O músico americano-brasileiro Sami Chohfi tem trabalhado ativamente desde o lançamento do seu primeiro álbum solo, Extraordinary World (2020). De lá para cá, divulgou vários singles, sendo o mais recente Anodyne (droga ou medicamento analgésico, na tradução), que o músico diz ser uma metáfora do que a música significa para ele.
Sami Chohfi conversou com o Blog n’ Roll, via Zoom, e falou mais sobre a canção, a indústria musical, streaming, cenário musical de Seattle, onde mora atualmente, além da possibilidade de vir ao Brasil para divulgar seus trabalhos mais recentes.
Em Anodyne, você expressa seus sentimentos sobre a indústria musical. O que mais te incomoda hoje nessa indústria?
Essa resposta está em constante evolução. Antes, diria que o mar de coisas que estão aí, é difícil encontrar uma plataforma, um lugar para a sua música. Mas agora, o que me incomoda é o fato de inteligências artificiais (IAs) fazerem música. Sou um purista, quando se trata de composição, deve vir da alma, da pessoa, as palavras devem vir de seu pensamento, e a música da sua energia, das suas emoções.
Essa coisa toda de IAs me assusta, e o que é pior é que os consumidores vão engolir, é o que acho. Quando as pessoas começarem a falar do Freddie Mercury cantando uma música dos Beatles, ou sei lá o que, as pessoas vão ficar “Meu Deus, é tão incrível“, mas não é real.
É doido que vivemos em um mundo em que a indústria musical nos últimos, não sei, 12, 15 anos, mudou e não consumimos músicas mais da mesma forma. A parte do artista está sendo perdida, os músicos já não vivem tão bem quanto viviam, a não ser que tenham começado nos anos 90, ou começo dos 2000, quando os negócios ainda eram centrados na música.
Agora nós estamos falando do lançamento de 250 mil músicas por dia, de um mercado saturado, de pessoas consumindo música no Tiktok por 15 segundos, e músicas viralizando por meio de algoritmos, e esse é o meu problema com a indústria musical.
Porém, apesar disso ser um desafio para todo artista independente, como eu, a música ainda é a minha salvadora, a música é a minha salvação, minha fonte de prazer, e é sobre isso que Anodyne fala, da música ser o meu remédio.
Você considera justa a forma de remuneração dos artistas no streaming? O que pode ser feito para melhorar?
Com certeza não acho justa. Honestamente, tudo se trata dos consumidores. E outra coisa, os artistas estão tão acostumados a fazer música de graça, e vídeos. Os artistas têm investido muito para fazer grandes clipes, grandes músicas, grandes produções, essas coisas não são baratas, não apenas o equipamento, mas também os bons produtores, mas enfim.
Acho que a única coisa que consertaria isso seria se os artistas que são grandes, Metallica, Katy Perry, Taylor Swift, Foo Fighters, se essas bandas fizessem algo para mudar as plataformas. Por exemplo, se eles retirassem suas músicas dessas plataformas e fizessem com que todos tivessem que ir ao seus sites para ouvir as músicas ou comprar as mídias físicas, como era feito com os CDs, mesmo as pessoas não usando mais CDs. Mas por que não usamos mais CDs? Pois não vendemos mais, pois temos Spotify, iTunes, Deezer, entende?
Os artistas que tinham controle da indústria e dos selos, perderam esse controle e agora estamos aqui, onde se você faz US$ 0,0003 por stream, então se você tem dois milhões de streams, acho que ganha uns US$ 1 mil. Há um tempo atrás isso daria US$ 2 milhões em receita, pois cada single custava US$ 1, claro que o artista não ficava com tudo, mas ficava com parte.
Respondendo a pergunta, não há nada que possamos fazer, e os artistas que podem fazer algo estão muito confortáveis com a situação. Já ouviu a expressão do sapo na vasilha com água? A água está fria, e lentamente a água vai esquentando, e o sapo não percebe pois está esquentando gradativamente, e o sapo é cozinhado sem saber que estava sendo cozinhado. É praticamente a mesma coisa.
Você sabe da luta dos artistas, principalmente os independentes, e a maior parte é independente, fazemos isso pois amamos a música, e acreditamos no que fazemos. Minha coisa favorita no mundo é tocar ao vivo, amo tanto.
