No Rain, certamente, foi um dos maiores hits dos anos 1990. Com Shannon Hoon na linha de frente, o Blind Melon alcançou um sucesso meteórico. Formada em 1990, a banda lançou dois álbuns com o vocalista original em quase quatro anos. Em 1995, no entanto, uma tragédia atrapalhou os planos dos músicos. Shannon Hoon foi encontrado morto, após uma overdose de drogas no ônibus da turnê da banda.
Digerir a perda de um músico tão talentoso, além de um amigo, foi doloroso para os demais integrantes. Mas, depois de muitas conversas, os guitarristas Rogers Stevens e Christopher Thorn, fundadores da banda, optaram por seguir. Essa trajetória continua, mesmo sem o alcance comercial de outrora, quando o grupo era presença constante em parcerias com o Guns n’ Roses ou tocando no Woodstock de 1994.
Em uma conversa bastante emocional com o Blog n’ Roll, o guitarrista Rogers Stevens abriu o coração para falar sobre a história do Blind Melon, a superação no momento pós tragédia, além do atual momento. Confira abaixo.
Você e o Brad Smith deixaram o Mississippi muito cedo para Los Angeles, certo? Como foi deixar a família e as coisas para trás na hora de buscar o sonho de ter uma banda?
Minha família se desfez cerca de três ou quatro anos antes disso. Quando tinha 13 ou 14 anos, meus pais se separaram. E não foi uma separação amigável, foi muito pública. De qualquer forma, apenas seguiria em frente após isso. Minha ideia era: “Bem, ninguém pode mais me dizer o que fazer“. E ninguém fez. Até hoje, fico sem supervisão. Se isso é bom ou ruim, é outra questão. Mas foi difícil.
Não sabíamos nada sobre Los Angeles. Só ouvíamos dizer que era um lugar legal para músicos. Éramos muito ingênuos, não entendíamos. Nunca tinha ido a uma cidade, vivia em uma comunidade rural muito pequena. Aliás, acho que nunca tinha ido ao oeste de Arkansas, que nem é tão longe.
Dirigimos por todo o país em 30 dias e tivemos todas as espécies de experiências malucas pelo caminho. Foi uma aventura. Tudo era tão novo para nós. Foi uma experiência realmente mágica que nunca esquecerei.
Éramos só nós dois e não tínhamos nada. Todas as nossas coisas estavam no carro. Chegamos lá e passamos por Los Angeles e saímos de Los Angeles, e uma hora depois percebemos que tínhamos passado. Tivemos que voltar e dirigir de volta, o que foi embaraçoso.
Pensei, se houvesse um filme sobre isso, estrelado por nós, seria um grande momento. Finalmente chegamos aqui, mas depois dirigimos demais. Não conhecíamos realmente ninguém lá.
Mas como foi esse início lá? Conseguiram algum trabalho para se estabelecer?
Conseguimos um emprego em um matadouro porque Brad e eu estávamos trabalhando para uma empresa que tinha matadouros e eles fabricavam salsichas e produtos de carne e coisas do tipo. Então, foi o que fizemos.
Eu trabalhava no abate em Mississippi e depois me mudei direto para lá. E pensei: “Finalmente vou conseguir chegar a algum lugar“. E acabei em outro matadouro em Los Angeles. Então, senti que era quase como se não tivéssemos ido a lugar nenhum. Mas, como aconteceu, alguém nos conseguiu esse emprego.
A empresa tinha essas duas fábricas e eles nos permitiram ir para lá. Alguém nos fez um favor. Eles não tinham trabalho para nós. Eles apenas nos mandaram para o telhado e disseram para irmos limpar o telhado. Brad e eu fomos para o telhado desse prédio e jogamos uma bola de tênis. Era enorme, em Compton, em Los Angeles, perto do aeroporto. Estivemos lá por cerca de dois meses, apenas jogando uma bola de tênis no telhado.
Então, acabamos indo para Hollywood e começamos a fazer construção e todo tipo de coisa. Mas ninguém queria alugar um apartamento para nós, então dormíamos no carro ou em hotéis duvidosos. Tentávamos encontrar alguém para alugar um apartamento e chegávamos lá com todas as nossas coisas no carro, e eles olhavam para nós e diziam: “De jeito nenhum”.
Levou cerca de nove meses para conseguirmos um apartamento. Ficamos chocados. Não podíamos acreditar. Tivemos que aprender a nos virar. Levou um tempo. E então aconteceu muito rápido.
O quanto isso marcou para vocês?
Penso sobre isso agora. Olho para trás em mim mesmo e só depois, quando me tornei pai, que entendi o outro lado disso. Em segundo lugar, é uma loucura. Nós simplesmente assumimos que tudo daria certo. Nossa ideia era: sim, vamos para Los Angeles para pegar nosso dinheiro e nossos discos de platina. Vamos nos ver mais tarde. Éramos tão burros. E quando chegamos lá, foi muito diferente… Não sabíamos de nada. Éramos caipiras, mas a cena era muito diferente do que pensávamos que seria.
