Destaque da nova cena do afrojazz cubano, a cantora e compositora Daymé Arocena, de 30 anos, abraçou de vez o Brasil em seu último single, Dançar e Voar. A faixa, um samba, foi inteiramente composto em português. Aliás, recebeu a produção do carioca Kassin.
Produzida entre Porto Rico e Rio de Janeiro, a composição de Arocena ganhou o conhecimento de Kassin, que mergulhou em uma balada samba inspirada em artistas como Djavan, Luedji Luna, Ed Motta e Gal Costa.
A banda é formada por Kassin no baixo junto de grandes músicos: Danilo Andrade (teclados), Davi Moraes (guitarra), Alexandre Siqueira (percussão) e Daniel Conceição (bateria).
Em entrevista ao Blog n’ Roll, Daymé Arocena falou sobre Dançar e Voar, música brasileira e o que a levou para Porto Rico. Confira abaixo.
Impossível não iniciarmos essa conversa sem falarmos sobre Dançar e Voar. A canção é inteiramente em português. Como surgiu esse interesse pelo samba e o idioma?
Não era minha intenção escrever essa música em português. Para mim, a linguagem é apenas o canal, o jeito que conecto a minha música, meu mundo. É um jeito de me expressar, mas o mais importante é a música. Eu tinha a melodia, a música, a harmonia, a vibe, o ritmo, e soava como um samba para mim, e aí então decidi fazê-la em português.
Só agradeço ao Google Tradutor, pois sempre me ajuda com as línguas que não sou fluente. É uma ferramenta muito boa de se ter, pois agora tudo que eu imaginar posso colocar no tradutor. Aliás, do espanhol para o português, geralmente é muito simples. Apenas faço a letra em espanhol e depois ponho no tradutor, e me ajuda a dar forma a ela.
Você sempre ouviu música brasileira? Quais artistas você mais admira no Brasil?
Muito. Gosto de muitos compositores e cantores, como Djavan, Ed Motta, Jair Oliveira, Antônia Carlos Jobim e Arlindo Cruz. Também amo cantoras, como Gal Costa, Elis Regina, Maria Rita, claro, Bebel Gilberto.
Para mim são como dois mundos, a composição é muito importante, mas a interpretação é o principal objetivo. O Brasil tem ótimos compositores e intérpretes.
Quando era mais nova gostava de escutar uma banda chamada Zuco 103 (grupo holandês com vocalista brasileira). Marcos Vale também, pude conhecê-lo pessoalmente, em um festival em Montenegro.
Como foi trabalhar com Kassin? O que ele trouxe de bom e inovador para o seu trabalho?
Ele é um doce de pessoa. Acho que já tínhamos nos conhecido pessoalmente há alguns anos, mas toda a comunicação foi feita por chamadas de vídeo no Zoom, devido a pandemia. Não tivemos a possibilidade de estar juntos, sentar para trocar ideias na mesma sala fisicamente. Mas, honestamente, a comunicação entre nós foi muito boa, me senti muito conectada com ele desde o começo. Ele entendeu meu mundo, meu jeito, minha missão com a música, e trabalhar com ele foi muito fácil.
Atualmente você mora em Porto Rico. Qual foi o motivo dessa escolha? Tem algo a ver com a sua produção?
Primeiramente, deixei Cuba em 2019. Foi uma decisão muito difícil, mas foi devido a situação política, uma ditadura que vem oprimindo nosso país há mais de 60 anos. Ficou muito difícil para artistas tornarem seus sonhos realidade. Também enfrentei alguns problemas com o Ministro da Cultura, pois não mantenho minha boca fechada, digo o que penso, o jeito que penso.
Meu marido e eu decidimos sair e fomos para o Canadá, que é um lugar muito diferente, uma cultura diferente. Toronto tem uma grande comunidade brasileira. Honestamente, era a melhor parte de morar em Toronto. A comunidade brasileira, as padarias, amava comer sonhos. Era um grande abraço acolhedor para mim. Moramos na região portuguesa, mas todos são brasileiros, chamam de Little Portugal, eu amo Little Portugal.
