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Entrevista | Bia Ferreira – “A gente não se calou nesse momento bem crítico”

Existe muita coisa que não te disseram na escola. Cota não é esmola! Experimenta nascer preto na favela pra você ver! O que rola com preto e pobre não aparece na TV: opressão, humilhação, preconceito. A gente sabe como termina, quando começa desse jeito”.

Esse trecho é só o começo da letra impactante de Cota Não é Esmola, canção que impulsionou a carreira da cantora, compositora e ativista sergipana Bia Ferreira, um dos nomes mais festejados da nova música brasileira.

Prestes a lançar o seu disco de estreia, Um Chamado, Bia é uma voz consciente em tempos onde o racismo está cada vez mais latente. E junto com as poderosas mensagens, a sergipana transita por diversos gêneros musicais, de forma natural. Se iniciou no RAP, hoje está associada também ao soul, MPB, jazz, gospel, reggae, entre outros.

“Trago várias outras coisas para além do RAP. Não gosto de me colocar como uma mulher do RAP. Tem muitas mulheres do RAP que estão nessa correria há muitos anos. E acho que seria roubar o protagonismo delas, que se esforçam para viabilizar o gênero. Não é a bandeira que carrego, mas o RAP estará aí porque é referência e influência do que faço”, comenta Bia, que conversou com o Blog n’ Roll por WhatsApp.

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Discurso de peso

A artista conta que as pessoas não enxergam o trabalho que tem por trás de um cantor. “Elas pensam que é só subir lá e cantar. Mas tem todo um trabalho de estudo por trás disso, que faz com que seja bem feito. É você ler coisas, ter base bibliográfica e teórica para o que você está dizendo, estudar oratória, saber falar com as pessoas”.

Para embasar o seu discurso, Bia cita a Igreja Lesbiteriana. “A ideia e proposta é essa. Fazer com que a pessoa se sinta num ambiente onde ela absorva a mensagem de forma diferente. Da mesma forma que acontece com a igreja, que faz uma lavagem cerebral nas pessoas com mecanismos de oratória. Podemos usar essas técnicas para coisas boas, informar as pessoas sobre as demandas de luta contra o racismo, não homofobia, entre outras coisas”.

Racismo na música

Questionada sobre o motivo de cantoras negras não terem o mesmo protagonismo no cenário nacional, Bia Ferreira fez uma comparação entre Anitta e Ludmilla.

“Se for comparar com Anitta, a gente deveria falar da Ludmilla. Ela é excepcional, fora de série, tem técnica e qualidade vocal, mas não tem o mesmo protagonismo da Anitta. As duas começaram no funk e depois migraram para o pop. Isso é fruto de um sistema que foi criado assim.
Me dê um motivo para a Ludmilla não estar no mesmo patamar da Anitta”.

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A sergipana vai além na discussão: “quem são as cantoras que cantam para os orixás? Clara Nunes, Maria Bethânia. São brancas. Quando pessoas pretas fazem, as pessoas dão menos valor. Nós estamos na base da pirâmide social”.

Para a cantora, o ponto de mudança é pautar essas questões e educar as pessoas através da música e discurso. “As pessoas se preocupam demais se estamos vivendo aquilo que estamos cantando. Nós somos protagonistas das nossas próprias histórias”.

De acordo com ela, um dos pontos que dificulta essa mudança de comportamento vem do próprio governo.

“Nós temos um governo hoje que defende que não existe racismo, luta pela manutenção da fortuna dos mais ricos, defende esses padrões. A gente não se encaixa. Essa posição do governo influencia muito nas pessoas que não tem essa possibilidade de ter acesso a esse discurso. A carreira de quem aborda isso não ascende. Quem canta sobre política ver portas sendo fechadas todos os dias”.

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Shows de Bia Ferreira no exterior

Mesmo sem ainda ter lançado o disco de estreia, Bia já desperta a atenção de outros mercados. No início do ano, se apresentou em Portugal, Alemanha e México.

“A aceitação do meu trabalho fora do Brasil tem sido surpreendente. Cheguei em Portugal, fizemos seis shows sold out (esgotado). Em Lisboa foi sold out com uma semana de antecedência. As pessoas sabiam cantar todas as músicas, se comoviam. Na Alemanha foi ainda mais chocante. O show foi cantado em português e falei um pouco em inglês. Um dos jornais disse que foi o melhor show de artista brasileiro em Berlim nos últimos dois anos”.

E o retorno ao Velho Continente já está confirmado. Voltará no fim do ano para mais uma sequência de apresentações. “As pessoas não entendem o que estou cantando, mas depois vão pesquisar e traduzir”.

Debute de Bia Ferreira

Previsto para as próximas semanas, o disco de estreia será um compilado de tudo que Bia já apresentou, mas nunca registrou em estúdio. Além disso, duas canções inéditas foram adicionadas no repertório. Ao todo, são oito faixas.

“Se formos falar financeiramente, esse disco não sairia. Muita gente acredita no disco. Ele tem muito amor empregado em cada letra, som e batida. São pessoas que acreditam em uma revolução que está em curso. A gente não se calou nesse momento bem crítico da história. Tem muitas referências do gospel, soul, r&b. Ele está gostoso de ouvir, está pra dançar, mas o principal é a mensagem. Ninguém tem mais desculpa pra dizer que não sabia”.

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