Entrevista | Michale Graves – “Me reencontrei no Brasil”

Entrevista | Michale Graves – “Me reencontrei no Brasil”

Em outubro, o Brasil volta a receber um dos nomes mais icônicos da história recente do punk: Michale Graves, ex-vocalista do Misfits e figura central na fase mais melódica e cinematográfica da banda. Entre 1995 e 2000, ele ajudou a revitalizar o grupo com os álbuns American Psycho e Famous Monsters, entregando clássicos como Dig Up Her Bones e Scream, este último com videoclipe dirigido pelo mestre do horror George A. Romero. Agora, Michale Graves retorna ao país para uma série de shows que prometem celebrar essa era e ainda reservar surpresas no setlist.

No Brasil, Michale Graves se apresenta em São Paulo (22/10 em formato acústico e 01/11 com banda completa), Brasília (23/10), Goiânia (24/10), Belo Horizonte (25/10), Rio de Janeiro (26/10), Porto Alegre (29/10), Florianópolis (30/10) e Curitiba (31/10).

Michale Graves assumiu os vocais dos Misfits aos 20 anos, sucedendo Glenn Danzig, e encarou a missão com autoconfiança. Para ele, não se tratava de ocupar o lugar de outra pessoa, mas de escrever um novo capítulo para a banda. Com um olhar atento à cultura pop e influências que iam do horror punk ao britpop, Michale Graves imprimiu sua marca em um repertório que permanece vivo nas vozes dos fãs até hoje.

Surfista de longa data, Michale Graves se diz encantado pelas praias e pela paixão do público nacional. “O Brasil me reencontrou”, resume, lembrando que muitas das conexões feitas no país atravessaram décadas. Para os fãs, essa proximidade se reflete em apresentações sempre energéticas, carregadas de emoção e histórias.

Na entrevista ao Blog n’ Roll, Michale Graves falou sobre a responsabilidade de assumir os vocais dos Misfits, as influências que moldaram sua carreira, sua relação com o público brasileiro e a expectativa para esta nova passagem pelo país.

Você entrou para o Misfits antes mesmo de completar 20 anos. Como foi encarar a responsabilidade de substituir Glenn Danzig e ainda assim conseguir marcar uma nova era para a banda?

Sabia que era uma grande responsabilidade, mas nunca senti isso como um peso esmagador. Nunca foi algo do tipo “meu Deus, como vou conseguir?”. Porque sabia exatamente como iria conseguir. E tinha tanta confiança de que era a pessoa certa, fui colocado neste mundo para isso. Tudo na minha vida me levou até aquele momento. Então não perdi tempo pensando “meu Deus, essa é a banda do Glenn Danzig”. Eu só pensei: “vocês estão em boas mãos. Vamos fazer isso”. Tinha muita confiança.

Dediquei meu tempo e energia a criar aquela música, pensar nas palavras, nas cores que usaria para pintar musicalmente. Ouvi todas as gravações do Misfits que já tinham existido na face da Terra. Conhecia cada detalhe. Conseguia ouvir as pessoas respirando nas faixas. Me tornei um verdadeiro professor daquilo tudo. E criei a partir disso, a partir de todos os sentimentos que tinha na época, com 20 anos. Quando gravamos, eu tinha 21. Mas tinha acabado de sair do ensino médio. Então estava muito conectado com a cultura. Sabia o que estava acontecendo.

Os caras da banda eram mais velhos, tinham uns 31 anos quando entrei, e eu tinha 20. Então realmente tinha o dedo no pulso da cultura. E estava muito, muito confiante. Sabia que poderíamos ser incríveis. E acho que fomos. Na verdade, sei que fomos.

Faria algo diferente?

Onde errei foi na minha imaturidade emocional, por ser tão jovem. Quando se tratava de negócios, era muito difícil para mim ser objetivo e, às vezes, razoável. Porque era movido pela emoção. Tudo era guiado pelas emoções. E não tinha ninguém ao meu redor para conter isso e dizer: “ei, calma, agora você está agindo com emoção demais”. E eu precisava disso. 

Minhas emoções foram despejadas na música, é isso que me tornava forte. Mas em outras áreas, como negócios ou relacionamentos… ser extremamente emocional nem sempre é o melhor caminho para a objetividade ou a razão.

Com 20 anos, isso ainda é difícil. Eu entendo, super compreensível.

Sim, e de repente estava em um mundo em que o Marilyn Manson estava ali do lado, o Rob Zombie estava ali, e os caras do Metallica entravam na sala, e o James Hetfield me pedia para cantar músicas, e lá estavam os caras do Alice in Chains, do Soundgarden… e eu pensava: “o que está acontecendo?”. Estava sobrecarregado, mas foi demais!

As faixas Dig Up Her Bones e Scream marcaram uma geração, inclusive com videoclipes dirigidos por George A. Romero. O que essas músicas representam para você hoje?

Uau… Dig Up Her Bones, especialmente… acabei de completar 50 anos. Escrevi essa música quando tinha 16. Então ela é praticamente um retrato da minha juventude. Há um jovem Michael naquela música que… é difícil expressar o quanto ela significa pra mim e o quanto está entrelaçada à minha vida.

É absolutamente incrível que, depois de todos esses anos, eu ainda subo no palco, chego no refrão, aponto o microfone pro público e escuto todo mundo cantando. E sei o quanto essa música também significa para os outros. É indescritível. É o mais perto do céu que já cheguei. Está tudo ali: minha juventude, amor, perdas, meus filhos, minha família… tudo está naquela música.

