O CPM 22 se prepara para celebrar três décadas de estrada em um dos maiores palcos do país. A banda é uma das atrações confirmadas do The Town, festival que transformou São Paulo em ponto de encontro de artistas de peso da música nacional e internacional. Para Badauí, vocalista do grupo, a oportunidade de dividir bastidores e line-up com nomes históricos é mais um marco na trajetória construída desde o underground paulista.
A banda está escalada para o palco The One, liderado pelo Iggy Pop. Confira abaixo a programação:
Palco The One
- 14h40 – Inocentes & Supla
- 17h00 – CPM 22
- 19h20 – Pitty
- 21h55 – Iggy Pop
Ao longo desses 30 anos, o CPM 22 se firmou como referência do hardcore melódico brasileiro, emplacando sucessos que atravessaram gerações e lotaram arenas. A história da banda é também a história de uma cena que saiu do Hangar 110 e chegou aos principais festivais do país. Em entrevista ao Blog n’ Roll, Badauí relembra momentos marcantes, fala sobre encontros inesquecíveis e adianta detalhes do setlist especial da turnê comemorativa que passará pelo The Town.
Vocês tocam no dia 7 de setembro, que muita gente já chama de “dia do punk”. Como é ver esse estilo, que sempre foi underground, ocupar espaço num festival tão grande?
Badaui: Acho natural. Na Europa, bandas de punk e hardcore já tocam em grandes festivais há muitos anos. Aqui, o The Town, Rock in Rio e Lollapalooza têm apelo midiático enorme, mas são festivais de música. É hipocrisia dizer que não ficamos felizes em ver Sex Pistols ou Iggy Pop no line-up. Isso fortalece o cenário, porque o Green Day e o CPM22 já vêm de gerações de reciclagens do punk. Mas, cara, são festivais de música, né? Se você for pensar, o Lollapalooza é do Farrel, do Janes Addiction. Ele sempre teve uma veia mais punk, grunge, sabe?
Hoje nem dá para separar o que é mainstream ou underground, a internet mudou tudo. Para o discurso punk, quanto mais gente alcançar, melhor. E a visibilidade desses eventos amplifica a mensagem. Merecido demais.
Você citou o Iggy Pop, que vai dividir o palco com vocês no The Town. Existe espaço para esses encontros nos bastidores?
Badaui: Isso depende de cada artista. Por exemplo, o Foo Fighters no Rock in Rio. Tinha um lounge no backstage, que é um espaço onde ficam os camarins e a galera fazendo social. Eles ficaram lá, então deu pra trocar ideia tranquilo. O System of a Down também, quando a gente tocou juntos em 2015, ficaram lá, tomando uma, foi super de boa. Cara, lembro do Alice Cooper passando ali, eu saindo do camarim depois do show, ele pegou na minha mão até e eu pensando: “Caralho, surreal”.
Então depende do artista. Tem uns que são mais reclusos, seja por concentração ou qualquer outro motivo, mas outros têm mais abertura. Esse lounge proporciona esse contato, mas vai de artista pra artista. O Iggy Pop já é um senhor, né? Não sei como vai ser. Talvez ele chegue só na hora do show. Mas, se tiver oportunidade, vou tirar uma foto, certeza.
Todo mundo tem essa curiosidade. E já que você falou do Foo Fighters e do System, teve algum encontro em festival que te marcou?
Badaui: O Noodles, do Offspring, foi muito gente boa. Não deu pra conversar muito, porque festival é correria, mas foi especial. Eu ouvia Offspring desde 93, eles fizeram parte da minha vida, e de repente estava ali, com minha banda de punk rock em português, que conseguiu ter projeção nacional, graças também a essa geração deles. Rolou de tirar foto, foi rápido, mas marcante.
Geralmente bandas de punk rock são muito acessíveis. Os caras do Face to Face, por exemplo, viraram amigos. Quando tocamos com Pennywise, Bad Religion, Mad Caddies, foi sempre foda. O Fletcher, guitarrista do Pennywise, é muito sangue bom, já levei ele até pra rolê.
Teve também um episódio engraçado: encontrei o Fat Mike (NOFX) em festival, pedi pra tirar foto, e ele mandou em português: “Brasileiros maconheiros”. Depois, quando eles tocaram em Curitiba, fomos juntos pro bar da Marina, ficamos trocando ideia. Cara super simples.
Então é isso: claro que tem gente mais fechada, mas no geral essa galera é acessível, o que torna tudo ainda mais especial. Eu nunca imaginei, nos anos 90, que ia sentar num bar com meus ídolos. Isso a banda proporcionou, mas também é mérito deles, de serem pessoas simples. Sempre aprendo muito com esses encontros.