Tenho olhado a filmagem da minha turnê no Brasil, e do meu festival na Índia, e toda vez que assisto me sinto tão realizado de poder conectar com um público assim. Para mim, toda gravação que faço, todo vídeo, é parte do meu legado, mas o mais importante, esses shows, são as melhores memórias.
Pretende vir ao Brasil em breve para divulgar o seu trabalho? Como está os planos?
O Brasil é meu lugar para tocar, pois as pessoas são tão receptivas e amam rock and roll. Amo que no Brasil as pessoas estão presas nos anos 1980 e 1990, amo isso. Você escuta o rádio e ainda toca músicas dos anos 1980 e 1990 em todas as estações, desde a Antena 1, Rádio Kiss, Rádio 89, não importa o que esteja escutando. E isso é bom para mim, pois gosto dessas músicas, e elas me inspiram a fazer minhas músicas, é legal, pois os brasileiros recebem minhas músicas bem.
Na última turnê no Brasil, já postei cinco vídeos. Você pode ver o público, a energia, a alegria, foi fantástico. É engraçado, pois quando fui para Índia, pensei, não tem como eles serem como os brasileiros, e eles eram tipo os brasileiros multiplicados por dois.
Nas músicas lentas, os brasileiros entram no clima, os indianos ficam pulando, foi doido. Achei fantástico, posso tocar músicas lentas e a energia se mantém a mesma, ok.
Queria que você falasse um pouco sobre essa sua relação com o Brasil.
Meu pai nasceu no Brasil, sou metade brasileiro. A primeira vez que fui ao Brasil, eu tinha 3 anos, e foi quando conheci minha avó. Todo ano, durante as férias escolares, ia visitar minha avó, meus primos. Dos 7 aos 14, ia com muita frequência, foi quando comecei a aprender português, mas o português não ficou bom até eu casar com uma brasileira.
Minha história de amor na verdade é bem doida, ela é a primeira garota por quem me apaixonei, no Brasil. Eu tinha 14 anos de idade, o nome dela é Renata. Eu tinha 14, ela tinha 19, ela estava na casa da avó dela, quando a minha avó estava visitando a avó dela, e foi amor à primeira vista para mim. Escrevi uma música sobre chamada Sing You to Me. Ela entra, e o tempo para pra mim. Fico tipo, essa é a mulher mais linda que já vi.
Ela tendo 19 e eu 14, claro, para ela não era o ideal, mas eu liguei para ela, pedi o telefone dela para minha avó. Eu disse, “oi Renata, como vai? Aqui é o Sami, acho que te amo”. Foi o que disse, ele foi muito doce comigo, mas não disse “volte daqui 10 anos”.
Mas sabe como a vida é um labirinto, né? Dezoito anos depois nos encontramos no Brasil e nos casamos, foi amor à segunda vista para ela. Histórias de amor são as melhores, por isso gosto de escrever músicas de amor, tenho muito amor.
Aliás, não vi nenhuma menção sobre um futuro álbum. Você pretende explorar os singles? A ideia é se manter neles ao invés de um disco cheio?
No começo da minha carreira, comecei com a minha banda Blue Helix, eu sempre fazia discos. Mas o que descobri é que depois da mudança na indústria, a não ser que você seja o Foo Fighters, o Smashing Pumpkins, o Depeche Mode, quando você lança um disco, as músicas não chegam aos ouvintes. Tudo se trata da plataforma.
Descobri que quando lançava um clipe de uma música, e depois lançava outro clipe desse mesmo álbum, as pessoas perguntavam onde poderiam encontrar a música, e isso aconteceu muitas vezes. Lançando álbuns, as músicas se perdem e foi quando decidi não lançar um álbum completo.
No meu projeto solo, em 2020, o Extraordinary World, com composições que fiz viajando por vários países, inclusive o Brasil, fizemos muitos vídeos, visitei a Índia, Paris, Brasil, Armênia, todo lugar, e fiz um álbum com cinco clipes.
Decidi que teria mais impacto, e mais recompensador para novos fãs, se eu lançasse apenas singles. Então só lanço uma música se ela for muito boa, e merecer um clipe. Depois, lanço outro single com um vídeo. Meu catálogo no Spotify tem um álbum e vários singles, pois lanço um a cada dois meses. Se você divide, são pelo menos seis músicas novas por ano.
