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Crédito: Danika Magdelena

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Entrevista | Yussef Dayes – “O jazz se altera com o tempo”

Um dos nomes mais empolgantes da cena jazz de Londres na atualidade, o multi-instrumentista inglês Yussef Dayes lança, no próximo dia 8, o seu álbum de estreia, Black Classical Music, que traz os singles homônimo, Rust, Marching Band, Tioga Pass e The Light, o mais recente.

Black Classical Music conta com várias participações especiais, como o cantor e saxofonista jamaicano Masego, o baixista Rocco Palladino, Chineke! Orchestra, além da filha de Yussef, Bahia Dayes. Para os brasileiros, duas gratas surpresas no disco de Yussef: Luizinho e Tito, músicos de Salvador.

Apesar de estar lançando o primeiro álbum solo de estúdio, Yussef Dayes, de 30 anos, já divulgou outros discos, como What Kinda Music (2020), colaborativo com o cantor e guitarrista inglês Tom Misch.

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Em entrevista ao Blog n’ Roll, via Zoom, Yussef falou sobre o álbum Black Classical Music, a curadoria para escolher os convidados, além de sua ligação com o Brasil.

Como foi o processo de produção de Black Classical Music?

As primeiras gravações começaram em 2021, era uma época em Londres que estávamos saindo do lockdown do covid, e podíamos nos encontrar novamente e ir para o estúdio. Apesar de que a semente foi plantada na minha cabeça antes, minha filha havia nascido em 2020, e me instigou a começar a pensar em deixar o álbum pronto. Então foi nessa época, em 2021, e saímos para alguns shows, com algumas músicas já gravadas em umas dessas sessões, e ao vivo as músicas tomavam outro rumo, então voltamos para gravar novamente, só que outra parte.

Em 2022 fui para Los Angeles, trabalhar nos singles, então foi um processo de um ano e meio mais ou menos, para chegar onde queríamos. Foi difícil devido a covid, mas eu tinha uma filha nova, não estava em turnê, poderia estar com minha família todo dia, e na verdade, em alguns pontos, foi bom para a minha alma.

Queria que você falasse sobre a parceria com o Masego. Vocês já haviam trabalhado juntos? Como se conheceram?

Não, foi a primeira vez que tocamos juntos. Sou fã dele faz tempo, eu o escuto há muito tempo. Soube que ele conhecia o que eu vinha fazendo pelo Elisah Fox, que era um dos meus pianistas, e me apresentou ao Masego em Los Angeles. Aliás, falamos sobre Brasil, pois ele falou que tinha muitos ouvintes lá, e ele tinha curiosidade sobre o Brasil. Eu lhe disse que minha filha se chama Bahia, que estive em Salvador, tinha amigos em Salvador.

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Tínhamos muito em comum, e na segunda vez que fui a casa dele foi quando fizemos a jam, e aí gravamos, com o freestyle dele, as coisas que falamos, foi coisa do momento. Brasil foi a principal conexão entre nós.

Tioga Pass, com a participação de Rocco Palladino, traz inspirações de Yosemite? Como foi essa experiência? Você frequentou o parque na infância?

Em 2014, minha mãe, meu pai e dois dos meus irmãos fomos a um parque nacional na Califórnia. Lugar muito bonito, repleto de montanhas, lagos e muita natureza. Sou do Reino Unido, aqui nos EUA você escuta muito sobre política e Casa Branca, mas quando tem a oportunidade de conhecer a vida selvagem, é um lugar tão bonito, me lembra que ali já foi terra da tribo dos Moicanos, você tem esse sentimento de que essa terra é dessas pessoas.

Houve apenas um curto período na história que as coisas mudaram, e a terra é linda, senti isso lá. E quando fizemos a primeira sessão de estúdio, em 2021, estávamos tocando a música que escrevemos primeiro, e me lembrou dessa época. A sonoridade lembrava um instrumento nativo americano, me passou essa vibe.

Como você conheceu a Chineke! Orchestra? E o quão importante ela foi para o seu álbum?

Assisti alguns dos vídeos deles online, parte da imprensa falava sobre como essa era a primeira orquestra completamente negra na Europa e no Reino Unido. E, quando comecei a pensar no álbum, veio à minha mente.

