Fanzines ontem e hoje: A história dessas publicações na Baixada Santista

Fanzines ontem e hoje: A história dessas publicações na Baixada Santista

Quem frequentou shows de punk e hardcore na Baixada Santista nos anos 1990 e início da década 2000, dificilmente não lembrará da enxurrada de fanzines, que dividiam espaço com camisetas, fitas K7, vinis e CDs de bandas independentes nas banquinhas. Certo?

As publicações não eram exclusivas desses públicos, muito menos surgiram nesse período. Mas certamente foi um dos momentos mais produtivos da história regional. Como esquecer do Rebel Magazine, Descarga, Alienação, Paranoia, Geração HC, Surf Core, Geração HC, Parasita, Eclipse, Por Um Ideal, Bravo Leader? É uma lista imensa de publicações independentes.

Se alguns largaram o ofício e partiram para outras áreas, outros seguem firme e forte na missão de levar ao público, o que não costuma estar presente no noticiário da grande mídia.

Alexandre Cruz, o Farofa, vocalista da banda Garage Fuzz, por exemplo, viveu várias fases dos fanzines. Iniciou em 1990, com o Crude Reality, que produzia com os amigos Marcílio Dias Lopes e Antonio Atibaia.

Na sequência, em 1991, Farofa voltou com Noise e Flores, um dos primeiros no Brasil a falar de indie/guitar. TV zine (com a esposa Alexandra Briganti Cruz e o amigo Rubinho) de 1993, já era mais incrementado. Vinha com uma mixtape em fita k7 com a trilha sonora do zine.

O Introduct, um dos primeiros fanzines de arte urbana nacional com artistas locais, chegou mais no fim da década, em 1998. Artista gráfico, Sesper, como também é conhecido, passou a editar fanzines mais voltados para as artes gráficas. Manteve essa produtividade em alta entre 2002 e 2010.

Em 2011, ele criou a Outprint, uma editora de fanzines e fitas-cassete, que segue em atividade, com mais de 60 títulos, entre próprios e de amigos.

“Peguei a época em que a comunicação e divulgação de ideias eram feitas basicamente por fanzines, entre a segunda metade dos anos 1980 e primeira metade dos anos 1990. Minha inspiração para fazer um fanzine era a integração da época, era a nossa internet”, comenta Farofa.

O vocalista do Garage Fuzz conta que Marcílio, seu parceiro no debute dos fanzines, e Alexandre Bonfim (Verbal Threat) foram as pessoas que deram o caminho para fazer suas produções. “Foi com eles que aprendi todo o processo de como fazer um fanzine do início ao fim, como escrever cartas, diagramar, entrevistar, divulgar, enfim, todos os processos”.

Hoje, mesmo com as facilidades tecnológicas, Farofa afirma que preserva alguns processos dos primórdios. “Os feitos nos anos 1980 e início dos 1990 eram tudo na colagem. Computadores eram bem raros e quando aparecia um, o máximo que conseguíamos era um texto impresso com uma fonte mais arrojada, que depois iríamos imprimir e redimensionar na Xerox e assim por diante. Hoje em dia misturo partes de colagem com partes no computador, mas finalizo o boneco para a impressão como era antigamente”.

Marcílio entre os pioneiros
Marcílio tem uma relação ainda mais antiga com essas publicações. O Warrior of Darkness (WOD), criado por ele e José Roberto, de São Vicente, em 1986, pode ser considerado um dos pioneiros na região.

O fanzine com uma temática mais voltada para a música underground, e todos os assuntos envolvidos no cenário independente, começou a aparecer no Brasil entre os anos 1970 e 1980. Antes disso, a ficção científica dominava essas páginas.

O próprio nome do fanzine de Marcílio derivava de duas porradas sonoras: Warriors of Death, do Sepultura, e Power of Darkness, do Death.