Quando chegamos lá, fomos para a Sunset Strip. Na primeira noite que estávamos lá, fomos lá e ainda eram todas as bandas – e não estou criticando nenhuma dessas bandas – mas elas se pareciam com o Poison ou era toda a cena do heavy metal dos anos 1980 que estava acontecendo, o que gosto de algumas dessas músicas e de alguns desses grupos.
Eu era um grande fã do Guns N’ Roses na época. Mas as ruas estavam lotadas de caras que pareciam que estavam prestes a subir ao palco. E cada um deles te dava um panfleto para um show que eles iriam fazer no domingo à tarde e eles tinham que pagar para fazer. Era tipo, o que estamos fazendo aqui? Então, nós fomos imediatamente para outro lugar. Estávamos lá e ficamos perdidos por um tempo.
Brad aprendeu a construir casas. Ele podia construir uma casa do zero. E ele tinha muita habilidade nesse tipo de coisa. Já eu, não. Eu operava um martelo pneumático e quebrava calçadas e coisas assim por um tempo. E eu disse: “Não vou ficar aqui no sol quente, suando assim“. E fui arranjar um emprego na Melrose, em uma papelaria com ar-condicionado.
Mas Brad enfrentou o calor e construiu muitas casas que ainda estão em Los Angeles. Mas começamos a gravar músicas e fazer demos de coisas. E uma delas foi No Rain, que ele escreveu lá, no primeiro ano em que estávamos em Los Angeles.
E ele ia para a Venice Beach e tocava essa música com a namorada. Eles estavam tocando, tipo, uma música de Joni Mitchell, e introduzia No Rain. E eles faziam isso o tempo todo. Eles se saíam bem. Então entrei em uma banda, mas isso acabou não durando. Mas o baterista desse grupo e eu conseguimos o Brad, e então conhecemos o Shannon, depois conseguimos o Christopher. Depois demitimos o baterista e conseguimos o Glenn. Essa é basicamente a sequência de eventos. Mas o Glenn estava de volta em Mississippi, então tive que ligar para ele para dirigir até lá também.
Como conheceram o Shannon? O que mais chamou a atenção nele na época?
Ele havia chegado a Los Angeles há cerca de uma semana e já era famoso em Hollywood. Ele chegou à cidade e, nessa altura, já tínhamos conhecido algumas pessoas em Hollywood e estávamos pensando: “Ei, estamos procurando alguém para cantar conosco ou tocar um instrumento ou qualquer coisa assim. Estamos montando uma banda“.
Tínhamos amigos e, portanto, as pessoas estavam nos falando sobre outras pessoas. Essa mulher que trabalhava para Ahmed Erdogan, da Atlantic Records, encontrou Shannon através do Axl Rose, porque Shannon estava hospedado com o Axl quando chegou lá.
Ele fugiu da lei em Indiana, quer dizer, realmente precisou sair de Indiana imediatamente. Axl foi para a mesma escola que a irmã de Shannon. Eles se formaram juntos no mesmo lugar. Então, ela ligou para o Axl, quando eles já faziam sucesso, e Shannon foi para lá, já conhecia Axl um pouco.
Axl e Shannon saiam juntos por Los Angeles, e eu ouvia falar dele, essa mulher nos apresentou. Na época, eu dormia no sofá do apartamento do Brad, onde ele morava com a sua namorada, tinham dois sofás.
Shannon veio para o nosso ensaio, sentou no chão com o violão e tocou Change, exatamente como está no disco. Eu já tinha ouvido ele cantar nesse ponto, mas fiquei impressionado, esse cara era um superstar. Nunca tinha ouvido uma voz assim, era quase como a voz de uma menina, de um jeito bom, meio Janis Joplin, Rod Stewart, era lindo. Estávamos todos admirados por isso, era isso, estávamos em uma banda.
Nessa noite, Shannon e eu, ficamos muito bêbados. Fomos em um bar, animados, tínhamos tocados nossas músicas, ouvido algumas coisas, estávamos muito animados pra fazer acontecer. Saímos, começamos a beber, Shannon tinha uma grande personalidade, sempre que ele entrava em um lugar, todos sabiam que ele estava lá. E ele conhecia todo mundo no lugar até a hora de ir embora.
Estávamos bebendo, eu estava no sofá grande e ele no pequeno, muito bêbados, ele disse algo que não lembro o que era, mas era algo estúpido, e ri muito dele. Mas ele estava falando sério, antes de eu perceber, ele já estava na minha cara, com as veias saltando, parecia que ia me matar. Essa foi a única vez que eu vi ele ficar desse jeito sem bater em ninguém, ele era bom nisso.
Ele tinha faixas de artes marciais, fazia wrestling, era um ótimo atleta. Não sabia disso, continuei rindo dele, mas por algum motivo ele não me bateu, graças a Deus.
Essa foi a primeira noite, depois começamos a escrever músicas, fomos morar juntos em Hollywood. Tinham umas nove ou dez gravadoras nos oferecendo contrato, isso não acontece mais, pelo que sei.
O Blind Melon teve um crescimento meteórico após o lançamento do primeiro álbum. Como foi para você viver esse auge tão novo?