E Scream… é louco, porque escrevi essa música não necessariamente para o George Romero, ele veio depois, mas lembro de escrevê-la sendo muito fã do Peter Murphy. E o sucesso dessa música, e o fato de ter sido conectada ao Romero, ao mundo do horror, e ganhar uma nova vida… no fundo, só queria criar um riff vocal diferente, mostrar algo novo com a minha voz. É uma música simples. Nem tem muitas palavras. Mas foi muito especial.

E sua fase no Misfits também coincidiu com a era de ouro do wrestling na TV, com participações semanais na WWE. Como foi viver ao mesmo tempo o universo do punk e do pop naquela época?

Mais uma vez, foi um sonho realizado. Eu fui criado nos anos 80, então era um grande fã de luta livre. E estar num espaço criativo com caras como Hulk Hogan, Roddy Piper, Sting, Goldberg, atletas incríveis e também super criativos, foi um dos grandes destaques da minha vida. Sempre fui pequeno, fisicamente, perto deles. Todo mundo era gigante. Mas o ambiente era incrível, competitivo física e criativamente. Eles eram mestres da improvisação. Foi um sonho. Um verdadeiro sonho realizado.

Depois do Misfits, você construiu uma carreira solo intensa, com mais de dez álbuns lançados. Como você vê sua evolução musical de American Psycho até hoje?

Quando escrevi o American Psycho, seguia uma fórmula: ouvia os álbuns antigos, pegava uma música como referência e criava algo baseado naquilo. Já em Famous Monsters, me abri mais. Escrevi de forma mais livre, no estilo que viesse, o que tornou o disco bem diferente.

Depois que saí do Misfits, lancei Web of Dharma. A maioria das músicas daquele álbum eram composições que eu tinha feito para o Famous Monsters, mas que não se encaixaram na época. Talvez fossem à frente do seu tempo. Elas só não funcionaram com a banda.

Hoje, ainda escrevo da mesma forma. O processo é o mesmo. Os sinais no meu cérebro e na minha alma continuam os mesmos, só que agora são afetados por uma vida diferente.

Sua colaboração com Marky Ramone te levou a turnês pelo mundo, incluindo o Rock in Rio. O que esse projeto representou para sua carreira?

Ah, cara, ter o Marky Ramone tocando bateria e cantar músicas dos Ramones foi um dos grandes momentos da minha vida. Quando era jovem, conheci os Ramones, eles estavam sempre por perto, Joey, Marky… Viajamos com Marky and the Intruders. Via Joey sempre, até o Dee Dee várias vezes. Eles são a essência do punk. Poder cantar essas músicas foi uma bênção, porque os respeito muito como músicos e como pessoas. É uma daquelas oportunidades únicas na vida. A única coisa melhor seria cantar com os Sex Pistols ou com o Guns N’ Roses.

E sua nova turnê traz músicas dos álbuns American Psycho e Famous Monsters. O que o público brasileiro pode esperar? Terá surpresas no setlist?

Sim! Eu tenho os fã-clubes e redes sociais, e estou perguntando pra todo mundo que outras músicas querem ouvir, além das dos dois álbuns. Então, sim, haverá surpresas.

E como é sua relação com os fãs brasileiros? Você já comentou sobre os fã-clubes. E o que você mais gosta no país? Conhece alguma banda brasileira?

Não lembro de nenhuma agora, de cabeça. Mas o Brasil é um lugar incrível, um país lindo. A costa é maravilhosa, surfo quase a vida inteira, e o Brasil tem ótimos picos de surf. As pessoas são lindas, apaixonadas, a cultura é incrível. Tenho muitas memórias boas aí.

Os três músicos que tocam comigo hoje são brasileiros, e são incrivelmente talentosos, significam o mundo pra mim. Escrevi muita música no Brasil. Quase todo o álbum Vagabond foi escrito aí.

Então o Brasil te inspirou?

Sim, o povo, o clima, o jeito como fui tratado por todos. Passei muito tempo aí, especialmente com o Marky. Muitas pessoas que amavam e apoiavam o Marky acabaram me acolhendo também. Estivemos aí várias vezes. Foram momentos muito importantes da minha vida. Me reencontrei no Brasil.

Quais os três álbuns que mais influenciaram sua carreira e por quê?

Essa é difícil… Appetite for Destruction, do Guns N’ Roses. Esse álbum explodiu minha cabeça. Sou muito ligado a vocais, e ouvir o que o Axl Rose fez com a voz no estúdio, mudou minha vida.

Nevermind, do Nirvana, mudou completamente minha vida também. E escutei What’s the Story (Morning Glory), do Oasis, o tempo todo, junto com Nevermind, enquanto me preparava para gravar o American Psycho. Pode não parecer, mas esses dois discos foram uma grande influência pra mim naquele período. Ah, Dookie, do Green Day, também. Ouvi esse álbum um bilhão de vezes, um disco incrível.

Então você deve estar feliz com a volta do Oasis. Pretende ir a algum show?

Adoraria ver o Oasis ao vivo. Não sei se consigo pagar um ingresso. Teria que ir sozinho, porque dois ingressos já não dá. Mas adoraria. Fico muito feliz por estarem tocando juntos novamente. É algo lindo.