O rapper paulistano Jhou Bastos lançou o terceiro álbum, Modo Avião, Vol. 1, sucessor de Novos Ares (2020) e Visões Periféricas (2018). Composto por dez canções, o trabalho mostra a força do verso livre de Jhou Bastos. Canções como Separe Hobby de Trabalho Sério e Peixez Azul são bons exemplos.
Alguns Tons já vai em outra direção, trazendo uma batida mais leve, uma letra mais sensual e um refrão chiclete: “Vivendo a vida em alto e bom som, não sou Jobim, mas busco alguns tons“, canta Jhou Bastos.
Além da carreira solo, Jhou Bastos tocou em uma banda de hardcore chamada Shark Attack, que encerrou as atividades em 2018. Paralelamente, ele também gravou feats com outros artistas, como o The Bombers, com quem lançou a faixa ¿Qué Pasa?, junto com Jay Bone, no álbum Embracing the Sun (2017).
Em conversa com o Blog n’ Roll, Jhou Bastos falou sobre a falta de apoio aos artistas independentes, transição entre o rap e o hardcore, além das batalhas de rimas. Confira abaixo.
Em Separe Hobby de Trabalho Sério, você fala sobre falta de alcance para quem não tem grana para impulsionar postagem. Você acredita que esse é um dos grandes problemas para o artista independente?
Sim, porque se você olhar na grande mídia hoje ou sites e colunas de rap, eles preferem dar atenção para os artistas que já estão estourados. Mas esses artistas não precisam dessa atenção, enquanto os independentes lutam pelos poucos espaços que têm porque o dinheiro que eles têm, estão pagando produção, locomoção de shows. Aliás, nem sempre esses shows são remunerados, então é uma conta que não fecha.
Se o artista independente tiver acesso a esse posicionamento digital de maneira mais coerente, mais honesta, ele vai conseguir levar o seu trabalho para mais longe, conseguindo desfrutar melhor dos resultados.
Os melhores artistas estão no cenário underground e assim que ele acessa esse cenário digital, é a virada de chave para todo artista que realmente trabalha e sonha em viver disso. Acho que faz falta ter acesso ao acesso digital.
Você acredita que falta apoio de quem está no mainstream com os artistas independentes?
Sim, mas a falta de apoio está no cenário todo: no seu vizinho, às vezes na sua esposa, esposo, amigo, então a falta de apoio está nos detalhes simples. Um artista independente ganha força quando o bairro dele anda junto com ele, quando a família dele está junto com ele, quando os amigos dele estão juntos com ele.
Com essa força, não depende de alguém que está no mainstream, porque ele pode chegar lá e fazer a diferença.
Tem alguns artistas que quando sobem no mainstream, o pessoal lembra muito porque são artistas que têm a cara do povo, que vieram de baixo e quando acessam as portas lá em cima, não esquecem de onde vieram e continuam ajudando as pessoas, etc.
Mas a conta não fecha, são muitos artistas famosos, o quádruplo de artistas independentes, essa conta não fecha mesmo que todos eles ajudassem.
Muitos artistas independentes nem cachê ganham. Eu, particularmente, já passei por situações que nem uma água eles quiseram dar, isso que estava executando um show de nível profissional já. Então, a gente se depara com muitas situações que nem as casas de show, nem os bares estão preparados para tratar o artista como ele deve ser tratado.
Nesse cenário acho que precisa de uma reeducação da parte de todo mundo: público, pessoas comuns, casas de show. Necessita uma conscientização geral para que todos entendam que sem arte, ninguém vive, ninguém funciona.
Além da sua carreira solo, você também canta em uma banda de hardcore e já gravou com outras bandas de punk rock, como o The Bombers. Como é transitar nos dois gêneros? Vê similaridade entre eles?
Transitar entre esses dois gêneros sempre foi algo que achei comum porque a minha escola, o punk hardcore, sempre foi minha escola, sempre gostei de rock’n roll, de metal, de rock indie, rock psicodélico, sempre gostei de música brasileira, hip hop em si.
O hip hop, por trás da música, carrega todo o ativismo. Sempre gostei também do reggae em si, toda cultura de música negra. Vejo muito similaridades, inclusive com o punk, reggae e o rap. Pra mim, eles sempre andaram de mãos dadas, mesmo que fossem épocas diferentes, contextos culturais diferentes.
Acho que a ideologia, o ativismo e o lance da contracultura conectam eles três assim, e a gente já viu isso com vários artistas renomados no mundo todo.
Acho que as diferenças mais palpáveis seriam na estética visual e ritmos. Você difere muito fácil uma banda que toca reggae de outra punk, apesar de ter várias bandas que surfam nesse meio termo, porque eles se conectam.
Tem bandas punk com o visual mais rasgado, agressivo, muito menos colorido. Já as bandas de reggae, às vezes, são mais leves, uma vibe um pouco diferente. Assim como o hip hop também pode transitar nesses dois universos. O hip hop tem aquela parte mais obscura, mais agressiva, com menos cores, assim como aquele visual mais legalize, mais amor, vibrações mais positivas. As diferenças existem, mas elas coexistem em uma perfeita harmonia, musicalmente falando.
