Baterista de uma das maiores bandas brasileiras de todos os tempos, João Barone, do Paralamas do Sucesso, compartilhou momentos marcantes de sua história no livro recém-lançado 1,2,3,4! Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso (Máquina de Livros, 416 páginas, 2024, foto de capa de Maurício Valladares).
Os mais de 40 anos de estrada são contados por Barone com uma sinceridade desconcertante e uma incrível riqueza de detalhes, que botam o leitor na cena dos acontecimentos. A obra segue do período pré-Paralamas até o trágico acidente com Herbert Vianna, em 2001.
A obra é composta por crônicas de momentos marcantes do músico, que sempre teve uma visão privilegiada de tudo, sentado no banquinho da bateria.
“Poucas pessoas têm o privilégio de passar 40 anos exercendo uma mesma atividade. No meu caso, tocar bateria nos Paralamas me proporcionou conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão, como diz o verso de Melô do marinheiro. Sou a prova de que os sonhos podem se tornar realidade”, diz Barone.
Aliás, dentro desse contexto, o baterista relembra o período inicial da carreira da banda com citações sobre a Heavy Metal, casa de shows em Santos, que recebeu os primeiros shows do Paralamas.
1, 2, 3, 4! Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso é ilustrado com dezenas de fotos inéditas, quase todas do acervo pessoal de Barone, além de manuscritos de letras, credenciais de shows históricos, documentos e cartazes do início da carreira.
“Minha motivação foi preservar as lembranças dos muitos episódios da nossa jornada até aqui, repleta de alegrias, aflições, amores, tristezas, ansiedades, comédias e tragédias. E de um ponto de vista único e muito especial: sentado atrás de uma bateria”.
Barone conversou com o Blog n’ Roll, via Zoom, sobre o livro e aproveitou para relembrar alguns momentos marcantes, além de garantir que um segundo volume da obra está nos planos.
O que te motivou a escrever esse livro?
Acho que me arrisquei um pouco a sair do assunto que mais me envolvia em termos de escrita, que era falar do Brasil na Segunda Guerra Mundial, né? E aí fui juntando algumas coisas que tentei escrever, um pouco inspirado na narrativa de outras biografias de grandes nomes da música, como o Bob Dylan, Neil Peart, baterista do Rush.
E quando você se dá conta que já se foram 40 anos fazendo essa incrível jornada pela música, acabei me empolgando um pouco. Foi muita empolgação para tentar compilar isso numa história com uma certa dinâmica tranquila. É uma crônica, basicamente, não é uma biografia oficial dos Paralamas, porque inclusive já tem a biografia do Jamari França, que é muito boa. Vamo Batê Lata é o nome do livro.
O Jamari França é um jornalista que acompanhou a trajetória dos Paralamas desde o início e tudo. Então, a minha ideia não era fazer uma biografia oficial da banda, mas contar a minha história ali, daquele ponto de vista ali do banquinho da bateria.
Inclusive, um dos títulos para o livro seria Atrás dos Tambores. Mas acabei achando esse título um pouco mais instigante, né? Contando o tempo, que é o que o baterista faz, junto com contar esse tempo todo de história da banda. Queria muito que o livro saísse em tempo desses 40 anos que a gente está comemorando de estrada, desde o primeiro álbum.
Existe essa história pregressa dos Paralamas, mas o marco zero da nossa trajetória foi ali o momento que a gente gravou o nosso primeiro disco, em 1983. Era o compactozinho do Vital e Sua Moto, depois a gente gravou um LP, o Cinema Mudo, o primeiro álbum da banda. Então, é mais ou menos o marco oficial da nossa história, o momento que a gente gravou o primeiro disco. E aí fui compilando essas histórias e tentando lembrar de lugares e de momentos interessantes, dignos de nota.
Não consegui lembrar de todos, né? E cada um tem uma memória também de determinados momentos. Eu não quis ficar mostrando tudo o que escrevi a cada hora para o Bi, para o Herbert, pedindo opinião de outras pessoas. Queria fazer um negócio com a minha visão mesmo, até para escapar muito dessa história de biografia oficial, que não queria que o livro se confundisse com isso. Então, eu fui contando essa história do meu ponto de vista ali, de como a música entrou na minha vida, desde criança, na família, depois as tentativas mais ingênuas de tocar, tirar música de disco.