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Nas minhas primeiras músicas para o som de cordas, costumava usar o sintetizador, mas nesse álbum senti a necessidade de usar cordas de verdade.

Acho que a conexão foi mútua, fez sentido para o álbum, adicionar coisas até com as quais cresci, pois música clássica era uma música que se ouvia na minha casa.

Você não costuma ver músicos negros tocando esses instrumentos, quando se vai a bailes e tal. E uma orquestra negra tocando os instrumentos dessa forma, eu pensei, precisamos nos conectar. Foi um grande momento, pois alguns músicos não têm chance de trabalhar com esse tipo de música.

Tivemos que transcrever para eles, mas ao mesmo tempo, eles tiveram que se adaptar à peça, não improvisar, mas ir com o ritmo. Acho que para eles foi bom, claro, para nós também. Estamos acostumados a fazer no improviso, tivemos que compor e escrever. Foi um momento especial.

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O jazz por muito tempo foi visto como um som para elite, isso, inclusive, dificulta o acesso dele ao grande público no Brasil. O que pode ser feito para mudar esse cenário?

Acredito que as pessoas voltarem para as raízes de onde a música saiu. Ano passado tive a chance de ir para Nova Orleans, e estar em contato com a história de lá, a vibe, me fez perceber que antes de ser nomeada jazz, as pessoas dançavam essa música, uma forma de se expressar, ser livre. Acredito que a forma como foi estigmatizada, a palavra jazz, essas coisas, colocam em caixas, limitam as pessoas de ouvirem.

No meu álbum, as pessoas vão ouvir músicos de Salvador, reggae, Masego, diferentes sons, não será limitado a uma coisa. Acho que se ouvir Miles Davis, John Coltrane, Herbie Hancock, Nina Simone, essas pessoas não estariam fazendo as mesmas coisas que nos anos 1970. Acredito que o jazz se altera com o tempo, faz algo para o momento.

Tento fazer isso, vejo pessoas diferentes comparecendo aos shows, que provavelmente não iriam há dez anos atrás. Acho que é sobre apagar essas caixas, tornar mais relacionável para pessoas que parecem conosco. E, para mim, também não quero performar sempre para a mesma pessoa, acredito que esse tipo de música pode ser ouvida por todo mundo.

Talvez seja sobre apresentar de forma que gere essa relação, não é intencional, ir para o estúdio pensando no que quero para as pessoas. Faço o que faço da forma que me inspira. Como disse, fui para Salvador, São Paulo, tive grandes inspirações.

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Luizinho, um músico de Candomblé de Salvador, está no álbum, é um percussionista incrível. Gosto de mostrar o que me inspira: as pessoas, os idiomas, acho que esse álbum é sobre isso. Espero que inspire outros músicos, tipo, apresentar a música brasileira, isso é importante para mim. E, novamente, talvez tenha colocado a orquestra para abrir as portas, não ser tipo, isso é um álbum de jazz, pois se ouvir ele, não é, não é apenas isso, são muitas influências e sonoridades.

Podemos esperar um show dessa turnê no Brasil? Quais são os planos para a divulgação?

Sim, espero que em janeiro. Sei que Rio está na lista, São Paulo também, mas estamos tentando na Bahia. Não é certo, mas está no topo da lista: Brasil, oeste da África e Caribe. Brasil é um lugar que queremos levar o álbum. Somos abençoados de ter Luizinho (Luizinho do Jêje) e Tito, de Salvador, no disco, são instrumentistas incríveis.

Quais são os três álbuns que mais te influenciaram como artista?

Miseducation, da Lauryn Hill, é um álbum especial, cresci com ele, e é um dos discos que ouvi de ponta a ponta.

Kind of Blue, do Miles Davis, é um que comecei a gostar mais depois de mais velho, quando era novo, não ouvia muito. Mas nos últimos anos, o jeito que ele toca o trompete, é como uma voz, toco percussão, não trabalho muito com vocais, mas ele mostra que o instrumento é uma voz também.

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Por fim, é um da Clara Nunes, Canto das Três Raças. É uma das minhas músicas brasileiras preferidas.

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