A banda novaiorquina Nation of Language lançou seu quarto álbum de estúdio, Dance Called Memory. Diferente dos trabalhos anteriores, o disco nasceu a partir de acordes no violão, uma escolha incomum para um grupo que construiu sua identidade nos sintetizadores. Essa abordagem mais “orgânica” serviu como ponto de partida para explorar novas sonoridades e, sobretudo, para humanizar ainda mais o universo eletrônico da banda.
“Qualquer coisa que seja diferente, empolgante e desperte curiosidade é extremamente valiosa em estúdio”, explicou o vocalista do Nation of Language, Ian Richard Devaney.
Em entrevista exclusiva ao Blog n’ Roll, Ian e Aidan Noell falaram sobre as referências que atravessam o novo trabalho do Nation of Language, de My Bloody Valentine a Cocteau Twins, o desejo de borrar as linhas entre o sintético e o humano, a relação do disco com memórias pessoais e o impacto emocional de voltar a se conectar com o público após o isolamento da pandemia.
Confira a entrevista completa abaixo
Dance Called Memory foi composto a partir de acordes no violão, uma escolha incomum para um álbum dominado por sintetizadores. Como esse processo mais “orgânico” influenciou o resultado final?
Ian: Acho que o fato de a guitarra ter sido a base de tantas músicas realmente nos lembrou, ao longo do processo, que não precisamos fazer tudo sempre do mesmo jeito que fizemos antes.
Aidan: É, acho que isso nos lembrou que é bom mudar, evoluir e expandir o que acreditamos ser capazes de fazer.
Ian: E, sabe, acho que quando você está no estúdio, qualquer coisa que seja diferente, empolgante e desperte curiosidade é extremamente valiosa.
Você menciona, no material para a imprensa, que quis se afastar da escola Kraftwerk e se aproximar da filosofia de Brian Eno. Quais momentos do álbum você acha que mais representam essa “humanização dos sintetizadores”?
Ian: Essa é uma ótima pergunta. Acho que uma parte… é que, na primeira música do álbum, há algo que soa como um sintetizador, mas na verdade é uma gaita bastante processada com efeitos. E acho que esse engano, um instrumento humano sendo tratado como um sintetizador, é uma forma de ilustrar esse borramento de fronteiras.
Aidan: Sim, borrando a linha entre o sintético e o humano.
A faixa I’m Not Ready for the Change traz referências ao Loveless do My Bloody Valentine. Como vocês equilibram essas influências do shoegaze e da eletrônica dos anos 2000 com a identidade própria da banda?
Ian: Essa é uma banda que sempre amei. E acho que, sabe, muita da nossa identidade está ligada a influências fundadoras do new wave e synth pop dos anos 80. E, pra mim, existe um fio condutor natural que passa, talvez, pelo Cocteau Twins, que meio que faz uma ponte entre os anos 80 e 90, algo muito interessante de explorar. Nosso produtor, Nick Millhiser, é fã do Cocteau Twins.
Então, no estúdio, nenhum de nós tinha muita experiência com esse tipo de sonoridade, guitarras com aquele timbre metálico, reluzente, então foi algo empolgante. E toda vez que a gente se perguntava: “Podemos fazer isso? Isso soa como Nation of Language?” E decidimos tornar isso parte do som da banda, foi muito legal.
O novo álbum parece ser menos sobre nostalgia e mais sobre memória e humanidade. Que tipo de memórias ou sentimentos pessoais foram canalizados na composição?
Ian: Acho que muitas coisas… amigos ou familiares que faleceram, por exemplo. O Aidan e eu moramos no nosso primeiro apartamento juntos por dez anos. E, enquanto fazíamos este disco, nos mudamos de lá. Mudar de casa pode parecer algo pequeno, especialmente em comparação com a morte, mas quando você tem tantas memórias compartilhadas em um espaço, e tanto da sua vida aconteceu ali, especialmente por ter sido o lugar onde passamos a pandemia, confinados, foi uma perda especial.
Aidan: É um tipo diferente de perda, interessante de se explorar emocionalmente. E também crescemos muito nos últimos anos, mudamos de caminho, perdemos amizades ou a noção de quem achávamos que éramos.
Todos esses tipos de perda, mudança e crescimento, que você lamenta ou celebra, estão todos canalizados neste disco. Talvez de uma forma mais madura, eu espero.
Seus três primeiros discos viraram trilhas sonoras não-oficiais do isolamento pandêmico. O novo álbum marca uma virada? Podemos dizer que ele aponta para um futuro mais esperançoso?
