O cantor e compositor cearense Gabriel Aragão surge sentado, em uma manhã, em meio a um parque em uma imagem que remete ao clássico All Things Must Pass na capa de seu disco de estreia solo, Rua Mundo Novo. Se o álbum clássico de George Harrison foi um marco de reinvenção do Beatle, Aragão se encontra em paz, em nova fase de vida e alma pronto para sentir que pra ele tudo passa e ele pode recomeçar. É assim que ele se mostra no debut em que se despe do indie em prol de uma MPB contemporânea.
“Pra mim, os conceitos vão se desenhando e ganhando nitidez até pouco depois de lançar, que é quando o público absorve letra e som, ressignifica. Aí eu sinto que fecha o ciclo e fico pronto pro próximo. Em Rua Mundo Novo, percebi, ainda em estúdio, que eu estava falando sobre o nordestino que mora no Sudeste, por vários ângulos: a luta pelo seu lugar ao sol, estranhamento, saudade de pessoas e da terra natal, situações difíceis, adaptação e dar a volta por cima. Nunca passei tanto tempo trabalhando em um disco. Tem sido uma alegria a cada etapa dessa construção ao lado de tantos parceiros desde a composição ao lançamento. Bem desafiador, uma montanha a ser escalada, mas a vista é maravilhosa”, reflete Gabriel.
O álbum marca uma fase de renovação artística para ele. O artista recentemente lançou o primeiro EP solo, ABRECAMINHOS, e a releitura de Caminando, Caminando, uma canção de resistência e liberdade composta por Víctor Jara que Aragão regravou ao lado de Mateo Piracés-Ugarte (francisco, el hombre).
Os lançamentos vieram na sequência da sua estreia literária, O Livro das Impermanências (Editora Letramento, 2021), do lançamento da trilha para o filme Malhada Vermelha e de mais de uma década à frente da banda Selvagens à Procura de Lei, referência no indie rock nacional.
Com participação especial de Laura Lavieri, o álbum traz parcerias com Roberta Campos, Tagore, Mateus Fazeno Rock e com o próprio Marcelo Camelo dialogando liricamente com gerações diferentes.
“Esse disco, ao pé da letra, me abriu como compositor e intérprete para novos horizontes. A Sorte, música minha e do Marcelo, foi um gol desses que surgem aos 45 do segundo tempo. Como eu já tinha esgotado as temáticas do disco, nessa, em particular, me inspirei na minha própria viagem a Portugal, vindo do Ceará, com muita garra pra fazer esse disco. Desejos Carnais, minha e do incrível Mateus Fazeno Rock, é uma antiga parceria que apenas agora encontrou um colo pra repousar. Tinha que ser nesse disco, valeu a espera. Sampa Sampa, minha e do Tagore, continua a temática do nordestino no Sudeste, que é algo que permeia todo o disco. Turva, minha e da Roberta, faz parte de uma série de composições que fizemos juntos ao longo da pandemia. Isso fora parcerias com Daniel Medina e Italo Azevedo, compositores de Fortaleza de mão cheia”, reflete Gabriel.
Gravado em Portugal em uma imersão criativa no estúdio de Marcelo Camelo, o disco conta com mixagem de Ricardo Riquier e masterização de Carlos Freitas.
“O Marcelo resgatou em mim uma leveza para compor que eu tinha esquecido. Talvez por conta da dureza do desgoverno que vivemos, da pandemia que me deixou bem deprê, tantas coisas. Mas lembro que nas primeiras trocar da gente ele me sugeriu deixar o meu lado solar brilhar mais. Isso me fez muito bem no lado da escrita, mas também pessoalmente, sabe? Além disso, acho que quando o produtor também é artista, as coisas levam mais tempo, a gente abstrai muito mais. É luxo se dar tempo para maturar hoje em dia em que tudo é pra ontem, mas deixar as coisas assentarem e dar respiro entre as etapas foi um trunfo que me trouxe até aqui e me sinto preparado pra entregar esse novo som para as pessoas”, reflete Gabriel.