Um cancioneiro urbano, cru, atual e cotidiano guia A Cidade, quarto álbum de Valentin, projeto solo do músico Érico Junqueira. O novo trabalho amadurece a estética sonora construída até aqui, calcada na canção, para dialogar com os dilemas de um país dividido e dilacerado, mas que segue existindo e pulsando a cada esquina, embaixo dos viadutos, sobre os morros.
O músico propõe novos trajetos para observar o cotidiano, as ruas e as pessoas, como um caminho de volta para si mesmo. O álbum é um lançamento do coletivo de criação musical OCorreLab, já disponível nas principais plataformas de música.
A estética musical foi pensada a partir da voz e violão, que é a alma do projeto Valentin. Porém, A Cidade é povoada por muitos outros instrumentos, tons e sons, com uma formação clássica de rock Os convidados vêm para agregar suas vozes a esse ambiente urbano e refletem as fronteiras geográficas diluídas desse projeto.
O mineiro Jair Naves surge na já revelada Lobo, enquanto a também gaúcha Amanda Gabana canta no single Agora eu preciso pagar contas e Ingrid Wimmer, de Brasília, participa de Os dias vão bastar.
A coletividade da banda foi indispensável para enriquecer melodias e harmonias. As primeiras influências de Érico, no hardcore, se mesclam à MPB na forma de riffs que repetem e pulsam.
A bateria de Nicolly Demeneghe, instrumentista de bandas como Suerte e Polara, na maioria das faixas vem com peso e volume, mesmo em ritmos como chamamé ou maracatu.
Leonardo Braga, que também assina a produção (junto de Érico Junqueira) e a mixagem, tocou guitarra, baixo, sintetizadores e piano. Formou-se assim uma sonoridade encorpada, onde o violão e voz de Valentin ganham protagonismo.
O título do álbum veio da observação de processos como gentrificação, especulação imobiliária, meritocracia, o racismo, a misoginia, a competição e o fascismo, mazelas nunca resolvidas da nossa colonização que se atravessam, se misturam, se reproduzem.
“A Cidade inicialmente não foi pensado como um conceito fechado. As músicas que fazem parte desse disco foram escritas num amplo período de tempo que se estende de 2013 até 2019 e refletem alguns momentos vivenciados coletivamente no país mas que reverberam individualmente, intimamente até. Como em qualquer momento de turbulência que revolve o lodo do fundo e joga ele de volta pra superfície, esse período trouxe à tona uma série de questões sociais e políticas com as quais nunca tínhamos sido confrontados, questões que na verdade foram invisibilizadas ou ignoradas ao longo de vários séculos”, resume Érico.
Em paralelo a isso, o projeto Valentin começou a ganhar a estrada. O músico passou a viajar com mais frequência, apostando em apresentações na rua, em praças e parques, encorajado por Teco Martins (vocalista da banda Rancore) – artista que fez mais de mil shows dessa forma, do Oiapoque ao Chuí. A circulação por cidades de diferentes regiões do país influenciou diretamente nos assuntos abordados nas canções.
A temática do disco é um passeio por toda essa experiência que, apesar de esbarrar na antropologia, não é exatamente um relato etnográfico ou sociológico. “A Cidade” é, na realidade, um produto da percepção, interação e da relação de questões externas – como o ambiente e com outras pessoas – e internas, conflitando com paradigmas existenciais, com certeza estabelecida, com o senso comum internalizado.
“Experimentar outras dinâmicas de comportamento e realidade, outros fluxos de atividades, o ar de outras capitais, o ar de cidades do interior, mas principalmente o contato com as pessoas desses lugares, as suas vivências e particularidades. O contraste das suas impressões com as minhas sobre o que acontecia no país tornava evidentes algumas coisas das quais eu somente desconfiava, ou colocava em questão contradições profundas que estavam confortavelmente adormecidas dentro de mim embaixo de um cobertor quentinho”, recorda o músico.