Ian: Não sei se aponta para um futuro mais esperançoso, mas… Acho que, com este álbum e o anterior, Strange Disciple, há uma celebração do fato de que não estamos mais presos. Poder sair em turnê, construir comunidade com as pessoas, isso é algo muito inspirador para nós, e central ao motivo pelo qual estamos em uma banda.
A pandemia nos mostrou o quanto a performance ao vivo é importante. Era algo que eu costumava dar como certo. Mas poder cantar junto com o público, compartilhar esses momentos emocionais, isso é essencial para nós.
A turnê internacional inclui locais maiores e múltiplas datas em cidades como Nova York e Londres. Como vocês estão se preparando para esse novo patamar nos palcos?
Ian: Nos últimos meses, temos pensado em como expandir o show ao vivo sem perder o essencial do que significa, pra nós, ser uma banda DIY por tanto tempo. Como aumentar o valor de produção sem abrir mão da liberdade de mudar o setlist a cada noite, ou de fazer alterações no meio do show, algo que muita produção musical pré-planejada não permite. Estamos pensando muito nisso ultimamente. Queremos expandir a parte visual. Começamos a ver o design de palco como uma forma de arte visual, algo que ainda não havíamos explorado.
Aidan: Ser parte de uma banda envolve muito mais aspectos artísticos do que se imagina no começo, você tem que fazer os flyers, as capas dos álbuns, tirar fotos… Então, agora o design de palco é a nova área criativa em que estamos mergulhando. Sempre trocamos ideias por mensagem, e quando vamos a shows, observamos o que outras bandas fazem que podemos adaptar. Estou animado para investir cada vez mais nisso.
Parece desafiador, mas também empolgante.
Aidan: Sim, é mais um campo criativo para a gente. Adoramos nos desafiar o máximo possível. Acho que somos uma banda que não gosta de se acomodar. Estamos sempre buscando um novo desafio.
Vocês também farão shows com o Death Cab For Cutie, celebrando os 20 anos de Plans. Que impacto essa banda teve na trajetória de vocês?
Ian: Na verdade, foi o primeiro show para o qual comprei ingresso na vida! Em 2009, fui com meu pai e meu melhor amigo da época ver a banda. Acho que ali começou meu amor por música ao vivo.
Eu não tocava nenhum instrumento antes de entrar no Nation of Language, mas sempre foi muito importante pra mim, como público, participar dessa experiência. Então, eles tiveram um impacto enorme sobre mim como ouvinte. Estou muito, muito feliz de poder fazer esses shows com eles, porque aquele álbum foi muito importante pra mim.
Vocês pretendem trazer essa turnê para o Brasil?
Ian: Espero que sim! Estamos sempre tentando conseguir shows na América do Sul, e em qualquer lugar que ainda não visitamos. Acho que, com sorte, no ano que vem. Porque, basicamente, a partir desses shows com o Death Cab, já temos o ano inteiro programado, e infelizmente nada nos leva à América do Sul ainda. Mas no ano passado fomos ao Chile e à Argentina, e foi uma experiência tão especial. Realmente nos mostrou o quanto é importante tocar aí. Então, nosso objetivo é incluir o Brasil no ano que vem. Temos amigos no Rio de Janeiro, e eu adoraria vê-los e tocar para o público brasileiro pela primeira vez.
Em uma era em que a IA começa a interferir na criação artística, vocês apostaram na vulnerabilidade humana como elemento central. O que vocês esperam que o público sinta ao ouvir esse álbum do começo ao fim?
Ian: Acho que uma das coisas que gosto de fazer com músicas vulneráveis e imperfeitas é mostrar que qualquer pessoa tem o direito e a capacidade de criar sua própria arte, mesmo que não seja música. E ver que uma banda como a nossa, que faz turnês e vive de música, ainda pode ser imperfeita, cometer erros e abraçar isso, espero que isso dê permissão às pessoas para tentarem criar também. Não precisa ser perfeito. Não precisa ser exatamente como você imaginou, desde que você esteja tentando e aceitando sua própria humanidade.
Quais os três álbuns que mais te influenciaram na carreira? Por que?
Ian: Acho que diria Remain in Light do Talking Heads, The Man-Machine do Kraftwerk, e Is This It do The Strokes.
Quanto ao porquê… Os dois primeiros, Talking Heads e Kraftwerk, são ícones, grandes álbuns que representam algo a ser alcançado, grandes declarações artísticas. Já o Is This It é um álbum que alcançou status lendário, mas que você percebe que foi feito por cinco caras numa sala. É muito pessoal, muito humano. Então, isso de mostrar que formar uma banda é algo acessível foi muito importante para mim e meus amigos no ensino médio, quando começamos a aprender guitarra, por exemplo. The Strokes sempre será uma banda fundamental para mim.