Sérgio Britto nunca esteve tão confortável com sua própria sonoridade. Em Mango Dragon Fruit, seu sexto álbum solo, lançado em abril pela Midas Music, o músico mostra um equilíbrio entre a elegância da bossa nova, a leveza do pop e a liberdade do jazz, tudo costurado por letras pessoais e uma estética cada vez mais refinada. O trabalho representa um passo firme em sua trajetória individual, com participações de nomes como Ed Motta, Bebel Gilberto, Fernanda Takai, Brothers of Brazil e Roberto Menescal.
O título inusitado, inspirado em uma bebida tropical da Starbucks, reflete o clima sensual e inventivo da faixa homônima. Entre composições próprias e releituras como Eu Sou do Tempo, de Rita Lee e Roberto de Carvalho, Sérgio dá continuidade à busca por uma identidade musical que vem lapidando desde que começou a se afastar do rock direto dos Titãs. “Acho que cheguei em um resultado que me satisfaz muito. Esse disco tem arranjos mais ousados e espaço para improviso”, comentou o cantor.
Em bate-papo com o Blog n’ Roll, Sérgio Britto falou sobre o processo de criação do álbum, a colaboração com artistas de diferentes gerações, sua relação com a música brasileira e, claro, relembrou momentos marcantes do Titãs e comentou sobre sua ligação com a cidade de Santos. Confira a íntegra abaixo.
Percebi que o disco tem uma sonoridade bem interessante. Gostei da ideia de você misturar bossa nova com um pouquinho de música latina e também um flerte com o jazz, que acho que dá o grande charme do álbum. Como foi esse processo criativo e quais as influências para chegar nessa sonoridade?
Sergio Britto – Olha, isso é algo que venho desenvolvendo há algum tempo. Não é só nesse disco, já tenho seis discos solo. Desde que comecei a trilhar esse caminho, estava em busca de uma sonoridade própria. Sempre fui muito ligado à MPB e, mais especificamente, à bossa nova. É uma linguagem com a qual tenho intimidade desde garoto. Quando comecei a pensar no meu trabalho solo, percebi que esse era um caminho que me diferenciava dos Titãs e me distinguia como artista. Então, passei a misturar esses elementos com ingredientes da música pop e outros sons, buscando uma bossa nova com a minha cara.
E o título do álbum? Vi que remete a um drink da Starbucks, uma mistura de manga com pitaya. Achei curioso! Como surgiu essa ideia? Você está sempre buscando referências no seu dia a dia?
Sergio Britto – Tem coisas que me chamam a atenção e ficam comigo. Esse drink era muito popular entre adolescentes, e isso ficou na minha cabeça. Quando estava compondo a faixa que deu título ao disco, relacionei esse “blend” com a ideia do fruto proibido, do despertar do desejo. A música fala disso: “todos os desejos, até mesmo os que negar, todos os desejos de algum jeito têm lugar”. Achei que o título sintetizava bem a ideia do álbum e da música.
Você comentou que esse disco representa um avanço na sua identidade artística, apesar das raízes na bossa nova. O que mudou no seu olhar para a própria música desde seu primeiro álbum solo?
Sergio Britto – Esses elementos sempre estiveram presentes, mas de forma sutil. Com o tempo percebi que, por estar tão associado ao rock e ao pop, as pessoas não percebiam esse lado. Resolvi então explicitar isso mais e deixar de lado outros estilos. Neste disco, todas as faixas carregam esse elemento da brasilidade, da bossa, misturado com outros sons. É o álbum mais coeso nesse sentido.
Uma das faixas que me chamou atenção foi Eu Sou do Tempo, da Rita Lee. Como foi ter acesso a essa música (nunca foi gravada) e o que representa gravá-la após a perda dela?
Sergio Britto – Descobri a música em um documentário, onde ela e o Roberto a tocam de forma bem intimista. Ela me chamou atenção por estar dentro do universo que estou explorando: uma bossa nova pop com bom humor e acidez. Fiz um arranjo, gravei e mandei para o Roberto, que adorou e autorizou.
Já tinha uma relação antiga com eles. A Rita, inclusive, participou da minha música Pura Bossa Nova em 2013. Ela sempre foi muito generosa. Uma história curiosa foi que mandei mensagem para o Roberto pelo Facebook e ele só respondeu dois meses depois, dizendo que estavam no Caribe e que ela topava participar. Gravaram no estúdio deles e me mandaram o material. Depois ainda convidei a Rita para o clipe, e ela topou também, foi uma das últimas coisas que ela fez com outro artista. Guardo isso com muito carinho.