No entanto, houve um momento que o Canadá era muito frio, especialmente para uma mulher caribenha como eu. Gosto de pessoas sorrindo, dançando, gosto de sair, odiava os casacos, o clima frio, tudo isso não era para mim.
Mas não planejei sair do Canadá, fui convidada a fazer uma colaboração com um produtor musical de Porto Rico muito bom e respeitado, Eduardo Cabra, conhecido como Visitante do Calle 13.
Calle 13?
Calle 13 foi um fenômeno musical muito forte, misturando hip-hop com ritmos latinos. Eles eram um duo. Residente que é o René, o rapper, que movia o público, e o outro cara era o Eduardo Cabra, o cérebro musical por trás.
Tem uma música muito influente para os latinos, que teve colaboração com a Maria Rita. Então, o Calle 13, fez muito barulho, foi muito grande, mas em certo ponto decidiram fazer cada um seu próprio projeto.
O Eduardo continuou focado na produção. Vem fazendo história por sua produção e o jeito que enxerga a nossa música regional. Ele tem 28 Grammys, é um gênio. Trabalhando com ele e vendo sua paixão, vejo que é por isso que tem tantos Grammys. A mente dele é explosiva.
Você percebe conexões entre Porto Rico e Cuba?
Sou muito mandona com minha música, pois sou compositora, mas vejo que com ele (Eduardo) minhas músicas estão sempre em boas mãos. Então vim para Porto Rico para trabalhar com Eduardo Cabra. Mas desde o primeiro dia, quando coloquei meus pés em Porto Rico, me senti de volta a Cuba.
Tive flashbacks de como se estivesse voltando para casa, um sentimento forte, liguei para meu marido e falei para mudarmos para Porto Rico, pois não iria voltar para o Canadá, é melhor vir para cá. E isso foi em novembro, então faz basicamente um ano que mudamos para cá.
É difícil achar um lar quando se parte da sua terra natal. É um processo pesado, não vejo minha família há quatro anos. Difícil, mas fica mais fácil quando se encontra um lugar que se parece com a nossa terra, onde se sente uma conexão, para mim é muito importante.
Está nos planos fazer shows no Brasil para divulgar seu trabalho? Temos vários festivais relevantes de jazz. Seria uma ótima forma de chegar ao grande público.
Honestamente, eu iria para o Brasil amanhã se fosse necessário. Amo o Brasil, acho que deu para perceber por todos os músicos brasileiros que listei. Sou fascinada pelo Brasil, costumava escutar o Djavan Ao Vivo todo dia, no meu caminho para o trabalho, quando era professora. Espero poder ir em breve.
Estou tentando expandir meu álbum mais um pouco dentro dos circuitos de jazz, pois há um fenômeno no jazz que é muito triste. O jazz veio das ruas, do subúrbio, do povo, mas houve um momento em que o jazz se tornou elitista, muito sofisticado, muitas pessoas não se conectam mais com o jazz, não ouvem, não seguem os artistas.
Um dos meus maiores objetivos é trazer o jazz de volta às grandes massas. Gostaria que consumissem jazz como antigamente, pois o jeito que nós cubanos no conectamos para criar o jazz latino, foi pelo ritmo, fazendo as pessoas dançando. Colocamos a rumba no jazz para criar o jazz latino, com Chano Pozo, Mongo Santamaría, esses grandes mestres da música. Eles trabalhavam fazendo as pessoas dançarem nas ruas, não estavam fechados em clubes de jazz.
Quero fazer o jazz popular novamente, fácil para as pessoas se conectarem e por isso vim para Porto Rico trabalhar com Eduardo. Acredito que alguém com a mente aberta para fazer minhas músicas, mais comerciais, mais populares, mais fáceis de se relacionar, e espero que na próxima vez que for ao Brasil, possa tocar em muitos lugares: na Parada Gay ou qualquer coisa. Estarei mais do que feliz em tocar para as pessoas nas ruas, mais do que em festivais de jazz.
É claro que se o festival pensar em mim, ficarei feliz, mas prefiro mais que seja um festival na rua do que em um lugar sério com todos sentados. Quero tocar para as pessoas de pé, dançando.