O primeiro e único professor de bateria que tive, que era um baterista de uma banda de baile do meu bairro. E aí fui compilando isso, mostrei para algumas pessoas, aí sim do meio editorial, pessoas que queriam saber se o que eu estava escrevendo estava prestando para alguma coisa. E aí recebi um incentivo para seguir adiante.
E consegui compilar ao menos esses primeiros anos, essas primeiras décadas da banda. Parei o livro logo depois do acidente do Herbert e agora vou ter que me motivar a escrever sobre esses últimos 22 anos da banda. Então, fica a possibilidade de ter uma sequência aí para poder continuar contando essa história incrível que a gente continua vivendo, com a música, com os Paralamas.
É claro que quando os Paralamas entram na minha vida, a coisa muda e é inevitável. A minha experiência toda se deve aos Paralamas, aos meus amigos de vida, o Bi, o Herbert, o Zé Fortes (empresário). E aí a gente não pode deixar de falar dos Paralamas em nenhum aspecto.
Acaba sendo um pouco a história da banda, ou melhor, acaba sendo muito a história da banda, mas sob o meu ponto de vista. Não é uma coisa oficial da banda, porque não vou ficar tomando partido disso, mas é a minha visão dessa experiência toda ali, do banquinho do baterista, que é um lugar muito privilegiado.
Como era o cenário musical que vocês tocaram no Rio, no início da carreira?
Cara, olhando para trás esse tempo todo decorrido, a gente não deixa de ter uma ideia meio romanceada do que estava acontecendo ali. Se você for fazer uma análise muito sociológica do rock brasileiro, ele estava preso num gueto da classe média, do pessoal que tinha essa informação quando o rock do Brasil começou a floresceu ali no final dos anos 1960, com aquele cenário mundial do grande desbunde do rock. Depois veio o rock progressivo e tal.
Beatles foram muito responsáveis por essa divulgação do rock a nível global. O Brasil não foi exceção, a gente viu como o rock aqui foi emergindo.
A gente não pode deixar de falar dos Mutantes, por exemplo, como a banda, talvez a banda mais referencial do rock brasileiro na sua criatividade, originalidade. Até o Kurt Cobain gostava de Mutantes. Impressionante!
A gente foi vendo o rock ganhar esse espaço ali, modesto, e quando chegou a nossa vez, da geração dos anos 1980, aconteceu realmente uma coisa mais ampla, na medida em que não havia mais essa repressão, essa censura generalizada que tinha antigamente, principalmente nos anos 1970, com a ditadura e tudo mais.
Acho que também houve uma necessidade do rock brasileiro se adequar à realidade do Brasil. E aí a gente começou a ver a linguagem, principalmente atingir o grande público que estava ali esperando isso acontecer.
E nos anos 1980 era exatamente isso que estava acontecendo. No começo de 1982, com a Blitz, teve aquele sucesso gigantesco Você Não Soube Me Amar. Foi ali que abriu-se a porteira para o rock e começou realmente a acontecer, emergiu essa geração incrível que a gente presenciou, a gente era parte de tudo que estava acontecendo ali. E no Rio de Janeiro tinha a rádio Fluminense, que colocava na programação as fitas demo das bandas que não tinham disco.
Gravar disco era muito difícil, era mais fácil ir à lua do que gravar um disco. E aí foi um negócio que catalizou, acelerou esse processo, porque as gravadoras começaram a ir atrás das bandas novas para achar a nova Blitz, que era um sucesso comercial. E aí começaram a contratar as bandas novas que estavam ali naquela cena do Circo Voador, que estavam tocando na rádio Fluminense.
E os Paralamas foram parte dessa cena. A gente, no final de 1982, estava fazendo show aqui no barzinho, porque era muito difícil conseguir fazer show no Circo Voador. Então, a gente fazia show no barzinho que tinha aqui em Botafogo e levantamos grana para gravar a fita demo.
Logo depois, a gente mandou a fita demo do Vital e Sua Moto para a rádio Fluminense, e a música começou a ganhar atenção do público, que ligava lá e pedia. Aí, no começo de 1983, a gente abriu um show do Lulu Santos no Circo Voador, por conta dessa presença na parada da rádio. Quando a gente viu, a gente estava assinando um contrato com a gravadora para gravar o primeiro disco, no comecinho de 1983.
