Entrevista | Firefriend – “As bandas brasileiras não ficam devendo nada para as de fora”

Entrevista | Firefriend – “As bandas brasileiras não ficam devendo nada para as de fora”

A Firefriend, banda paulistana que há mais de duas décadas carrega a tocha do rock psicodélico underground, acaba de expandir sua discografia com dois novos álbuns: o explosivo Fuzz e o hipnótico Blue Radiation. Os trabalhos chegam em um momento simbólico, pouco antes de a banda embarcar em mais uma turnê pelo Reino Unido, país que tradicionalmente respira a psicodelia e tem recebido o grupo com entusiasmo crescente.

Gravado em apenas quatro dias de dezembro de 2024, em São Paulo, Fuzz ganhou corpo definitivo após meses de pós-produção e contou com colaborações de músicos da cena paulistana. O disco mantém a estética que consolidou a identidade do Firefriend: baixos pulsantes, guitarras saturadas de fuzz e os vocais sussurrados de Julia Grassetti e Yury Hermuche, que criam atmosferas densas e imersivas. Entre os destaques estão “Spearhead” e “Hologram”, faixa que condensa em cinco minutos e meio o caos criativo da banda, atravessando camadas de sintetizadores, incursões de free jazz e guitarras barulhentas, com participações de Cuca Ferreira (sax) e Daniel Verano (trompete).

Blue Radiation mostra outra faceta do grupo. Gravado durante a pandemia, em uma São Paulo silenciosa e suspensa pelo isolamento, o álbum aposta na força das atmosferas instrumentais. São dez faixas, nove delas totalmente instrumentais, que funcionam como paisagens sonoras etéreas, espectrais e distorcidas. Ao lado de Grassetti, Hermuche, Ricardo Cifas (bateria) e Pinhead (synths e teclados), o Firefriend reafirma sua posição como um dos nomes mais consistentes do underground global, evocando influências que vão de Velvet Underground e Spacemen 3 a Sonic Youth e The Brian Jonestown Massacre.

Em bate papo com o Blog N’Roll, Julia Grassetti e Yury Hermuche contam sobre a expectativa para a turnê na Inglaterra e os dois álbuns lançados simultaneamente.

Vocês estão indo para Londres, que é a cidade onde mais ouvem Firefriend, e o Reino Unido sempre teve uma cena psicodélica muito forte. Sentem que o público de lá entende mais a proposta da banda do que no Brasil?

Firefriend: Com certeza. Na Inglaterra existe uma tradição que atravessa gerações. Eles fazem isso há 50, 60 anos. O rock psicodélico nunca parou de acontecer. No Brasil, sentimos que existem gaps geracionais, e a cena precisa ser sempre reinventada para levantar festivais e casas. Isso é uma dificuldade para toda banda underground daqui. Já na Europa e nos Estados Unidos, por conta da tradição, existe público constante e espaços para circular. Por outro lado, eles acham muito interessante ver uma banda brasileira usando elementos do rock inglês e americano, mas com outros temperos.

O som de vocês mistura influências diversas, de Joy Division, post punk a experimentações instrumentais. Qual é a diferença para vocês entre músicas com vocal e faixas instrumentais?

Firefriend: A maior parte dos nossos discos é feita de canções compostas e produzidas ao longo de um ou dois anos. Mas muita coisa vem das jams que gravamos em ensaios, no nosso antigo porão-estúdio. Para o público pode parecer diferente, mas para nós é parte do mesmo processo. O álbum The Creation Facts, por exemplo, trouxe faixas diretamente dessas jams. Apesar de lançarmos mais músicas com vocais, os instrumentais são parte essencial. O Blue Radiation veio justamente para mostrar esse outro lado.

Foto por James Rinella

Qual foi a maior surpresa que vocês já tiveram em turnês fora do Brasil?

Firefriend: A recepção do público. Chegar em Londres e ter gente levando capa de disco e camiseta para autografar foi inesperado. Alguns fãs viajaram para assistir a vários shows seguidos. Também já tocamos às três da manhã em festival grande com a casa lotada. Outra surpresa foi perceber que as bandas brasileiras não ficam devendo nada para as de fora e, ao mesmo tempo, ver de perto uma cena estável em contraste com o Brasil.