Turnê de 30 anos
Agora falando dessa turnê de 30 anos: vocês estão preparando algo especial? Músicas históricas, tipo “Garota da TV”, Hits do “Alguns KM de lugar nenhum”?
Badaui: Tem várias músicas antigas, várias do disco Alguns Quilômetros de Lugar Nenhum. Músicas que a gente não tocava fazia muito tempo, do Cidade Cinza, do Felicidade Instantânea.
Tem também um bloco acústico, que dá um diferencial. Mistura o elétrico, vai pro acústico e depois volta pro elétrico. Isso deixa o show com vários momentos diferentes. Fizemos nesse fim de semana e está uma nostalgia forte. Inevitavelmente você vai lembrar, os fãs mais velhos também. E quem for mais novo talvez nunca tenha tido contato com essas músicas, agora vai ter. Tá bem legal o show.
Acabou a turnê do EnFrente, agora já é parte da história. Como vocês avaliam daqui pra frente a importância desse álbum para as turnês futuras? Vocês estão cada vez mais pegando uma geração sem rádio, sem televisão, sem aquela penetração que vocês estavam acostumados a ter. Como vocês veem o peso do EnFrente pro futuro e o resultado dele no streaming?
Badaui: EnFrente é um disco que eu adorei. A turnê durou um ano porque coincidiu com os 30 anos da banda. Eu adoraria que tivesse durado mais, com certeza. A galera ouviu muito o disco. Foram mais de 7 milhões de plays nas plataformas, um número muito relevante pra nós, uma banda de 30 anos, de outra geração.
É louco pensar nisso. No meu Instagram tenho menos de 300 mil seguidores, mas só no Spotify temos 2 milhões de ouvintes mensais. É um paradoxo, porque teoricamente seria o mesmo público, mas não é. Eu prefiro ter mais plays do que seguidores, obviamente. O importante é ver que a galera tá dando play.
Como a turnê foi recente, a gente está dando um tempo dessas músicas. Em shows de 30 anos, temos que revisitar outras faixas. De vez em quando colocaremos umas do EnFrente, mas a princípio vamos tocar as mais antigas. É um “problema bom” que a gente tem.
Espero que o disco tenha impactado essa geração nova que veio conhecer o CPM22 agora. Tenho visto muitos jovens nos shows. É um álbum com sonoridade que remete ao começo, mas com linhas vocais e letras diferentes. Tem muitas questões sociais, críticas políticas, mas sempre do nosso jeito: melódico e rápido. Gostei bastante do resultado.

Quando vocês lançaram o clipe de Anteontem, foi bem marcante. Eu acompanhava a cena com Dead Fish, Mukeka Di Rato, Street Bulldogs… Era só cartaz preto e branco em poste e fita k7. De repente vocês surgem com um clipe na MTV. Como foi esse impacto, de lançar um clipe ainda dentro do underground e furar a bolha?
Badaui: Boa pergunta, nunca me perguntaram isso. Nessa época a gente fazia show com Blind Pigs direto, com Hateen, Holly Tree, Street Bulldogs. O Gordo, do Blind Pigs, já fazia clipes e dirigiu o nosso. Fizemos com baixíssimo custo: ele conseguiu rolos de filme 16mm que estavam vencendo. Isso dá pra perceber no clipe, com o granulado do material deteriorado. Mas ele teve a manha e fez um puta clipe.
Era a época do boom do hardcore melódico nos EUA, com bandas lançando discos e clipes incríveis: NOFX, Strung Out, Lagwagon, No Use For a Name, entre outras. Aqui no Brasil também já tinha uma cena: Garage Fuzz, White Frogs, Safari Hamburguers, Blind Pigs, Dead Fish. Recebi o primeiro álbum do Dead Fish, Sirva-Se, e pirei: hardcore melódico em português, foda! Isso inspirou muito a gente.
O clipe de Anteontem foi um boom. A música chamou atenção, e o Luciano, que trabalhava na MTV, ajudou a veicular mais vezes. A galera gostou, começou a pedir, acabou sendo indicado ao VMB, e a partir dali a banda só cresceu.
Impossível não falar dos 30 anos e não citar um dos shows mais marcantes, que foi a inauguração do Hangar 110, com vocês, Imperpheitos e Gritando HC. Quais lembranças você tem daquele dia?
