Escrever certo em linhas tortas é a especialidade do artista Lucas Scandura. Retornando a nostalgia dos compactos dos anos 1950 a 1970, o cantor lançou recentemente o single Eu Não Sou de Perdão, um tango criado e gravado em parceria com o quarteto instrumental Escualo Ensemble e que vem acompanhado da poesia Sinfonia de Silêncio.
A obra faz parte do projeto de compactortos do artista, relembrando o Lado A e B dos discos antigos, aqueles que fizeram a infância e adolescência de muita gente. Com uma linguagem totalmente autoral, o artista trouxe a própria assinatura neste projeto, na tentativa de mostrar a identidade de um cantor-autor pra lá de excêntrico. Por ter vindo do cinema, e não da música, ele entrega um trabalho performático e cheio de novos conceitos.
“Usei esse subtítulo cantautorto tentando dar uma ideia do que sou. Um cantautor, e como vários que existem na música brasileira, é o cara que escreve, compõe e canta, mas que não é necessariamente um instrumentista ou um super cantor”, explica.
Durante o processo de criação das faixas recheadas de letras e mensagens ecléticas, o artista teve a ideia de lançar algo novo, e que mesmo relembrando os discos antigos, não tivesse exatamente a mesma proposta. Misturando canção e poesia, nasceram os chamados compactortos e que já prometem um total de seis lançamentos em 2021.
“A diferença é que nos antigos compactos o lado A era uma música que o artista trabalhava comercialmente e o lado B era alguma coisa mais alternativa. No meu caso não tem essa distinção, as duas faixas conversam entre si”, diz.
Projeto audiovisual
O videoclipe do novo single foi feito no Espaço Itaú de Cinema da Rua Augusta, em São Paulo. A icônica sala de cinema serviu de ambiente para que o cineasta brincasse com a linguagem já presente na letra da faixa e o arranjo extremamente dramático criado pelo Daniel Grajew.
“As pessoas estão consumindo muito isso atualmente, é difícil pensar em uma música sem audiovisual. Mas além do mercado, eu sou um cineasta de formação, então para mim é muito natural. Quando decidi de fato mergulhar na música, englobei tudo isso: música, poesia, canção, performance, e é claro, audiovisual”.
Apesar de já querer realizar as filmagens dentro de um cinema vazio, a pandemia acabou facilitando o processo, já que o local estava de portas fechadas há quase um ano. Assim, com uma equipe reduzida, o conteúdo foi produzido e dirigido com enfoque no cantor.
“Quando fui fazer o clipe de Eu Não Sou de Perdão já estávamos em pandemia. Eu trabalho com um coletivo de amigos, e tivemos a ideia dos dois clipes que foram lançados, serem trabalhados somente comigo. O primeiro videoclipe fizemos em outro espaço, sem ninguém, só eu e o cinegrafista, mas são propostas diferentes, o que é muito interessante”, conta.
Com as faixas conceituais que conversam entre si e a formação clássica com instrumentos como piano, acordeon, violino, baixo acústico e vibrafone, Lucas Scandura percebeu que o videoclipe tinha que ser feito em tons mais sóbrios, para mostrar tamanho o peso de outra época e até mesmo da astrologia acerca da letra da faixa.
“É como se eu estivesse assistindo um filme sobre a minha vida, algo que já aconteceu, mesclando passado e presente. Eu costumo dizer que essa faixa é muito escorpiana e rancorosa, por isso achamos que o preto e branco combinava”, brinca.
Parceria que resultou em um tango
Apesar de a faixa ter chegado ao público apenas no início desse mês, a canção já está sendo trabalhada desde 2016 pelo artista. Lucas Scandura estava fazendo uma produção como cineasta para o quarteto parceiro e acabou fazendo uma troca. Aliás, resultou no projeto em conjunto, exatamente da maneira que ele desejava.
Em suma, o perfeccionismo do cantor foi para encontrar a melhor maneira de trabalhar com o vocal e em como a mensagem seria entregue para o público no final. Quando finalmente o resultado atingiu o esperado, em um mix de canção e poesia, a emoção bateu forte.