Você manda muito bem no verso livre. Quais são suas principais influências? É tudo vivência ou também tem escritores e pensadores que te inspiram na hora de compor?
Muito obrigado pelo elogio. Aliás, minhas principais influências, quando estou fazendo o freestyle, são as coisas que estou vivendo no momento mesmo, as pessoas que tô vendo, as cores que tô vendo, o sentimento que estou sentindo, o que acontece no ambiente, o que está acontecendo ao meu redor.
Você é do Itaim Paulista, certo? Como é o cenário na região? Tem bandas, rappers, MCs? O que predomina?
Sou nascido e crescido na Vila Santa Inês, no Ermelino Matarazzo, Zona Leste. Moro no Itaim Paulista há mais de 13 anos e posso dizer com propriedade que o cenário daqui é fantástico.
Acho que não há um lugar que fabrique mais pessoas do que aqui. Temos ótimos pixadores, ótimos grafiteiros, artistas visuais, artistas plásticos, ativistas, articuladores culturais, pensadores, filósofos, professores, skatistas, jogadores de basquete, boleiros, atletas, escritores, poetas, muitos MCs, muitos MCs de versos livres, rappers, muito produtores, engenheiros musicais também.
O que não tem muito no Itaim são estruturas sólidas, que geram lucro para que as pessoas possam trabalhar nessa área. Ou seja, você tem muitas pessoas que trabalham e atuam na área, que tão começando, só que falta espaços profissionais para que essas pessoas possam se especializar, articular melhor, se direcionar artisticamente ou na sua carreira.
O Itaim Paulista é um lugar onde as pessoas são muito autodidatas, por ter essa falta de espaço e de estrutura, as pessoas criam seus próprios eventos, espaços e jogos. É feito de pessoas muito proativas, isso não é de agora, isso vem desde os anos 1990, 1980, é um ponto específico aqui do Itaim Paulista, assim como em outros bairros dos arredores, como São Miguel, Ermelino, Itaquera.
E as batalhas de rimas? É algo que te chama a atenção? Você participa ou já participou? Acredita que existem muitos talentos nas batalhas esperando por uma chance?
Acredito que as batalhas de rima são o lugar mais democrático para qualquer pessoa chegar e mostrar o que sabe fazer, não tem como esconder. Na batalha de rima, você sabe fazer ao vivo ou não, é bem democrático quanto a isso.
Algumas batalhas da Zona Leste vêm ganhando muita expressão em nível nacional, como a Batalha Ocupa, Batalha da Leste, Batalha da Arte, Batalha da Teles. Tem formado MCs que estão rodando São Paulo todo, alguns já saíram de São Paulo, acredito que esse papel é fundamental nas batalhas: a democratização de espaços e mostrar novos talentos.
Não batalho mais, batalhei de 2015 até o final de 2017, já tive alguns títulos, fui para a Batalha do Tanque, no Rio de Janeiro. Fui como um dos melhores da Zona Leste e fiquei nas quartas de final na Batalha do Tanque, a mais famosa do Brasil na época.
Foi uma experiência ótima pra mim, a primeira vez que saí de São Paulo por causa da música. Fui num ônibus com diversos outros músicos e foi uma experiência que vou levar pra vida, muito boa.
Acredito que batalhar no passado me deu bagagem para ser quem sou hoje. A batalha é muito importante para todo mundo no movimento hip hop.
Consegue listar três álbuns que foram fundamentais para a tua formação como músico? Por que?
O Charlie Brown Jr foi a banda que me fez ouvir rock pela primeira vez. Não gostava de rock quando criança, gostava de outros estilos musicais, mas não gostava de rock.
O Charlie Brown Jr foi o que veio para mudar minha mente, me trouxe para o punk, hardcore, rock n’ roll, skate, pra toda aquela mistura de coisas e contextos e ideias. Foi uma das bandas que me puxou pra esse movimento, então todos os discos estão valendo.
O Sem Cortesia, do Síntese, é um disco que conversou comigo e com o meu espírito, tinha ideias de RAP diferentes do que tinha no cenário. Não me identificava e quando vi o Síntese – Sem Cortesia foi como se tivesse conversado comigo diretamente. É algo muito pessoal pra mim, um álbum que se você for pegar esteticamente falando, não é atrativo para o público do mainstream. É um álbum pra quem gosta de rap e quem gosta de desse tipo de ideia de espiritualidade, filosofia, esse tipo de assunto.
O Castelos e Ruínas, do BK’, foi um disco que mudou a minha percepção de rimas. É um disco perfeito, sou viciado nesse disco, ouço muito ainda e a versatilidade com que ele chega nas rimas, a pluralidade das palavras, a dualidade, as figuras de linguagem, o estilo de rima, o estilo de produção do Jonas, os feats. É um álbum que que pra mim bateu 10/10 e até hoje bate 10/10. Dessas três referências, é o artista que mais escuto, acho que é uma das minhas maiores referências musicais.