surgiu a oportunidade de dividir o palco com Ney Matogrosso e com a Rogéria? Como foram essas experiências?
Experiência incrível e inesquecível! Minha avó, Lana Bittencourt, uma das grandes cantoras do rádio, ia gravar um DVD pelo Canal Brasil com participações super especiais e me convidou para cantar uma música do Gonzaguinha com ela.
No dia, no camarim do Teatro Rival, conversamos sobre o momento de cantarmos todos juntos no final do espetáculo para celebrar essa realização e eu me emocionei muito em poder estar naquele palco com ídolos da música.
Sempre fui muito fã do Ney Matogrosso e do seu trabalho no Secos e Molhados e também na carreira solo. Ney assume o poder de intérprete não só no palco, mas também na curadoria impecável das músicas, que além de potencializar o seu canto e performance, dialogam com a sociedade no tempo certo dos anseios e deleites que vivemos.
Lembro de estar no palco e ele me passar o microfone para poder cantar também (estávamos dividindo um microfone) e eu responder baixinho pra ele: jamais tiraria o microfone da sua mão.
Já a Rogéria, achava que conhecia por conta das Divinas Divas, show que ela e outras artistas maravilhosas faziam. Mas nessa experiência de trocas e histórias no camarim me apaixonei por ela. Fui buscar sua história e mantivemos uma relação depois disso de muito carinho, pois entendi o quão importante era pra nossa cultura e história.
Dois ícones do universo LGBT! Que orgulho e honra estar ao lado deles e de minha avó!

O que o Brasil tem que Londres não tem? E o que Londres tem que o Brasil não tem?
O Brasil tem uma plateia totalmente diferente. No momento do show estão todos cantando junto, dançando e fazendo festa. Você se sente ainda mais poderosa no palco, pois há uma conexão clara sua com o público.
Em Londres são ouvidos atentos e muita concentração e silêncio para te ver e ouvir, no entanto após o show as pessoas te procuram para agradecer e elogiar.
Impossível não dizer que o respeito ao artista em Londres é diferenciado, quando você pega um táxi com um instrumento o taxista fica lisonjeado e feliz em te levar. A arte lá é uma riqueza e precisa ser muito bem apreciada.
As suas músicas misturam MPB e rock, em sinergia. Quais são as suas principais influências musicais?
Sim, minha música é um resultado claro dessa mistura. Sempre ouvi muito Rita Lee e os Mutantes (minha maior referência), assim como Luiz Melodia e Caetano Veloso. Acredito muito que o rock n’ roll é uma atitude e sinto pulsar em muitos artistas da MPB em suas canções e intepretações.
Minha adolescência foi toda ouvindo rock n’ roll, dos clássicos como Jimi Hendrix e Cream, SuperTramp e Fleetwood Mac ao rock mais descontraído do Red Hot (Chilli Peppers) e eletrônico do Radiohead.

E quais artistas não saem do seu fone, no momento?
Radiohead tá sempre comigo e no momento tenho ouvido muito Tim Bernardes. O álbum dele me mostra que é possível ser um artista que compõe rock, como ele faz no Terno, porém se permitir chegar em uma poesia e arranjos mais delicados e particulares de outro universo musical. Me revela a versatilidade do artista com muita tranquilidade e pertencimento.
O mundo está vivendo um período de mudanças durante a pandemia do coronavírus. Nesse sentido, o que você, como artista, está fazendo para se reinventar?
Mesmo entendendo o poder das redes sociais, no Rio o contato social com a música é muito forte. As pessoas querem ver os shows na rua, querem apreciar em eventos gratuitos e celebrar ao ar livre. Isso potencializa o artista por aqui, o famoso boca a boca.
No entanto, nesse momento que muitos estão em casa, as redes sociais estão revelando esse contato com mais intimidade e isso tem feito com que eu consiga explorar melhor as lives e todo o conteúdo que disponibilizo na internet. Estou criando uma audiência mais conectada a minha música!
E quais são os seus apontamentos para os artistas pós pandemia?
Acredito que o artista vai estar mais equipado tecnicamente para poder produzir conteúdo profissional ou semiprofissional em sua própria casa e que essa audiência criada nesse momento, será fiel em outras formas de expressar. Os artistas vão sair das lives para os shows convidando esse público, pois o elo será criado.
As pessoas estão nos vendo em nossas próprias casas, a intimidade cria essa conexão para além da tela! Sinto que muitos estão plantando agora para poder colher na frente!