Desde que a página do Blog n’ Roll debutou em A Tribuna, há mais de um ano, muitas bandas, músicos, casas de shows e produtoras foram destacadas por aqui. Nas últimas semanas, um nome passou a ser citado com frequência pelos nossos leitores: Ayrthon Pinheiro Lopes, o Boka. O engenheiro de som, atualmente com 58 anos, é considerado uma referência na região. Entre gravações, produções e masteriza-ções, ele já trabalhou com nomes como Charlie Brown Jr, Los Hermanos, Blow Up, Garage Fuzz, Aliados e Mauro Hector, entre outros.
Tal como boa parte dos músicos, Boka iniciou sua trajetória com o violão, quando tinha 4 ou 5 anos. “A guitarra veio naturalmente, depois a banda, claro. O estúdio veio por último”, conta.
O início precoce no violão está relacionado aos eventos realizados pelos pais. Sua mãe era pianista clássica e lhe ensinou os primeiros acordes no violão. O pai também sempre foi um apreciador das cordas.
“Eles faziam muita roda de seresta e choro. Os filhos ficavam no quintal brincando, mas eu ficava sentado ao lado deles, olhando aquilo. Influência não faltava”, recorda.
E esse caminho até o início nos estúdios foi rapidamente percorrido por ele. A primeira banda do engenheiro foi em 1976. Seis anos depois, ele já começava sua primeira gravação, mas não necessariamente em um estúdio e com aparatos profissionais.
“Comecei a gravar de uma forma improvisada. Me formei em Publicidade pela Facos (UniSantos) e queria gravar os meus jingles. Mas precisava dos equipamentos para isso, foi quando cheguei no Robson, antigo guitarrista do Blow Up, já falecido. Gravava na sala de ensaios deles à noite, quando não tinha ninguém. Usava dois gravadores de rolo, bem precário mesmo”.
A experiência no estúdio do Blow Up, que à época já havia emplacado o sucesso Rainbow na trilha sonora da novela Anjo Mau e participado do quadro Globo de Ouro da Rede Globo, estimulou Boka a seguir com os seus projetos técnicos.
“Alugamos uma casa e começamos a montar um estudiozinho de quatro canais, fita de rolo, compramos algumas coisas. Fomos nos libertando, tomando vida própria, mas a gente roubava a mesa de som deles e devolvia de madrugada. Era muito divertido. Depois fomos para uma outra casa, em uma rua paralela (Prudente de Morais), ao estúdio do Blow Up, que ficava na Rua Lucas Fortunato, quase esquina com Avenida Ana Costa. A mobilidade de pegar as coisas no estúdio deles era muito fácil”, diz, aos risos.
Roubos à parte, Boka reconhece que Robson foi o seu grande mentor. “Ligação de equipamento, como funciona, pra que serve, onde você pode tirar a saída de qual lugar, ou seja, como montar o setup inteiro, isso tudo aprendi com o Robson. Não só isso, quando ia nos bailes do Blow Up, chegava mais cedo e gostava de ver o Robson mexendo no som todo”, explica.
A amizade com Robson começou na antiga casa noturna Heavy Metal (Avenida Vicente de Carvalho, 18, no Boquei-rão). “Foi a melhor casa de todos os tempos. Nada conseguiu ser melhor até hoje”, comenta sobre o espaço comandado pelo empresário Toninho Campos, que marcou época entre 1982 e 1985.
E a trajetória que viria a seguir como engenheiro de som, veio acompanhada de um ponto curioso: nunca teve um nome fixo para o estúdio.
“Já foi Estúdio Blow Up, mas não adianta. Na hora de gravar, as pessoas falam ‘vou gravar no Boka’. Não tem jeito de botar nome. Ninguém vai falar sound, master, techno, afro. É o estúdio do Boka”.
Hoje, o engenheiro de som não tem mais um estúdio comercial, trabalha com o home studio e grava outras bandas em estabelecimentos de amigos. Dos tempos com o Blow Up até hoje, Boka transitou pelas ruas Prudente de Morais, Lacerda Franco, Francisco Glicério, São Paulo, Batista Pereira, entre outros endereços.
“Uma parte dos meus equipamentos está no Play Rec, a outra no estúdio do Théo e Suzuki (TCS Produções Musicais). Quando preciso, vou lá e gravo. Depois trago os arquivos para casa, faço a edição, afino, mixo, gravo a guitarra, faço tudo no home studio”.
Questionado sobre o que mais gosta de ouvir e gravar, o engenheiro de som não pensa duas vezes. “Eu gosto de música boa, bem produzida. Não escuto só rock, escuto muitos outros sons”.
Frases de efeito também são uma marca de Boka. Quando perguntado sobre o fim de várias bandas marcantes do cenário regional e internacional, ele mostra bem o que pensa. “Banda existe para ser dissolvida. Algumas duram dois anos, outras dez, outras 20, mas todas acabam um dia”, argumenta.
Trabalhos marcantes
Charlie Brown Jr
Com a banda santista de maior alcance midiático da história, Boka foi o responsável pelo som nos shows. “O que mais marcou foi a quantidade e intensidade dos shows. Eu sai da minha casa na quarta-feira e só voltava na segunda-feira. Chegou uma época que estava com estresse de ver aeroporto. Em um final de semana cheguei a entrar em oito aviões”, comenta.
Miriam Bezerra
O disco de estreia da cantora Miriam Bezerra, …E que tristeza seja chuva, de 2011, foi um dos trabalhos mais marcantes na carreira de Boka. Ele foi o responsável pela gravação do álbum, lançado pela Tratore. Aqui, Miriam mostra em 13 composições toda a sua influência de compositoras marcantes da música brasileira. Além disso, consegue passear por vários ritmos e gêneros.
Sonekka
Músico que marcou época nos anos 1980 tocando em várias festas no Interior de São Paulo, Sonekka gravou o EP Agridoce com Boka. E o resultado dessa produção, que tem quatro faixas, não poderia ser melhor. Em 2008, o disco recebeu o Prêmio London Burning de Disco do ano na categoria MPB.
Mauro Hector
O guitarrista Mauro Hector é uma unanimidade entre os músicos da região. Entre dez alunos de guitarra, nove aprenderam com ele. O disco Sonoridades, de 2002, é o primeiro dele solo. Ex-integrante da Druidas, Mauro teve Boka como o homem do som e participações de Zuzo Moussawer, Lenon Scarpa e Alexandre Reis.