“Para mim foi uma felicidade tremenda, por que me considero ainda estreante na música e o Escualo Ensemble tem músicos de auto calibre, três deles participam da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, uma das maiores do Brasil. Me senti honrado em ver minha canção se transformar em tudo aquilo”.
Poesia, arte e música
Outra parte do projeto que conta com parcerias é o lado B. Para o cantor, apenas música não bastava, ele queria mesmo era declamar poesias para os fãs. Contudo, de maneira contemporânea e demonstrando quem é como artista: uma metamorfose de ideias e sentimentos abstratos.
“Eu queria que a poesia viesse como uma faixa, para que as pessoas escutassem da mesma maneira que as canções. Que aquilo soasse agradável e interessante, como uma canção, mas com uma cara toda própria”.
Ali, ele chamou alguns parceiros para compor arranjos diferentes e colocar em prática a ideia das poesias gravadas. Em Sinfonia de Silêncio, por exemplo, a convidada foi a produtora musical Gylez Batista, que com um arranjo único deu uma nova cara para o projeto, de maneira que a poesia conversasse com a canção já feita no lado A do trabalho.
No meio do lançamento, Lucas Scandura confessa que até encontrou outros artistas que estavam fazendo algo parecido com o projeto de sua autoria, mas cada um de maneira diferente e particular. Ele relembra do Grupo Tertúlia, de Pernambuco, que sempre fomentou poemas durante as apresentações musicais, ou mesmo da colega poetisa Luna Vitrolira, que recentemente lançou um álbum com um conceito parecido. Porém, cada um com experimentações e resultados diferentes.
“Eu não encontrei nenhum projeto até agora que esteja trabalhando com a poesia dessa maneira que estou propondo. Muito provavelmente exista em algum lugar do mundo, é claro, mas eu ainda não encontrei”, revela.
Sem ao vivo
E que a pandemia está sendo um período de adaptação para muitos artistas, isso é inegável. Para Lucas Scandura, não poderia ser diferente. Com o início da quarentena, a programação da turnê foi por água abaixo, assim como os shows que já estavam agendados em São Paulo.
Por isso, ele teve que mudar o foco, investindo no término da produção e finalizando outros projetos fora da música. A verdade é que o artista não se identificou com as propostas das lives nas redes sociais, mesmo que no começo tenha feito uma “forcinha” para se adaptar ao novo estilo de divulgação. Porém, só quem é artista independente sabe o quanto é difícil competir com os grandes nomes da música popular brasileira.
“Eu acho que quem se prejudicou muito foram os pequenos artistas que estavam buscando essas lives e recursos para pagar as contas. Muito rapidamente os artistas grandes, que não necessariamente precisavam daquilo, vieram com muita força e mais estrutura. Isso acabou ofuscando os pequenos”, revela.
O grande problema, segundo o artista, é não ter um retorno do público, afinal, oferecer o trabalho tão árduo sem uma devolutiva é como não entender de fato o que o público espera. Sem esse fator principal e a falta de marketing, ele decidiu que não investiria nesse segmento de divulgação, mas que ainda assim, é um período de extrema reflexão.
“É um momento de entender qual produto vira de fato. Como a gente se reinventa? Acho que temos esse desafio. É mais um momento de se refazer, se não bastassem as dificuldades que já passamos como artistas no Brasil, tivemos que potencializar isso”.
Contato com o público
Mas sem desespero. Mesmo sem as lives o artista está sempre nas redes sociais conversando com o público. Além do lado musical, os fãs também podem acompanhar Lucas no projeto paralelo como cineasta em Será Uma Série?, onde cria crônicas audiovisuais experimentais interpretadas pela atriz Isabela Villaça. E é claro, a intenção é que os compactortos não parem, e ainda neste ano, ele consiga lançar mais quatro.
“Eles são bem diferentes entre eles, a poesia e a canção sempre conversam, mas cada um com sua identidade. Quero muito trabalhar com isso e que o público conheça. Essa é a minha primeira grande meta pra esse ano com esse projeto”, finaliza.