A corrente continua: AC/DC empolga com o álbum Power Up
Em um reencontro com sua própria história, o AC/DC voltou aos estúdios. E não só retornou, como gravou mais um álbum, o 17º da carreira da banda. Você pode enxergar Power Up de duas formas: mais do mesmo, porque o estilo do grupo não mudou; ou que bom!, eles continuam os mesmos. É isso. O que importa para a comunidade roqueira é a volta desses caras que amplificaram a sonoridade do blues numa mescla bem sacolejada de rock ‘n’ roll e deboche. Não cometeram qualquer blasfêmia, apenas energizaram em altas cargas a sua raiz. O AC/DC já havia passado por histórias dramáticas demais para um encerramento sem adeus. Era como deixar a casa onde esteve por toda a vida e, simplesmente, desaparecesse. Definitivamente, não. E nada como ter aquele moleque que entrou na banda porque era irmão do criador, mesmo que uns torcessem o nariz no começo. “Como assim, colocar esse garoto ainda em fase escolar?”. Malcolm Young foi o cara que gestou o AC/DC na efervescente Austrália dos anos 1970. O irmão, Angus, o intrometido nos ensaios da nascente banda. Mal chegava da escola, e, sem tirar o uniforme, arriscava uns solos. Pronto! Incentivado pela irmã, Margaret, ele daria o ar de adolescente rebelde ao quinteto. Se Malcolm era o coração do AC/DC, Angus se converteu nas veias expostas. E de adolescente que permaneceu no grupo por imposição do irmão transformou-se na vitrina viva e debochada da trupe. Mesmo com o não menos fantástico Bon Scott, com seu jeitão de roqueiro “clássico”. A vida na banda foi, disco a após disco, ganhando o público até tornar-se gigante na cena musical desde aquele inesquecível 1973. Dramas em Power Up Com o mundo conquistado, a esteira de fatos trágicos também acompanhou a entourage. A começar pela morte estúpida de Bon, alcoolizado dentro de um carro numa rua qualquer de Londres, em fevereiro de 1980. Quase foi o fim, não tivesse a disposição de continuar e a aparição de um sujeito de cabelos crespos, boina e voz rouca. Brian Johnson, em nada parecido com o ex-vocalista, assumiu o microfone e corroborou a ascensão do AC/DC. Não vale, aqui, fazer comparações entre um e outro. Os dois deram magnitude ao grupo, meio escocês, australiano e inglês. Temperos de nacionalidades que só alargaram o alcance da banda. Depois, vieram os dramas do baterista Phill Rudd, envolvido com drogas e a Justiça, a redução da capacidade auditiva de Brian e a morte de Malcolm – antes, já tinha deixado a banda por problemas de demência. Apesar dos fortes abalos, Angus não deixou a peteca cair. Trouxe Axl Rose para o lugar de Brian a fim de dar sequência à turnê Rock Or Bust, algo que parte dos fãs até hoje não assimilou. Cliff Williams, baixista, já havia anunciado sua aposentadoria. Brian parecia não mais apto a tirar as mesmas notas altas e se mostrava obediente à ordem médica, para não comprometer em definitivo sua audição. Sim, ressentia-se da suprema ausência de Malcolm para pôr ordem na casa. Angus segura a bronca Nada disso. Angus, aquele que entrou por “capricho” do irmão mais velho, segurou a onda. Conseguiu o que muita gente já não esperava mais: trazer de volta Phill, Cliff e Brian. E a guitarra rítmica? Sim, também, com o sangue dos Young: Stevie, sobrinho de Angus e Malcolm, assumiria o posto, coisa que já havia feito em outras ocasiões. A fecundação fez efeito, gestando Power Up, com a produção do experiente Brendan O’Brien – já havia trabalhado nos álbuns Black Ice e Rock Or Bust. Agora, a notícia que milhões de fãs esperam com ansiedade incontrolável: o retorno aos palcos. Se ocorrer, nestes tempos de incertezas e pandemia, é bom que a vacina já esteja fazendo efeito. Sim, porque será difícil segurar uma massa ansiosa e com crise de abstinência pelo velho e adorável rock ‘n’ roll do AC/DC.