Isso tudo aconteceu assim, foi um negócio muito rápido. Aí teve esse show na Zona Oeste do Rio, que era o antro ali do punk rock carioca, o pessoal do Coquetel Molotov fazia show ali, a gente ficou amigo deles no Circo Voador. Eles chamaram a gente para tocar lá uma vez. Aí achei essas fotos super raras que estão no livro, essa parte da pré-história dos Paralamas.
É difícil ter uma foto nossa antes de a gente assinar o contrato, gravar e tal. Consegui, por uma sorte, umas pessoas muito legais tinham essas fotos e liberaram para botar no livro. Mas era o que estava acontecendo, a gente se esbarrava muito ali no Circo Voador, antes de efetivamente subir no palco de lá.
A gente ia lá assistir show do Barão Vermelho, já era uma banda consagrada, com Cazuza, Frejat e tal. A gente assistia show do Celso Blues Boy, que era o nosso bluesman brasileiro, assistia o show das bandas punk lá e tudo. Bandas de São Paulo que iam fazer show lá, o Ira!, o Ultraje.
Era uma cena muito diversificada e tinha um certo romantismo. A gente estava ali sonhando em tocar no palco do Circo Voador. Mas, logo depois, não levou nem dois anos, a gente estava no palco do Rock in Rio, que foi também uma coisa surreal.
Esse começo se deve muito ao que estava acontecendo com a rádio Fluminense, fomentando essas bandas novas que não tinham disco e que tocavam no Circo Voador. E as gravadoras iam lá atrás de novos talentos. Foi basicamente isso que estava acontecendo.
O Paralamas também tem uma ligação com o Santos, que você até cita na obra, que é um show na Heavy Metal, do Toninho Campos, um empresário muito conhecido aqui na nossa região. E você comenta ali que o Paralamas chegou num momento que estava tocando, às vezes, até mais na Heavy Metal do que no próprio Rio de Janeiro.
Acho que era uma predisposição. O Toninho arriscou tudo ali. Ele botava todo mundo tocando ali, todas as bandas de São Paulo, Magazine, Ira!, Titãs, todo mundo se encontrava ali na Heavy Metal, era sensacional. Foi o primeiro lugar que a gente fez show fora do Rio de Janeiro.
A gente tocou na Heavy Metal antes de tocar em São Paulo, por exemplo. Em São Paulo, a gente também passava semanas seguidas indo fazer show nas danceterias. Então, em São Paulo, sempre teve essa cena muito diversificada. E Santos era parte desse cenário também.
No início era mais Heavy Metal, depois que os clubes começaram a fazer os shows ali nos ginásios, no momento em que a cena já estava muito consolidada. Mas a Heavy Metal foi pioneira, a gente adorava tocar lá. Era maravilhoso, um clima super bacana. E eram dobradinhas, sempre duas bandas por noite. A gente se lembra com esse romantismo dessa época.
Já entrevistei o Toninho algumas vezes sobre isso. Ele sempre falou com muito carinho de vocês.
Acho que é porque a gente não dava trabalho pra ele. As outras bandas davam muito trabalho pra ele. A gente era no sapatinho ali. Dava tudo ótimo pra gente. A gente só queria chegar lá e tocar. Acho que esse que era o clima que fez a diferença. Eu acho que isso orientou muito os Paralamas.
Talvez isso seja um exemplo pontual do que sempre orientou os Paralamas. A gente não entrou nisso pra ficar famoso, pra ficar rico, a gente gostava de tocar. Botar a gente num palco na frente da plateia e a gente detonar geral. Era o que a gente realmente queria fazer. A gente não media esforços pra chegar na hora do show e tocar.
A gente ia passar o som religiosamente e se dava ao trabalho disso. Não importava se ia ter uísque no camarim porque a gente não bebia. O camarim tinha que ter Toddynho. Vai ver que é por isso que o Toninho lembra da gente com esse carinho. A gente nunca deu trabalho pra ele. Ele sempre foi muito gente boa.
O Paralamas é uma banda que conseguiu algo muito importante, muito expressivo, que é ter virado uma referência não só nacional, mas na América do Sul. O que você acredita que foi primordial pra isso?
Falo muito disso no livro, tem uma boa parte. No começo dos anos 1990, a gente conseguiu fazer essa expansão para os países vizinhos, principalmente na Argentina. Mas atribuo isso a visão do Herbert.
