Entrevista | The Lemonheads – “Parei com a heroína, e minha cabeça se abriu”

Entrevista | The Lemonheads – “Parei com a heroína, e minha cabeça se abriu”

Quase duas décadas após o último trabalho de estúdio, Evan Dando ressurge com o The Lemonheads em Love Chant, um álbum que marca não apenas o retorno de uma das vozes mais singulares do indie rock dos anos 1990, mas também uma nova fase pessoal e criativa do músico. 

Gravado majoritariamente no Brasil, o disco reflete a imersão de Dando na cena local e a parceria com o produtor Apollo Nove, nome conhecido por seu trabalho com artistas como Nação Zumbi e Otto.

Morando em São Paulo e casado com uma brasileira, Dando parece ter encontrado um novo ponto de equilíbrio entre a leveza e a introspecção que sempre caracterizaram suas composições no Lemonheads

Em Love Chant, há espaço tanto para o lirismo nostálgico quanto para uma energia renovada, resultando em um som que flutua entre o passado e o presente, sem perder a essência do The Lemonheads.

O álbum ainda reúne velhos companheiros de estrada, como J Mascis, Juliana Hatfield e Tom Morgan, em participações que reforçam o vínculo afetivo e musical que Dando construiu ao longo das décadas. Entre histórias curiosas de estúdio e reflexões sobre sobriedade e recomeços, o cantor mostra que está mais conectado do que nunca com sua arte.

Além do novo disco, Dando prepara também o lançamento de sua autobiografia, Rumours of My Demise, que será acompanhada por um audiolivro gravado em São Paulo. E os fãs brasileiros do Lemonheads podem comemorar: o músico garante que há planos de levar o Love Chant aos palcos do país em breve.

Confira abaixo a entrevista que Dando concedeu ao Blog n’ Roll, via Zoom, após a conclusão das gravações de Love Chant.

O álbum foi gravado majoritariamente no Brasil. Como essa mudança de cenário influenciou o processo criativo e sonoro do disco?

Diria que o estúdio é incrível. Ele foi construído pelo Roy Cicala, que trabalhou como engenheiro de som nos discos do John Lennon. Roy esteve envolvido em tudo. Temos muito equipamento aqui, o compressor de voz usado em Imagine, do Lennon, está lá embaixo. Temos umas paradas malucas.

Ele faleceu em 2014, e agora o Apollo cuida do estúdio. Estamos reativando tudo. Conheci o Apollo do outro lado da rua, meio sem querer. Ele disse: “você tem que conhecer esse cara”. A gente estava no lançamento do filme do tio da minha esposa, que foi empresário da Elis Regina e do Tom Jobim.

A faixa In the Margin tem uma composição conjunta com Marciana Jones e riffs por toda parte. Pode falar mais sobre essa parceria e o conceito da música?

In the Margin é sobre o que quer que aconteça. É bem adolescente, tipo Edgar Allan Poe, muito romântica. Algo como: “vou sair dessa merda, vou lembrar de você um pouco, mas agora sou eu por mim mesmo”. É uma música jovem, rebelde, algo do tipo “não dou a mínima”. Prefiro morrer a deixar seus pensamentos me limitarem. É uma declaração.

Você contou com vários colaboradores de longa data, como J Mascis, Juliana Hatfield e Tom Morgan. Como foi reunir esse “time” depois de tanto tempo?

É tudo gente que conheço há muito tempo, então por que não? Se você conhece e está fazendo um disco…

Sempre vejo o J e a Juliana. Ela fez turnê com a gente no ano passado. Falo com o J o tempo todo, fui eu quem apresentei a esposa dele para ele. Somos grandes amigos. J não faz alarde. Ele diz: “beleza, faço uma música”. E nem cobrou.

Da última vez, eu disse: “J, faz um solo por US$ 4 mil?” E ele mandou quatro solos. Provavelmente estava com dois amigos e falou: “assiste isso, vou ganhar mil dólares tocando uns solos aqui”. (risos)

A produção é assinada por Apollo Nove, um nome conhecido da música brasileira. Como foi trabalhar com ele e o que ele trouxe de especial para o disco?

Começamos a fazer demos há um ano. Eu tocava bateria, fazia tudo. E já lançamos um single logo de cara, Fear of Living. A gente pensou: “é isso, é aqui que quero estar. Essa é minha vida”.

Ele é ótimo. Cobra de você, mas do jeito certo: “Evan, dá pra fazer melhor”. Sempre precisei de alguém assim. Agora nós nos conhecemos bem. Ele me lembra um grupo de amigos que tenho, fãs do Velvet Underground, gente que realmente conhece música. Ele ama Brian Jones, dos Rolling Stones. Brian tocava as partes que ninguém ouvia. É isso. Está lá, mas escondido.

O disco soa ao mesmo tempo nostálgico e atual. Como você equilibrou os elementos clássicos dos Lemonheads com novas influências e experiências de vida?

Foi como um experimento científico. Mas, na real, só fui lá e fiz com o coração. Parei com a heroína, e minha cabeça se abriu. Agora meu coração e minha mente conversam. Só faço do jeito que consigo, aprendi a relaxar, e fazer música é sobre relaxar.

Muitos artistas da nova geração, como Courtney Barnett e Waxahatchee, citam o The Lemonheads como influência. Como você vê essa repercussão entre novos músicos?

A gente sempre quis ser esse tipo de banda, como The Replacements ou Ramones. Acho que consigo fazer isso, parece divertido. Somos esse tipo de banda.

O lançamento do álbum será seguido por sua autobiografia, Rumours of My Demise. Existe um diálogo entre o disco e o livro?

A conexão é que ambos têm a ver comigo. Lançamos os dois juntos como parte da campanha: “olha lá, o cara tem dois lançamentos”. Não é uma ligação temática, mas de momento.

A gente correu pra lançar um junto com o outro. É uma campanha para voltar a ser bem-sucedido. Se já aconteceu uma vez, pode acontecer de novo.

Aliás, estou aqui no estúdio porque vou gravar o audiolivro. Começa assim: “Deixei minha carteira nos arbustos da Walgreens”.

Você pretende fazer shows de divulgação do Love Chant, inclusive no Brasil? O que os fãs podem esperar dessa nova fase ao vivo?

Mais do mesmo, só que melhor. Agora tenho uma mulher incrível ao meu lado, que me puxa a orelha se vacilo. Estou fazendo tudo por um motivo agora. Ela me ajudou a largar as drogas. Ela fala na cara, não alivia. E todo homem precisa de uma mulher forte ao lado.

Quais os três álbuns que mais te influenciaram na carreira? Por quê?

Difícil escolher os “mais”, mas vou tentar:

  1. Ramones – Ramones
  2. The Velvet Underground – terceiro álbum
  3. Three Feet High and Rising – De La Soul