Vocês planejam registrar essa nova turnê em áudio ou vídeo?

Firefriend: Sim. Vamos gravar o áudio e estamos vendo como viabilizar o vídeo. Na última turnê lançamos o Live in London, um show bem registrado, e queremos repetir essa experiência.

O vinil voltou com força e vocês já têm 12 LPs lançados. Como tem sido essa experiência?

Firefriend: Fantástica. Ouvir um vinil é um ritual. Quem compra, ouve com atenção e se conecta mais profundamente com a música. Desde que nossos discos começaram a sair nos Estados Unidos e na Inglaterra, vimos como os amantes do formato físico criam uma relação especial com a banda. Hoje temos 12 LPs lançados desde 2017, e muitos fãs acompanham cada lançamento. É um sonho realizado.

Falando do álbum Fuzz, como foi o processo de gravação?

Firefriend: Passamos dois anos compondo, testando em shows e turnês. Decidimos gravar ao vivo, os três juntos no estúdio, o que trouxe mais calor e energia. Depois fizemos alguns overdubs, mas a base é toda ao vivo. Apesar de a gravação ter levado cerca de uma semana, o processo de criação foi longo e detalhado.

A faixa “Hologram” chama atenção por misturar jazz, rock distorcido e caos organizado. Como chegaram a esse resultado?

Firefriend: Cada integrante traz um conjunto de referências, e ao arranjar a música colocamos essas perspectivas em choque. O resultado pode soar caótico, mas faz sentido dentro da soma de influências. Um ouvinte chegou a dizer que esse aspecto caótico é uma tradução perfeita do mundo atual, e achamos uma leitura muito interessante.

Vocês já comentaram que a turbulência política influencia o som da banda. Como isso acontece?

Firefriend: Totalmente. Vivemos um momento violento, perigoso e surreal. Isso se reflete na música. Alguns artistas tentam escapar da realidade, mas para nós é importante tocá-la de frente. A música ajuda a sobreviver a esse caos e conecta pessoas que buscam a mesma energia. O rock hoje não é só rebeldia juvenil, mas resistência em qualquer idade.

O Blue Radiation foi criado durante a pandemia. Como foi esse processo?

Firefriend: Gravamos centenas de horas de jams e selecionamos trechos que achamos interessantes para compor o disco. Paralelamente produzimos o Fuzz, e o selo inglês decidiu lançar os dois juntos. As faixas do Blue Radiation são execuções únicas, nunca mais tocadas, o que dá um caráter especial ao álbum.

E como a música ajudou vocês na pandemia?

Firefriend: Foi a salvação. Gravamos três discos nesse período: Blue Radiation, Dead Icons e The Creation Fest. A música nos deu propósito em meio ao isolamento e ao horror do momento. Para nós, a arte é a melhor coisa do mundo. Ela salva, seja compondo, tocando ou ouvindo.

Depois de turnês internacionais, o que vocês esperam quando voltam para tocar no Brasil?

Firefriend: Hoje em dia não esperamos nada além de um bom show de retorno. O importante é descarregar toda a energia acumulada na estrada.

Para encerrar, citem três álbuns que têm sido importantes para cada um de vocês neste momento.

Julia Grassetti: Sábado de Esmeralda – Jorge Ben

Sabbath Bloody Sabbath – Black Sabbath

Bloody Kisses – Type O Negative

Yury Hermuche: Ascension – John Coltrane

How Power – Sun Ra

White Light/White Heat – The Velvet Underground

SHOWS

LONDRES
Sept 20, 2025 • Strongroom, Shoreditch

BRISTOL
Sept 21, 2025 • t.b.a.

OXFORD
Sept 23, 2025 • The Jericho Tavern

LIVERPOOL
Sept 24, 2025 • t.b.a.

MANCHESTER
Sept 25, 2025 • t.b.a.

LEEDS
Sept 26, 2025 • t.b.a.

COVENTRY
Sept 27, 2025 • t.b.a.

GLASTONBURY
Sept 28, 2025 • Glastonbury Psych Fest