Nos anos 1980 e 1990, Seattle vivia um cenário musical muito forte. Como é hoje? O que mudou? O rock ainda é forte na cidade?
Rock se foi. Não há mais rock aqui, mal tem shows, há poucos lugares para bandas de rock tocarem. Acabamos de assistir o Placebo, eles tinham a opção de três a quatro espaços para tocar, mas nenhum dos locais de rock tinha estrutura para uma banda como essa. Para as bandas que são daqui, tirando os pubs, não há uma cena de rock aqui, vamos dizer assim, a cena mais forte aqui é de hip-hop, cena de rap muito forte.
Rock é bem underground, nos anos 1990 era muito forte. No Brasil sempre me perguntam “Sami, como é que estão as coisas em Seattle, todo mundo sai pra show, gostam de grunge?”, mas faz muitos anos que parou.
Existe toda uma romantização de Seattle ser um lugar de rock, mas Seattle é uma cidade linda para se viver, tenho meu estúdio aqui, é onde trabalho, ensino meus alunos. Seattle para viver é perfeita, mas em termos de cena de rock, não.
Os tempos mudam, mudei para cá devido à essa fantasia. Tinha 12 anos quando a cena de rock era forte aqui, nem tocava guitarra. Nasci atrasado, mas vim para cá pensando que iria encontrar uma banda fácil.
Cheguei em 2000, demorou sete anos para chamar uma banda. Fiz tudo ao contrário. Em 2000 vim para Seattle com 18, trabalhei de garçom, e com as gorjetas montei o estúdio. Comprei equipamento e fiz o caminho contrário. As pessoas, quando têm 19, 20 anos, fazem shows, mas eu estava trabalhando para poder fazer isso agora, com mais idade.
Você acredita que o rock pode voltar a ser forte um dia?
Daqui cinco anos, se o mundo ainda estiver aqui, o mundo não se afogar debaixo de água, acho que o rock vai fazer uma volta. Eu estou aqui ajudando com toda a minha força. Pensando aqui, gostei muito dos anos 93, 94, entre 94 e 98, não tinha só grunge, tinha tudo.
No meu trabalho, sempre penso nas bandas que adorei, as de Seattle, claro, Pearl Jam, Soundgarden, Chris Cornell meu cantor favorito, Nirvana, Stone Temple Pilots, Smashing Pumpkins, Radiohead, Nine Inch Nails. E na época tinham bandas com músicas lindas, como Oasis, Goo Goo Dolls, Fuel, tantas bandas maravilhosas, que quando comecei a compor, queria fazer isso.
Se você ver meu repertório, você vai ver balada romântica, depois pesado. Estou fazendo uma homenagem para essa época de tantos tipos de música diferente. É sempre interessante, as pessoas me veem, cara com cabelo comprido, unha pintada, e pensam que vai ser metal. No show tem esse momento pesado, mas a maioria é essa música mais balada de rock, é uma homenagem, de 93 a 97, que tinha todos os tipo de rock.
MTV era tudo para mim, eu estava na escola com meus 14, e tinha que acordar muito cedo para pegar o ônibus. Eu tinha que acordar 6h30, mas acordava 4h30 só para assistir os clipes, minha mãe ia me acordar e eu já estava de pé. Isso porque boto tanta energia, tanta atenção aos meus clipes, por causa disso, acho que o vídeo mostra a música, a história, tudo que o artista estava pensando.
Hoje em dia as bandas gravam tocando em um quarto, não é clipe, o clipe conta uma história.
O vídeo do Anodyne é todo gravado em fita, com super 8, o produtor tinha uma imagem de 1983, 1984, gravou uma família americana, gravando nossa cultura, e a gente gravou no Brasil, em 2018, com a mesma câmera. Fez esse clipe para mostrar essa história vintage.
Anodyne é uma música para dar esse sentimento da primeira vez que se apaixonou, que saiu com os amigos, bebeu e passou mal, esses momentos muito especiais que nunca fará novamente na vida, pois foram primeiras vezes.
Anodyne é isso, lembrar de todos os momentos especiais de nossa juventude, o primeiro show, a feijoada na casa da vó com os primos, tudo tá aí nesse clipe. Quando vejo, lembro de tudo que vivi na primeira vez com a música.