Desde os tempos de Save Tonight, Eagle-Eye Cherry construiu uma carreira marcada por reinvenção e honestidade musical. Filho do lendário jazzista Don Cherry, ele sempre transitou entre os mundos do jazz, do rock e do pop com naturalidade e curiosidade artística. Ao longo das décadas, manteve-se fiel ao palco, dizendo que ali se sente “em casa”, mesmo em meio às mudanças da indústria da música.
Em Become A Light, seu sétimo álbum de estúdio, ele retoma as guitarras e capta a energia e o sentimento do rock e do pós-punk com os quais cresceu ouvindo. Metade do disco foi gravada em Los Angeles, ao lado de Jamie Hartman e Mark Stoermer (The Killers), e a outra metade na Suécia, com Peter Kvint. O primeiro single, Hate To Love, nascido de uma sessão espontânea no Sunset Marquis, mostra bem esse espírito de fluidez criativa e conexão com o instante.
Em entrevista ao Blog N’ Roll, Eagle-Eye Cherry nos leva para dentro desse processo de retomada artística: ele fala de memórias da origem do seu nome, o primeiro instrumento que aprendeu, da influência do legado familiar, da escolha de covers no setlist, das relações entre os ambientes americano e sueco de gravação, e das emoções da perda de sua mãe que alimentaram o álbum.
Você quer explorar mais o rock nesse álbum. De onde veio esse desejo de revisitar esse som?
Acho que foi algo natural, porque é uma continuação do que eu estava fazendo no meu último álbum, Back on Track. Eu queria capturar a energia que tínhamos nos shows ao vivo, então entrar com a banda no estúdio o mais cedo possível depois de tocar foi essencial. Queria levar para o disco essa energia que vem do palco e do público. Depois, comecei a escrever músicas que senti que faltavam no setlist, canções com mais energia e movimento. Foi um processo bem espontâneo, e naturalmente o som acabou ficando mais alto e com mais guitarras.
Durante a pandemia, você mencionou revisitar discos da sua adolescência, como London Calling, do The Clash. Quais outros álbuns te inspiraram nesse processo?
Durante a pandemia, comecei a ouvir os discos que comprava quando era adolescente. Não é que eu quisesse fazer algo que soasse como The Clash ou Sex Pistols, mas queria resgatar aquela sensação de energia e descoberta musical que eu tinha naquela época. Isso me inspirou muito a compor novamente. Musicalmente, porém, acho que estou mais próximo do universo do Tom Petty, que sempre soube equilibrar a sensibilidade pop com o som do rock americano tradicional.
Como foi trabalhar com Mark Stoermer, do The Killers, nesse álbum?
Foi ótimo. Nós nos conhecemos em Los Angeles, e logo começamos a escrever Hate to Love. Estávamos desenvolvendo a ideia do verso quando o Jamie Hartman apareceu no estúdio, ouviu o que estávamos fazendo e trouxe a ideia do refrão. Em poucas horas, a música estava pronta. Foi um processo muito fluido e inspirador.
Foi realmente uma boa dobradinha. Qual é a principal diferença entre gravar nos Estados Unidos e na Suécia?
Por eu ser meio americano por parte de pai e meio sueco por parte de mãe, é algo muito natural para mim. Quando estou nos Estados Unidos, me sinto sueco. Quando estou na Suécia, me sinto americano. Gosto de ir e vir, visitar as duas partes de mim mesmo. Tenho grandes conexões com músicos suecos, e a maioria da minha banda é de lá, então é natural gravar também na Suécia. Esse equilíbrio me faz bem.
O título Become A Light carrega uma forte carga emocional, especialmente ligada à memória da sua mãe. Como isso se refletiu nas músicas?
Sim, essa é a essência do álbum. A faixa-título nasceu num dia em que eu estava lembrando o funeral da minha mãe, que faleceu em 2009. A canção fala sobre aquele sentimento de perda, mas também sobre estar vivo e sentir o vento, os cheiros, as pessoas em volta. Era como se ela ainda estivesse ali, transformada em luz. Foi uma experiência muito profunda, e é daí que vem o nome Become A Light.
Seu pai, Don Cherry, teve grande influência artística. Qual parte do legado dele você mais tenta honrar?