Badaui: Na época quase não tinha lugar pra tocar. O Donald (Gritando HC), que estava em todos os rolês, falou: “Esse lugar veio pra ficar, vai ter show todo fim de semana”. E foi isso. O Hangar criou uma cena fortíssima, interligou bandas e saiu da bolha de São Paulo. Eu mesmo ia lá sem saber quem ia tocar, só porque sabia que ia encontrar meus camaradas e sempre ver bandas legais.
Isso impulsionou CPM22, Glória, NX Zero, Dead Fish… O boca a boca ficou forte e a cena cresceu. Bandas que já estavam se destacando foram alçadas a outro patamar. O Hangar foi fundamental.
Acho que o primeiro show que vi foi também o primeiro de vocês em Santos, no Armazém 7, em frente a praia. Você lembra desse show?
Badaui: Lembro. O Luciano não tocou nesse show, foi o Gordo (Christian Targa), do Blind Pigs, que o substituiu. Ele teve um problema e o Gordo entrou no lugar.
Vocês pegaram o bastão de Raimundos e Charlie Brown Jr. e depois passaram adiante pra Fresno, NX Zero e outros. O emo sofria preconceito, até bullying da mídia e até incluíam vocês nessa cena. Como foi ver essa geração surgir e quais bloqueios aconteceram?
Badaui: Pra falar a verdade, eu nem sabia direito do que estava acontecendo, porque a gente fazia 20 shows por mês. Minha referência de emo eram bandas noventistas como Sunny Day Real Estate, Teenage Fanclub ou mais atuais, como o Jimmy Eat World. Quando vi a matéria do Fantástico, pensei: “A gente não é isso”. Mas tudo bem, cada geração tem seu estilo.
E a gente sempre abraçou essa galera porque eram bandas de verdade, com qualidade. Muitos viraram amigos. Sempre disseram que se espelharam em nós, e eu só tinha que apoiar. Isso também ajudou a renovar o público das bandas mais velhas.
Isso é nítido porque festivais do segmento, como o I Wanna Be Tour, tem fãs que pedem vocês no line-up…
Badaui: O próprio I Wanna Be Tour chegou a conversar com a gente, mas não tínhamos data. Mas, uma hora vai rolar, eu quero tocar nesse festival.
Você citou o Hateen, que tem o Koala que compôs músicas com vocês. Quem mais merece ser lembrado na história do CPM22?
Badaui: O Carlinhos (Carlos Dias), do Againe e do Polara. Fez capas, letras comigo, foi referência e parceiro. O Farofa (Alexandre Sesper, ex-vocalista do Garage Fuzz) também fez capas, a Silvana do Lava, sempre gente da cena. O Sérgio Britto (Titãs) fez feat com a gente, o Trevor, do Face to Face, compôs e gravou. São realizações de sonhos. Sempre trouxemos pessoas ligadas ao underground, e isso vai continuar.
Um desafio: Escolha uma música que representa o CPM22 em cada década.
Badaui: Eu acho que… Regina Let’s Go no começo da década… Um minuto para o fim do mundo para a segunda década. Acho que não dá pra negar, essa foi muito importante, ela é o CPM ali na essência, né?
Da última década poderia ser o Dono da Verdade ou a EnFrente. É diferente, cara… Eu acho que é o meu tipo de letra, de 2015 pra cá, foi mais caindo pra esse lado. Eu acho que a EnFrente é a música que representa oCPM atual.
Pra encerrar, eu sempre trago uma pergunta da minha caixinha de perguntas do Instagram. E tenho uma pergunta de um conhecido seu, do Milton da Bayside Kings: Você sente falta de algo que tinha há 30 anos e hoje não tem mais? Não vale falar da idade.
Badaui: Vou falar o que eu não sinto falta, mas é importante ressaltar aqui… Dessa nossa ligação com a cena do Underground mesmo, porque a gente nunca perdeu isso, né? Então, muito bom não ter saudade disso, porque a gente tá interligado nisso até hoje.
Agora, do que eu sinto saudade, eu acho que é da divulgação de rua. Isso eu sinto saudade pra caralho, dos posters na rua que a gente fazia, no maior capricho, sabe? Dessa conexão boca a boca que tinha na época, sabe?
E sinto falta também das fitas K7 e dos fanzines.
Eu cheguei a ter fita demo de vocês, uma pena que hoje não tenho mais, só tenho CD…
Badaui: Eu não tenho também, mano… Não tenho nada aqui, mano… Mas, eu adorava zine, sempre pirei em zine. Então pode botar isso, que eu sinto falta dos zines.