Eddie Van Halen: um legado eterno para os guitarristas
Do espanto à tristeza, a morte de Eddie Van Halen, terça-feira passada, mexeu com uma geração de fãs do rock. Vi a banda em 1983, por isso, fui instigado por Lucas Krempel a retomar os textos no Blog n’ Roll. Pensei melhor: convidar para a tarefa quem faz da guitarra seu instrumento de trabalho e, claro, objeto de adoração. Uma certa unanimidade sobre Eddie dá o tom dos depoimentos. E com toda a razão. Para completar, um ensaio sensível e preciso do repórter-fotográfico e também músico Matheus Tagé. Aciona o metrônomo… Matheus Tagé (guitarrista e fotógrafo de A Tribuna) Se Jimi Hendrix inventou experimentações sonoras que pareciam processos ritualísticos com o som da guitarra; Eric Clapton fez a guitarra elétrica falar – e até mesmo chorar também; Richie Blackmore trouxe referências de música clássica ao rock; podemos considerar que Eddie Van Halen fez a guitarra elétrica rasgar a estratosfera na velocidade da luz. O solo Eruption ilustra cientificamente essa constatação. É certo que muitos nomes foram responsáveis por construir a história do rock; mas Eddie foi um dos poucos que conseguiram transformá-la. A concepção da experiência estética da sonoridade da guitarra no rock, que é construída a partir da década de 1960 – evidentemente – passa pela textura sonora de nomes como Hendrix, Eric Clapton, George Harrison, Jeff Beck, David Gilmore, Duane Allman, Jimi Page, Richie Blackmore e Tony Iommi. Porém, o salto que acontece com a revolução do timbre que Eddie Van Halen formata no final da década de 1970 é algo extremamente complexo: ele revolucionou o que viria na década seguinte, e fez isso sozinho. O gosto que tinha pelo modelo de guitarras de seus ídolos fez com que criasse um modelo híbrido, a Frankenstrat. Uma guitarra – que assim como a cons- trução literária de Mary Shelley – era uma mistura de corpos. Moldou a revolução ao juntar o esqueleto do modelo Stratocaster da Fender, com um coração elétrico da Flying V, modelo da Gibson, ao injetar um captador duplo na madeira clássica. Além disso, utilizou uma ponte flutuante que através de uma alavanca hiper flexível permitiria modulações sonoras sem limites. Futurista Para complementar, a pintura com os explosivos raios de luz que emanava uma atmosfera futurística daquele monstro que criara. Uma mistura do orgânico das guitarras clássicas com experimentações pós-modernas. Ele desenhou o futuro. A “criatura” que Eddie Van Halen forjou serviu como modelo para toda a nova onda do hard rock, estilo que ocupou o mainstream da década de 1980. Enquanto Hendrix atirava fogo na guitarra evocando espíritos ancestrais em suas lendárias performances ao vivo, penso que Eddie tenha sido um fruto dessas construções rituais, pois incendiava a guitarra com as próprias mãos, e inaugurou o padrão de solos em alta velocidade, tappings inimagináveis e alavancadas violentas, que foram assimiladas por toda uma geração de guitarristas. Nem David Lee Roth, nem Sammy Hagar, o Van Halen tinha uma única voz: a incrível guitarra de Eddie Van Halen. Essa coloração sonora tão marcante dividiu a atenção do público até mesmo quando flertou com a música pop, colaborando com o astro Michael Jackson, no solo de Beat it. Eddie é um ícone que tivemos a oportunidade de assistir durante muitos anos, mas, como todos os grandes nomes da cultura pop, será eternizado pelo seu registro, vivendo agora numa dimensão paralela, o eterno presente das lendas da música. O rock n roll deve a Eddie Van Halen o mesmo que deve a Hendrix: tudo. Milton Medusa (guitarrista) Eddie Van Halen se foi, mas se ele tivesse gravado somente a música Eruption, já teria cumprido sua missão por aqui, pois depois disso, tudo mudou no mundo da guitarra e da música! Tecnicamente, popularizou o uso do Two-Handed Tapping, técnica que consiste em tocar com a mão direita, martelando no braço da guitarra, e explorou como poucos o uso da alavanca de trêmolo, tanto que a indústria criou um sistema com travas no braço, para suportar esse tipo de técnica. Sua guitarra “Frankie Stein”, utilizando um captador do tipo Humbucking, típico da Les Paul, numa Fender Stratocaster, levou essa mesma indústria a fabricara Super Strat. Poderia citar muitos outros fatos em sua carreira, mas, seu legado principal, penso que foi a alegria que sempre conseguiu transmitir, tanto nas suas composições como em seus incríveis solos! Obrigado, obrigado e obrigado, Eddie. Mauro Hector (guitarrista) Quando escutei Eruption em 1985, a casa caiu!! Foi um impacto absurdo. Eddie Van Halen transformou a forma de tocar guitarra. A influência que Ed teve do Eric Clapton no Cream, mais a sua formação pianística erudita, mais o mestre do jazz Fusion Allan Holdsworth fizeram dele um dos melhores guitarristas que o mundo já ouviu. Grande improvisador, compositor, criador de riffs espetaculares, a sua guitarra rítmica também era impecável. Um gênio! Tenho uma grande influência dele! E o mais legal era ver sua alegria de tocar, como se fosse um moleque. Algo que só a música faz. Muito obrigado, Eddie! Ricardo Lima (guitarrista) EVH é sinônimo de tocar bem, futebol arte das seis cordas! Um cara que redefiniu a forma de como a guitarra seria encarada dali pra frente. Lembro de ter ouvido Jump e ter ficado curioso e extremamente feliz e é assim que me sinto quando escuto Van Halen!! Comprei alguns discos na época que saíram… sempre foi uma aula… dava um orgulho… eu pensava: “olha essa banda… como são fantásticos!” No início da minha carreira tive aula com professores que eram “alunos do Van Halen”… e quando aprendi Eruption me senti músico de verdade!! Nesse jogo de xadrez temos alguns reis ainda… mas esse golpe eu senti demais!!! Muito grato pela sua obra, para mim estará sempre vivo no meu coração! Luiz Oliveira (guitarrista) Eddie Van Halen se foi e deixou um legado de entrega ao instrumento e à música. Sua influência foi enorme para todos os músicos que vieram. Na fase de ouro da guitarra virtuosa, os anos 1980. Com uma chuva de guitarristas lendários aproveitando o caminho aberto pelo genial,