Como é de se esperar, quando você entrega a chave do carro para um bando de jovens com 20 e pouco anos, eles vão bater. Foi isso que aconteceu, repetidamente. Mas nós nos importávamos com a música, todos da banda eram músicos de verdade. Do tipo que passa tempo pensando e ouvindo.
As drogas apareceram no caminho, e nos levaram para outros lugares. Mas estávamos apenas vivendo as coisas que aconteceram na época.
Soup, o segundo álbum, já é mais sombrio nas letras. Você acredita que isso atrapalhou o sucesso comercial dele?
Não sei. Vou dizer o que pensamos na época que fizemos esse disco, estávamos tão iludidos. Pensamos ter feito uma obra prima, e acreditávamos muito nisso, e que as pessoas reagiriam assim. E era tão diferente do que tínhamos feito antes.
Éramos uma banda que deveria ser uma banda de disco de ouro, não uma de 4x platina nos EUA, baseado no que tocamos, seria mais esperado. Mas ficamos tão grande, tão rápido, que ficamos meio perdidos por um tempo.
Fomos fazer esse disco em New Orleans, basicamente a ante-sala do inferno, mas amei. Tivemos um período ótimo em New Orleans, inspirador, dá pra sentir no ar. Esse disco é obscuro, em todo sentido, pois refletiu isso, o que aconteceu no estúdio, eu nem acredito.
Eu acordei um dia com essa tatuagem, e nem sei o que é, é como um chuveiro, tem um cara parecido comigo, não tenho ideia do que seja. Acordei um dia e estava lá. Você deve se sentir confortável com suas decisões para se sentir ok com isso.
Como foi seguir sem Shannon?
Tentamos fazer algo, um disco póstumo, em 1996. Mas nenhum de nós estava pronto para fazer isso. Mesmo quando fizemos as coisas, em 2007, não notei, até muito tempo depois, que ainda não estava pronto para isso.
Mas vocês seguiram sonhando com esse retorno, certo?
Esse era o pensamento, por pelo menos 10 anos. E nunca pensamos que conseguiríamos substituir Shannon. Meu pensamento era achar alguém, pois tocávamos bem juntos, compunhamos bem, e podíamos mudar o nome, tocando ou não as músicas antigas. Só queria fazer algo diferente, que acabamos não fazendo.
Alguém nos apresentou o Travis que está cantando conosco desde 2006. Ele é ótimo, ama o trabalho de Shannon, é mais novo do que nós. Ele tinha um projeto rolando, e eu disse para Christopher e Brad, que conheceram ele em Los Angeles: “eu vou conhecer ele e ver como soa”. Pois, primeiramente, teria que soar bem com as músicas antigas, ou não teria sentido.
Fui lá, ficamos em uma sala por 40 minutos, tocamos músicas antigas, e soou muito bem, Travis mandou bem. Então vi que tínhamos encontrado alguém, que soava real, sentia as músicas.
Começamos a compor, pois não iria querer fazer isso se não fosse para lançar álbuns. Foi assim que começamos, Travis é um compositor muito prolífero.
Recentemente, seu amigo Brad também deixou o Blind Melon. O que aconteceu?
Para mim, pessoalmente, é tudo o que direi, pois é de partir o coração para mim, não quero falar muito disso, para ser honesto.
Apesar de toda a dor, Nathan Towne (baixista) fez um álbum comigo, isso funcionou. São músicos diferentes, com dons diferentes, abordagens diferentes, mas são todos válidos.
Qual é o atual status do Blind Melon?
Nós gravamos e escrevemos um disco. Eu tinha uma passagem de avião para Joshua Tree, em março de 2020, mas a pandemia veio. Nós conseguimos finalizar algumas músicas, lançamos algumas, mas vamos finalizar outras para lançar algo completo.
Estou fazendo esse grupo com Nathan, vamos fazer o que o Blind Melon fizer. E falo como se o Blind Melon fosse uma pessoa, pois não é nenhum de nós que toma as decisões, é parte do problema. Geralmente as decisões são tomadas a partir de algo que um de nós não fará, e estamos nesse jogo no momento.
Acho que algumas pessoas preferem não fazer isso nessa idade, enquanto outras apenas não ligam. Nem sei quantos anos tenho. Provavelmente me verá por aí com Nathan antes de me ver com o Blind Melon.
Você já veio ao Brasil? E o Blind Melon teve alguma chance de vir?
Fui ao Brasil, para o Rio, com minha esposa. Andei por toda Copacabana, amo as churrascarias. Tivemos ótimas refeições, e ela estava trabalhando, eu estava por mim mesmo, andando de bicicleta pela praia, visitando o Cristo Redentor.
Lembro de quando estava voando para São Paulo, Deus deu um soco na ponta do avião e pousamos na pista de forma abrupta, as pessoas estavam pulando das cadeiras. Acontece, mas é uma lembrança forte.
Voltaria em um segundo, gostei demais. Acho que tivemos um show marcado no Brasil, mas por alguma razão foi cancelado, não por minha culpa. Mas amei, as pessoas mais bonitas do mundo. Honestamente, você anda pelas ruas e todo mundo é bonito. Sinto que sou tão branco que reflito o sol.