Meu pai sempre dizia para manter as coisas simples. Quando eu tentava complicar demais na bateria, ele me lembrava disso. Até hoje, ouço essa voz na minha cabeça no estúdio. Ele também me ensinou a dar espaço aos músicos, a deixá-los se expressar. Às vezes, as ideias deles são até melhores do que as minhas. Essa generosidade musical é algo que herdei dele.
Já que você falou de tocar na infância, qual foi o primeiro instrumento que você aprendeu a tocar?
Bateria. Na verdade, eu quebrei o dedo quando era criança tocando, então aprendi do jeito difícil. Mais tarde, descobri a guitarra, que acabou sendo o instrumento que realmente me abriu as portas para o meu som e onde sinto que minha voz combina melhor.
Você costuma dizer que o palco e a estrada são seus lugares favoritos. Por quê?
Acho que porque cresci assim. Meu pai levava a família nas turnês, e quando comecei a excursionar com meu primeiro álbum, percebi que aquele era meu segundo lar. Tudo faz sentido quando estou na estrada — as composições, as gravações, as entrevistas. Tocar ao vivo é o coração de tudo. Hoje é mais confortável, claro, mas ainda mantenho essa essência. E é importante ter boas pessoas na equipe, porque uma só pode arruinar toda a harmonia.
E já que a vida é na estrada, onde você está neste exato momento?
Estamos em Dijon, na França. Tocamos em Bordeaux há alguns dias e agora estamos seguindo para a Alemanha.
Esses shows já são da turnê nova, então gostaria de saber como têm sido os primeiros shows da tour Become A Light? As reações do público surpreenderam você?
Foi incrível. O público tem reagido muito bem às novas músicas, e estamos misturando faixas de vários álbuns. Na França, tenho uma ótima relação com os fãs, mas está mais do que na hora de voltar ao Brasil.
E você planeja trazer a turnê para o Brasil?
Sim, planejo. Ainda não há nada confirmado, mas espero que em breve aconteça. Já faz tempo desde a última vez.
Você tem muitos momentos no Brasil, inclusive participou do Big Brother Brasil. Quais são as suas melhores memórias do país?
O Brasil é muito especial para mim. Tocamos em vários lugares incríveis, mas a primeira viagem foi inesquecível. Tocar num festival de jazz gratuito foi um sonho. Cresci ouvindo meu pai tocar com músicos brasileiros, especialmente o percussionista Naná Vasconcelos, então o Brasil sempre teve um significado forte na minha vida.
Você incluiu covers no seu setlist atual. Como foi o processo de escolha?
É sempre divertido tocar músicas de outros artistas, especialmente quando admiro o compositor. Escolho faixas que se encaixam no meu som e que façam sentido dentro do show. É algo natural, quase intuitivo.
Muitas pessoas acham que Eagle-Eye é um nome artístico, e não o seu nome verdadeiro. Qual é a história por trás disso?
Meus pais eram hippies, e meu pai tinha raízes indígenas americanas. Ele estava em turnê quando nasci e, quando me viu dormindo, disse que abri um olho e olhei para ele. Ele então me chamou de “Eagle-Eye”. Essa é uma história real e agora está no meu passaporte.
Agora que você tem uma carreira consolidada e um novo álbum, quais são as cinco músicas que você imagina tocar para o resto da vida?
Acho que Save Tonight é uma delas, claro. Remember What You Did Last Night, do novo disco, porque ainda está vivo. Are You Still Having Fun?, One of These Days também é uma das minhas favoritas e I Liked It. Só as de rock and roll. Gosto de músicas com energia e emoção. Se eu for envelhecer tocando, quero envelhecer tocando rock.
A indústria da música mudou muito desde os anos 90. Como essas transformações afetaram sua carreira?
Mudou completamente. As redes sociais se tornaram a principal forma de conexão e promoção, mas eu gosto desse contato direto, como estamos tendo agora, de conversa, entrevista. Na rede social há o lado de perda de privacidade, que não é muito o meu estilo. Ainda assim, é ótimo ver novos artistas lançando suas músicas de forma independente, sem precisar de uma grande gravadora. Eu continuo preferindo o contato ao vivo, o palco. É aí que a música realmente acontece.