“Saíram duas edições do WOD. A primeira foi no segundo semestre de 1986, era em folha A4, com matérias sobre os recentes lançamentos do Slayer, Nuclear Assault, entre outros, mas dando espaço também para as bandas brasileiras que estavam surgindo, casos do Sepultura e Mutilator. Eram resenhas dos discos e demo tapes. Ele foi inteiramente datilografado, com os logotipos desenhados à mão. E as fotos eram oriundas de revistas internacionais, ou de material que as próprias bandas enviavam”, comenta Marcílio.

Vendido em lojas e shows em Santos, o zine ganhou força fora da região também. “O logotipo do WOD foi criado pelo Zé Flávio (Psychic Possessor). Pintamos algumas camisas a mão e entregamos para as bandas usarem em seus shows (Anthares, Sarcófago). Nos agradecimentos dos discos do Viper (Soldiers of Sunrise) e Sepultura (Schizophrenia) é possível notar citações ao WOD”.

A segunda edição do WOD foi publicada no início de 1987, época em que Marcílio já tinha uma vasta correspondência com bandas, fanzines e pessoas fora do Brasil. “Colocamos material inédito de bandas como Sadus e Sacrifice que nos mandavam fitas, fotos, cartazes e filipetas. Recebíamos também muito material de bandas nacionais e tudo isso saiu na segunda e última edição. Aproveitamos para colocar resenhas de shows que assistimos e recheamos com comentários de demos tapes do Death, Massacre, Morbid Angel, Slaughter (nenhuma banda tinha LP)”.

Fabiano Geraldo: Produção é seu ofício


Bravo Leader, Couch Potatoes, Newground, Putaria 100% e Mixtapes. O que esses fanzines têm em comum? Todos foram produzidos por Fabiano Geraldo, o Vovô, um apaixonado por esse tipo de publicação. Quem nunca encontrou com ele em shows, certamente já trocou uma ideia com o cara na Vídeo Paradiso, uma das locadoras de vídeos resistentes da região, onde trabalha há anos.

“O Bravo Leader foi o mais divulgado. Recebia material a rodo das bandas. Teve uma hora que nem deu para continuar, tamanho o volume, dai resenhava para outros zines. Cheguei até a colaborar com o Geração HC, do Leonardo Daruma.

Do papel para o digital – Os primórdios do Zona Punk


Há 17 anos no ar, o site Zona Punk (ZP), do jornalista santista Wladimyr Cruz, considerado um dos maiores de música independente da América Latina, teve início como fanzine. Isso mesmo, o Rebel Magazine, que circulou entre 1996 e 2000, foi o ponto de partida.

Durante o período em que foi impresso, distribuído ou vendido, o Rebel Magazine teve dois formatos e chegou a ter capa colorida. “Gosto de rock desde criança e sempre consumi revistas e livros de rock, e com pais jornalistas, não teria como ser diferente. Segui o mesmo caminho. E resolvi misturar numa publicação minha, opiniões sobre o que ouvia e vivenciava musicalmente”, recorda Wlad sobre os primeiros passos.

“Meus pais me deram a ideia de, quando iniciasse o zine, já fazê-lo de forma mais profissional, com diagramação eletrônica – feita na época no arcaico Corel Draw 4. Com uma diagramação mais padronizada, poderia vender anúncios e gerar dinheiro para a produção. Empreendimento punk faça-você-mesmo auto-sustentável desde o começo. Já a linha editorial era baseada no meu gosto pessoal. Nunca fui radical, então conseguia misturar bandas mainstream com a produção underground local sem problema”.

Para o jornalista, o período de ouro dos fanzines na Baixada Santista, entre a segunda metade dos anos 1990 e o início da década 2000, foi bem eclético nos temas abordados. “Havia fanzine voltado para música, zines políticos, zines feministas… Tudo feito por pessoas de idades diferentes, backgrounds diferentes. Era algo democrático, inclusivo e plural. Mesmo na música, não se falava só de hardcore punk, tinha até um fanzine de jazz circulando na época”.

