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Crédito: Leo Aversa

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Entrevista | Martinho da Vila – “Sempre fui muito livre nas gravadoras”

Aos 80 anos, o sambista carioca Martinho da Vila demonstra um fôlego capaz de dar inveja em qualquer artista na faixa etária entre 20 e 30 anos. Prova disso foi dada na última sexta-feira, quando ele lançou o seu segundo disco no ano, Bandeira da Fé (Sony Music).

Você consegue listar alguém que alcançou essa proeza no Brasil, nos últimos 20 anos? Se isso não bastasse, ele ainda segue ativo com a sua carreira como escritor e militante na política. E o melhor de tudo: não parou com nenhum dos seus hábitos.

“Eu sempre fui muito livre nas gravadoras, não tinha obrigação de lançar discos, essas coisas. Gravava um disco e pensava em dar um tempo, descansar, mas surgia uma ideia, ia para o estúdio e gravava outro”, comentou o músico, que concedeu entrevista para A Tribuna via telefone.

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Bandeira da Fé é o seu 48o álbum oficial em 50 anos de carreira. Alguns jornais chegaram a cravar que é a aposentadoria do sambista, mas ele rechaça essa possibilidade.

“Falei isso no anterior (Alô, Vila Isabeeel!), mas lancei outro agora. A única coisa que disse é que esse pode ser o último disco, mas vou continuar gravando e lançando minhas músicas. Gravo uma ou duas, lanço na web, nas redes sociais. Mas se aparecer uma ideia redonda, aí será no LP”.

A ideia redonda a qual Martinho se refere é bem nítida no novo trabalho. Em 12 faixas, ele exalta a negritude, samba, Carnaval e a mulher. Questionado se as discussões atuais, principalmente durante o período eleitoral, pesaram nas composi
ções, declarou que não.

“Engraçado, comecei a fazer esse disco e não pensei nessas coisas. Estava apenas querendo falar sobre as coisas de que gosto, mas ficou bem atual”.

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Quem acompanha a trajetória de Martinho sabe que uma das características de suas obras são as participações especiais, quase sempre surpreendentes. Em Bandeira da Fé, além de três dos seus oito filhos (Mart’nália, Tunico Ferreira e Juju Ferreirah), o sambista recebe Rappin’Hood e a jornalista Glória Maria, da Rede Glo-
bo, na faixa Ser Mulher.

“A música com o Rappin’ Hood (O Sonho Continua), nós tínhamos feito para o disco dele, mas ele demorou, não gravou, aí falei que ia gravar. Ele pediu para atualizarmos e depois gravamos juntos”,diz. “Para falar da mulher tinha que ser alguém para falar de tudo. A Glória representa isso”.

Ser Mulher, por sinal, parece até um pedido de desculpa para o único arrependimento de Martinho em sua carreira. Ao questionar se ele voltaria atrás de alguma parceria, letra ou mesmo disco, a resposta dele evidenciou isso.

“Tem uma música que se chama Você Não Passa de Uma Mulher (do disco Maravilha de Cenário, de 1975). Eu trocaria o trecho não passa. A ideia que eu queria passar é que ela poderia fazer as coisas, mas não poderia esquecer que era uma mulher. Mas esse “não passa” é muito agressivo, não quero isso. E não é uma questão de sofrer críticas, é minha consciência mesmo. Naquela época não pensei nisso, mas hoje jamais colocaria esse nome”.

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Humilde, Martinho não gosta de falar sobre o seu legado ou avaliar os seus trabalhos. Ele segue a linha de tirar as ideias do papel e gravar. “Isso é coisa para jornalista. Quero apenas fazer o meu trabalho”, comentou, aos risos.

Mas quando o assunto é novos representantes do samba, ele não titubeia, indica os mais promissores e mostra o que pode ser melhorado.

“O Diogo Nogueira é um cara muito bom, está avançando na carreira. Ele começou fazendo as coisas do pai, até igual, mas está ganhando personalidade. Ainda tem muito a crescer. Gosto bastante de uma turma nova também, como o Moyseis Marques, Mart’nália e Ana Costa”.

Martinho, que não foge de nenhuma pergunta e nunca coloca condições para uma entrevista (algo raro em artistas consagrados), garante que segue com a mesma vida de anos atrás. Bebe um bom vinho socialmente, fuma o seu cigarro e não tem restrição médica alguma. Prova dessa disposição ele deu até o ano passado, quando concluiu o terceiro ano de Relações Internacionais na faculdade.

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“Desde o início, minha ideia era adquirir conhecimento apenas. O quarto ano é para os jovens que querem ser diplomatas, mas esse não era o meu caso. Alcancei os meus objetivos”.

Perguntado o que a experiência na faculdade poderia ajudar no combate à intolerância no mundo, respondeu na lata: “Diplomacia! A única coisa que pode nos salvar de uma terceira Guerra Mundial é a diplomacia. Um Trump da vida quer explodir as coisas, vem a diplomacia e fala que não é bem assim que funciona, mostra o outro caminho, da pacificação”.

Martinho na literatura

Quando o assunto é literatura, Martinho também não deixa a desejar em produção. São 14 obras até o momento, sendo a última, Conversas Cariocas, lançada no ano passado. E não vai parar por aí.

“Estou escrevendo um livro de crônicas. O Conversas Cariocas é uma coletânea de textos que escrevia para o jornal O Dia (Riode Janeiro). Agora fiz uma coisa diferente. Como estou com 80 anos, decidi escrever sobre as coisas dessa minha idade. Sai no ano que vem”,adianta.

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E essa disposição no mercado editorial não está relacionada à campanha de garantir uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), como já foi divulgado.

“Eu não tenho essa ambição. O pessoal do movimento negro acha importante estarmos presentes em todos os lugares, mas não tenho esse sonho. Se rolar, legal, mas não vou pensar nisso. Ainda nem me inscrevi para a vaga que foi aberta agora”.

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