Falando em participações, o Ed Motta é o mais popular no Spotify, mas o álbum também tem Bebel, Fernanda Takai, Roberto Menescal e Brothers of Brazil (Supla e João Suplicy). Como foi o processo de escolha?
Sergio Britto – Foi bem pensado. Escolhi artistas que tivessem afinidade com esse universo da bossa e do jazz. O Menescal nem precisa de explicação. A Fernanda tem uma trajetória que mistura pop e homenagens à Nara Leão. O Supla e o João Suplicy têm esse projeto Brothers of Brazil, que também brinca com bossa. O Ed Motta mergulhou no jazz nos últimos trabalhos. Achei que todos tinham a ver com as músicas e com o conceito do disco.
E como foi gravar com o Supla, que é uma figura irreverente?
Sergio Britto – Foi divertido. Ele topou, mas ficou meio na dúvida sobre o estilo: “isso é bossa nova tradicional?” Ficamos nesse embate. A música tem uma letra debochada, cheia de excessos. Ele acabou interpretando um personagem, o chato do sexo, drogas e rock’n’roll e eu, o chato quieto. Foi uma brincadeira que funcionou bem. Ele levou a sério, gravou várias vezes até acertar. Foi divertido.
Como você equilibra a carreira solo com os Titãs?
Sergio Britto – Consigo porque há uma zona de intersecção. Nos meus shows solo, toco metade do repertório dos meus discos e metade de músicas dos Titãs, em versões que combinam com meu estilo. É algo mais cool, introspectivo. Prefiro tocar em teatros. Isso me dá um refresco e me enriquece musicalmente. Mas, claro, preciso dedicar mais tempo aos Titãs, então tenho ajustado minha agenda para conseguir fazer ao menos um show solo por mês.
Há planos para trazer a turnê aqui para Santos?
Sergio Britto – Sim! Já me ofereceram uma data. Estou fechando outras cidades como Guarulhos, Araraquara… Santos está nos planos com certeza. Quero fazer uma turnê bem abrangente.
Falando nos Titãs, chamou atenção vocês encerrarem o Lollapalooza. Como foi essa experiência?
Sergio Britto – Foi diferente, porque foi o único show em que o público não era exclusivamente nosso. Mas a receptividade foi tão boa quanto nos shows do Allianz. De fato, fomos a última banda a tocar, mas não colocaram a gente como headliner. Viramos uma “atração extra”, o que reflete um pouco como o mercado trata bandas brasileiras. Ainda há um caminho para melhorar isso.
Você também fez parcerias com bandas de outras gerações, como Supercombo e o Egypcio. Como é essa troca com artistas mais novos?
Sergio Britto – É muito boa. Gosto de interagir. Fiz música também com o CPM 22, com o Badaui… Gosto dessa vivência compartilhada de estar numa banda, manter uma carreira, enfrentar desafios. Sempre que tenho tempo, aceito convites para colaborar.
Você participou do Acústico MTV, que marcou muita gente. Qual é o seu Acústico favorito?
Sergio Britto – Acho que o do Nirvana, pelo contraste da banda barulhenta com a adaptação acústica. A versão de The Man Who Sold the World, do Bowie, é brilhante. Outro que adoro é o do Eric Clapton, que tem um som incrível, músicos excepcionais e uma leveza impressionante. Gosto muito desses dois.
Falando em álbum, quais são os três álbuns que impactaram sua vida?
Sergio Britto – Chega de Saudade, do João Gilberto que, mesmo não sendo da minha época, foi impactante. Acabou Chorare, dos Novos Baianos, que mistura MPB e rock de forma muito especial. E Clube da Esquina, que tem essa fusão de pop, Beatles e MPB de forma magistral. São três grandes discos.
Você viveu a melhor fase do rock em Santos. Tem alguma história marcante na cidade?
Sergio Britto – A primeira vez que tocamos em Santos foi numa boate chamada Heavy Metal. Depois do show, ficamos na pista de dança com umas meninas, vieram os namorados delas e rolou uma briga. Apanhamos mais do que batemos (risos).
Mas compensamos depois, tocando muitas vezes no Caiçara, onde o público era incrível. No show do Titanomaquia, o som do PA caiu e cantamos a capela na frente do palco até tudo ser consertado, foi uma catarse.
E teve também a primeira vez que cruzamos com o Chorão. Ele invadiu o camarim, se jogou na gente e disse que amava a banda. Ainda não existia o Charlie Brown Jr. Ele tinha uma banda que tocava em inglês. Bem, tenho muita história boa em Santos.