A transição do papel para o digital foi natural, segundo o jornalista. “A maior dificuldade dos zines era a distribuição. O Correio era caro e tomava muito tempo. E mais: o feedback não era imediato, um disco, uma entrevista respondida, isso levava dias, semanas. No online, todos esses problemas foram resolvidos, além de não ter custo para publicação. Com ferramentas como mIRC, ICQ e o próprio e-mail, a troca de contatos e distribuição era imediata, bem como o retorno. Os banners eram os novos boxes de anúncio, e a perspectiva de crescimento era enorme. Bom, os dias de hoje me dão razão, enfim”.

Influenciado por TV Zine e remodulado pelo Academia de Punk Rock, Surfcore marcou época 
Lembra do TV Zine, que comentamos no início do texto? O Surfcore, que teve sua primeira edição em 1995, foi fortemente influenciado pela publicação do Farofa. Entre 1995 e 2001, Victor Martins e Marco Casado Lima publicaram dez edições do fanzine, sendo que a nona foi um split com o Descarga, da Marcela Mattos e Kadu Abecassis.

“Lembro que as maiores influências para começar o Surfcore foram o TV Zine e o Academia de Punk Rock. O primeiro, em 1994, simplesmente pela ideia DIY (do it yourself/ faça você mesmo) em fazer matérias, resenhas e entrevistas sobre as bandas que a gente mais curtia e não achava nem nas revistas importadas para ler a respeito (Circle Jerks, Agent Orange etc). Daí em 1995 surgiu a influência que definiu o zine que nós já fazíamos: o Academia de Punk Rock, do Atibaia. Esse zine era muito foda cara. O Academia era o nosso Flipside e o Rebel Magazine o nosso Maximum Rock n Roll”, comenta Marco Casado Lima.

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Trabalhar com fanzines não é exclusividade dos personagens citados ao longo dessa reportagem. O repórter que vos escreve deu seus primeiros passos no Jornalismo com colaborações no Geração HC, fanzine de Leonardo Daruma, em 2000.

Como também tinha uma banda de punk rock à época, o Gas Burner, trocava muitas ideias com integrantes de bandas de vários estados. A partir daí, senti a necessidade de escrever sobre o que escutava.

Com o Geração HC divulguei muitas bandas de Santos, mas dava uma atenção especial para os cariocas. Conheci The Invisibles, Skore, Staples e tantas outras dessa forma.

Outros fanzines

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Alienação: com algumas páginas feitas à mão, sem diagramação, a publicação de Camila Eleuterio trazia textos sobre religião e cena musical. Os editorais eram sempre uma atração. A jovem Camila não deixava nada de errado passar. Comentava e criticava tudo.

Paranoia: formado por crônicas, entrevistas, resenhas e matérias gerais de skate, tatuagem e outros assuntos. Carina Boldi, Isabela Carrari, Juliana Rocha e Lara Póvia eram as redatoras.

Descarga: comandado por Marcela Mattos, o zine na linha riot grrrl contava com textos libertários, entrevistas e reviews. Chegou a ter uma edição conjunta com o Surf Core.

Definite Choice: editado por João Veloso Jr, do White Frogs, chegou a ter versões em inglês e em português.

Academia de Punk Rock: Antonio Carlos Soares de Almeida (Atibaia, integrante do Safari Hamburguers) comandava o fanzine repleto de resenhas e entrevistas. Marcou época e serviu de influência para outros fanzines da região.

Menções honrosas aos zines: Penso, Logo, Resisto, Resistência & Luta, Libertárias, Cresça e Desobedeça, Anarco Punx contra o Sistema, Felicia, Sasami-5, Girl’s Renovation, Durango, Abrigo, Punkasso Zine, Parasita Zine, Eclipse, Liberdade Geradora de Caos, Punto de Vista Positivo, Monterey e Vida e Paz.