O Herbert se inspirou muito na cena que a gente viu lá. A gente ficou muito impressionado quando a gente foi à Argentina pela primeira vez em fevereiro de 1986. A gente ainda nem tinha gravado Selvagem.
A gente foi fazer um festival de rock lá em Córdoba, junto com a Blitz. E a gente ficou muito impressionado com a fidelidade do público argentino com seus ídolos, com suas bandas. E a gente depois foi fazer um show no subúrbio de Buenos Aires e percebeu que o público de lá reconhecia um pouco os Paralamas porque a gente tinha participado do Rock in Rio um ano atrás e muita gente viu a gente no Rock in Rio e voltou para a Argentina.
Muitos argentinos viram a gente no Rock in Rio, voltaram para lá com discos dos Paralamas. E o Herbert ficou muito empolgado com aquilo, acabou tendo um efeito muito determinante.
O Herbert achou que a gente podia arriscar alguma coisa lá, voltar e fazer uma presença na cena dos shows locais. Essa empolgação e essa visão do Herbert acabaram levando a gente para um outro patamar de poder fazer shows na Argentina, no Chile, no Uruguai, na Venezuela quando dava ainda já no começo dos anos 1990 e tudo.
Essa coisa visionária do Herbert foi determinante e teve efeitos muito positivos para essa interação que a gente tentou fazer. Até hoje, o pessoal lembra muito dos Paralamas como uma banda que conseguiu fazer essa interação com artistas argentinos, principalmente como o Fito Paez, o Charlie Garcia, então a gente fica muito feliz de ter isso no nosso retrospecto, de ter conseguido chegar lá e até hoje ser reconhecido como uma banda quase que local, como o pessoal costuma falar.
A gente compôs músicas em espanhol, lançou coletâneas de grandes sucessos no mercado latino. O nosso álbum, que aqui não foi muito bem comercialmente, o Severino, foi lançado ironicamente no mercado latino com o nome de Dos Margaritas e virou um sucesso comercial. Foi uma coisa assim inexplicável como esse álbum fez sucesso fora do Brasil na época.
Acho que isso é uma das coisas que a gente sempre orientou muito os Paralamas. A gente sempre tentava fazer alguma coisa inusitada, algo fora do comum. E esse nosso êxito no exterior foi uma coisa muito fora do comum. Foi um risco que a gente tentou, arriscou e deu certo.
Quais são os três álbuns que mais te influenciaram como artista? E por quê?
É o tipo da pergunta que todo mundo tenta se preparar e, na hora que ela rola, sempre fica um vácuo. Porque isso passa muito pelo gosto pessoal, pela inter-relação entre o que a gente faz musicalmente, o que a gente gosta, as influências e tudo mais. Mas sempre tenho alguns álbuns muito marcados como discos que sempre ouvi muito, tanto estrangeiros quanto brasileiros.
Diria que um dos álbuns que mais gosto de ouvir é o Revolver, dos Beatles, um álbum que já apontava um pouco para a direção do que seria o Sgt. Peppers. É um álbum que veio logo antes do Sgt. Peppers, de 1966. Ouvi muito até furar.
Outro que gosto muito é o Acabou Chorare, dos Novos Baianos, um disco muito bonito e leve. Tem uma música ali, Um Bilhete pra Didi, que é uma tentativa de misturar forró com rock, o negócio mais genial desde os Mutantes. Os Mutantes também faziam muito essa tentativa de misturar música caipira com rock, coisas inusitadas também.
Por fim, talvez um dos álbuns que mais tenha ouvido, é o Synchronicity, do The Police. Foi praticamente o último trabalho deles. O The Police teve essa importância na minha vida de me reorientar nessa tentativa de buscar coisa nova.
O Police trouxe muita coisa nova para a cena do rock. Eles pegaram carona no punk e dali a pouco eles foram entregando a sofisticação que eles tinham pelo lado instrumental, lado conceitual. Eles foram se sofisticando e conseguiram fazer essa mutação daquela banda meio suja do início para uma banda super requintada e sofisticada do último trabalho.
O Synchronicity representa muito esse conceito do Police de conseguir fazer coisas basicamente sofisticadas e ao mesmo tempo minimalistas, sem muito rococó.
Esses três álbuns talvez sejam ótimos exemplos de como eles bateram em mim musicalmente para ajudar a me transformar no que sou em termos de realização musical.