Uma boa educação musical pelos pais é a base para tudo. Meu pai me apresentou Buddy Guy, B.B. King, Robert Johnson, Etta James, entre muitos outros nomes gigantes do blues e jazz. Minha mãe foi a responsável pelo toque brasileiro. Foi de Caetano, Gil, Bethânia e Gal até Zeca Baleiro, Lenine e Moska.
Até o último sábado (14), restava um nome dessa lista nacional no meu “check” de shows. E a oportunidade não poderia ter sido melhor. Maria Bethânia, 78 anos, não veio só, estava acompanhada do irmão, Caetano Veloso, 82 anos, o qual assisti diversas vezes em formatos variados de shows.
No Allianz Parque, diante de 45 mil pessoas, Caetano & Bethânia tiveram ao dispor uma estrutura impressionante da Live Nation, digna de grandes shows internacionais. Telões de última geração trouxeram imagens de várias épocas dos irmãos, além de amigos e companheiros de longa data, como Gal Costa, Gilberto Gil, além da mãe, Dona Canô, celebrada pelo público em todos os momentos em que aparecia.
O repertório é um passeio praticamente completo pela carreira dos dois. Da Tropicália ao Doces Bárbaros, passando por hits de ambos, até releituras de Raul Seixas, Gilberto Gil, Fernando Mendes, Peninha, Guilherme Arantes e IZA.
Por falar em releituras, nada causou mais estranheza no público do que a inclusão do louvor Deus Cuida de Mim, do pastor Kléber Lucas. A faixa veio após uma sequência arrebatadora com Sozinho, O Leãozinho, Você Não Me Ensinou a Te Esquecer e Você é Linda.
Caetano discursava sobre a origem de Sozinho no repertório, que está presente nos shows desde o fim dos anos 1990, quando citou as versões de Sandra de Sá e Tim Maia, que o inspiraram a fazer o mesmo. Logo depois, passou a falar do louvor.
“Esse crescimento da igreja evangélica despertou o meu interesse no assunto”, disse enquanto o público não manifestava nenhuma reação.
Deus Cuida de Mim já vinha sendo tocada em todas as apresentações da turnê, mas sempre com o mesmo efeito diante do público.
Pai de dois filhos evangélicos, Zeca e Tom, Caetano falou do estranhamento do público em entrevista recente à Folha de São Paulo. “Essa é a única canção que não recebe aplausos entusiasmados. E isso não me surpreende. Para a maioria do público que vai ver Bethânia comigo, o interesse pelo assunto ‘igrejas evangélicas’ não é algo esperado nem desejado. Mas eu sei que pode criar conversas que não costumam se dar”.
Na mesma entrevista, Caetano também falou sobre o fato de uma pessoa que sempre se declarou ateu cantar um louvor. “Apenas acho que o que a negação da dimensão religiosa mais faz é diminuir nossa capacidade de ver a vida, a existência do que quer que seja. Não sou um teólogo nem posso dizer que passei por uma mudança em relação ao cristianismo dito evangélico. Apenas fui vendo, pouco a pouco, o quanto ele se tornou presente no Brasil. Por isso canto o louvor de Kleber Lucas na turnê com Bethânia”.
Evangélico ou não, Caetano Veloso exaltou a Estação Primeira de Mangueira, os Filhos de Gandhy, entre outras menções ao candomblé durante a apresentação.
Baby e Vaca Profana vieram com diversas homenagens à Gal Costa, com imagens de várias fases da vida da cantora no telão, além dos irmãos clamando: “Gal Pra Sempre”.
A reta final rendeu momentos emocionantes com Gita, de Raul Seixas, o clássico O Quereres, além de uma linda versão para Fé, de Iza. No bis, Sampa foi a novidade, com Caetano declarando todo seu amor por São Paulo.
Em Odara, Caetano e Bethânia deixam o palco enquanto a banda assume o protagonismo. Aliás, que banda fantástica! Backing vocals seguraram a canção, enquanto o quarteto de metais, a percussão e o trio de cordas (guitarra, violão e baixo) tomaram a frente do palco.
Uma noite histórica e repleta de agradecimentos. Caetano e Bethânia exaltando compositores, São Paulo, fãs, pastor e influências. E eu agradecendo minha mãe, que também estava no Allianz Parque e testemunhou um dos grandes momentos da carreira de Caetano e Bethânia.
Para quem ainda não viu, a tour tem sequência em São Paulo neste domingo (15) e quarta (18), antes de ir para Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre em 2025. Ainda há ingressos disponíveis.
Setlist
- Alegria, Alegria
- Os Mais Doces Bárbaros
- Gente (Caetano Veloso)
- Oração ao Tempo
- Motriz
- Não Identificado
- A Tua Presença
- 13 de Maio
- Samba de Dois Rios
- Milagre do Povo
- Filhos de Ghandi
- Dedicatória
- Eu e a Água
- Tropicália
- Marginália II (Gilberto Gil)
- Um índio
- Cajuína (Caetano Veloso)
- Sozinho
- O Leãozinho
- Você Não Me Ensinou a Te Esquecer
- Você é Linda
- Deus cuida de mim (Kleber Lucas)
- Brincar de viver (Guilherme Arantes)
- Explode Coração
- As canções que você fez pra mim
- Negue
- Vida
- Sei Lá Mangueira
- A Menina de Oyá
- Exaltação à Mangueira
- Onde o Rio é Mais Baiano
- Baby (Caetano Veloso)
- Vaca profana (Caetano Veloso)
- Gita (Raul Seixas)
- O Quereres
- Fé (IZA)
- Reconvexo (Caetano Veloso)
- Tudo de Novo
Bis
- Sampa
- Odara (Caetano Veloso)