Nunca saberemos quando e em qual circunstância se dará, mas em certos momentos da vida a estrada bifurca.O quando foi há quase dois meses. O como, por meio de uma perda irreparável. Dois caminhos se apresentaram: rumo ao fundo do poço (tudo estaria terminado de vez) ou à luz.
O quarteto optou por este, convidou uma mulher para também trilá-lho e criou a banda A Banca, que terá duas fundamentais missões: preservar o legado, a herança deixada por Chorão e a banda Charlie Brown Jr., e sedimentar sua própria identidade no cenário do rock nacional.
Nesta entrevista, no belo entardecer de Santos (onde o quinteto nasceu), Champignon (vocal), Marcão (guitarra), Thiago (guitarra), Bruno (bateria) e Lena (baixo) falam sobre a estrada à frente.
Em algum momento, horas depois da morte do Chorão, vocês pensaram em desistir?
Thiago – É um baque tão grande! É como perder o irmão. De repente o cara não está mais ali. Foi igual com todos. Não pensávamos direito em nada. A única decisão unânime foi a de que não existe Charlie Brown Jr. sem o Chorão. Somos músicos, é isso o que sabemos fazer. Além disso, há 25 famílias que dependem diretamente do que fazemos.
Por que o nome A Banca?
Bruno – É uma gíria que identifica a turma. Somos a galera do Chorão. A ideia foi do Champignon. E como homenagem ao nosso amigo vamos fazer, até o final do ano, a turnê Chorão Eterno. Começa em maio, vamos tocar em Lorena, Rio Claro e no programa Estação Globo. Há outros convites, mas vamos aos poucos.
Será repertório da Charlie Brown Jr. ou da A Banca?
Bruno – Em breve sairá o disco La Família 013 (família todos sabem o que é e 13 é o prefixo de Santos), com faixas inéditas escritas pelo Chorão, que tem como música de trabalho Meu Novo Mundo, que vai virar videoclipe.
O Xande (Alexandre Abrão), filho dele, continua com a gente. Ele é o nosso fotógrafo, faz faculdade de Cinema e é responsável pelo material audiovisual de divulgação da banda.
Thiago – Vamos também mostrar algumas música da A Banca para que as pessoas conheçam esse novo trabalho, essa nova fase que se inicia.
Como é entrar para o Clube do Bolinha? Eles deixam você falar ou rola um “nada de sentar na janelinha”?
Lena – Muito legal. Somos todos amigos. Eles escutam sim, dou minhas opiniões. E o mais legal é que muita gente daria tudo para estar ao lado deles por um minuto, até para uma simples foto, e eu fico com eles boa parte do tempo. Digo isso porque sempre fui fã dos caras.
Como é ter uma mulher na banda que só tinha homens?
Marcão – Normal. Ela trouxe essa energia, essa leveza feminina, que é muito legal.
Champignon – Eu conhecia a Lena da noite, sempre gostei do trabalho dela, mas pensava: nunca vou poder ter essa baixista em minha banda…
Algo como: ela ou eu?
Champignon (rindo). Como sou baixista, quase isso. Desde o primeiro ensaio rolou a maior química entre todos. Cara, ela tem o dedo pesado.
Não deu uma pontada de ciúme? Ela agora é a baixista. Como é assumir o vocal?
Champignon – Um enorme desafio. Mas não dava para fazer as duas coisas ao mesmo tempo, e como ela é uma excelente baixista, está em boas mãos.
Marcão – Ele está sendo muito corajoso para largar a posição confortável de apenas tocar um instrumento para ser o cara da frente.
Champignon – Todos nós estamos sendo corajosos.
Você não teme comparações com Chorão?
Champignon – Ele criou uma linguagem, tinha seu estilo. Depois que eu saí da Charlie Brown Jr., na banda Revoluções eu cantava. Na volta, eu cantei solo em uma faixa de um dos nossos discos e cantei junto com o Chorão em shows.
Eu tinha 12 anos quando o conheci, aprendi e absorvi muita coisa, mas cada um é um. Claro, no início, vai ter isso (de comparação), mas não me preocupo. E nada que o tempo não vá ajeitar.
O Chorão fazia todas as letras. Quem assume?
Bruno – O Champignon, o Thiago e a Lena escrevem letras e a banda já tem algumas composições. O Chorão deixou alguns textos, pedaços de letras, coisas escritas que o Xande tem nos mostrado. Os três poderão completar o que falta. É uma possibilidade.
Muito se fala da personalidade do Chorão: briguento e amável… O que ele deixou a vocês além de letras?
Thiago – Todos nós aprendemos muito com ele. Principalmente que se deve sempre acreditar. Que devemos fazer o nosso máximo. Quando o pai dele morreu, e foi o que mais o deixou abalado, duas semanas depois ele estava na estrada com a gente. Era um batalhador.
Bruno – Ele sempre tinha uma palavra de carinho, dava toques quando um de nós estava para baixo. Curiosamente, ele não se abria. Quando a gente sabia que ele estava triste e íamos falar algo, ele dizia que era cansaço e vinha com alguma coisa nova e astral para cima.
Champignon – Eu estou na banda há 22 anos. Desde o início o Chorão acreditava que a gente iria fazer sucesso e dizia isso. Uma vez, ele usou como exemplo o Sepultura. Os caras saíram daqui e se tornaram mundialmente famosos.
Thiago – Cara, uma vez ele disse para a gente que ganharíamos um Grammy. Sério, rimos e achamos que era loucura. Nós temos dois. Ele nunca deixou de acreditar.
O que vocês projetam para A Banca? Os fãs farão comparações com a ex-banda de vocês e do Chorão, e vai demorar um tempo até que saibam separar. Ou seja, quando vocês subirem no palco, sempre alguém vai dizer: são os caras da Charlie Brown Jr.
Champignon – Sabemos que o início será complicado, mas estamos muito focados no que temos que fazer e vamos fazer. A essência permanece. Não gosto de rótulos. Tocamos vários ritmos, mas somos uma banda de rock, essa é a nossa raiz.
Uma das coisas que o Chorão nos ensinou é sermos obstinados. Sabemos que em algum ponto da nossa carreira o público saberá muito bem diferenciar uma da outra.
A Charlie Brown Jr. durou 22 anos e poderia ter ido mais longe se não acontecesse o que houve. Espero que, daqui a 22 anos, A Banca esteja também na estrada. Só vai depender de nós. Se vai fazer o mesmo sucesso não nos preocupamos. O tempo dirá.
Vocês têm religião?
Marcão – Três são católicos e dois tendem ao espiritismo.
Vocês esperam, em algum momento, sentir que ele está ao lado, como que abençoando essa nova jornada?
Champignon – Meu, a gente já sentiu ele do nosso lado em alguns momentos, principalmente em ensaio (os demais concordaram). Lá de cima, ou onde ele estiver, sabemos que está torcendo por nós.