Recentemente, a banda de pós-punk canadense Preoccupations lançou o quarto álbum de estúdio, Arrangements. O Blog n’ Roll conversou com o vocalista, Matthew Flegel, sobre a produção do disco, pandemia, política e possibilidade de vir ao Brasil.
Qual foi o impacto da pandemia na gravação desse álbum?
Definitivamente foi um balde de água fria. Nós gravamos a maioria do álbum no final de 2019, então tínhamos todos os instrumentais meio que feitos já. O que foi uma sorte, pois não acho que iríamos conseguir fazer um disco gravando remotamente.
Acho que esse álbum soa como uma banda em um estúdio, não soa como algo desencaixado, e acho que não conseguiríamos fazer isso caso já não tivéssemos gravado grande parte das músicas.
Mas tínhamos ainda que voltar para nosso estúdio em Montreal e gravar todas as vozes e os overdubs, preencher todos os espaços, e a pandemia veio, então tive que finalizar tudo, basicamente, por conta própria, em um porão no Brooklyn.
E você conseguiu enxergar alguma vantagem com essa barreira?
Acho que a única vantagem é o tempo infinito, sem limite de tempo, pois, literalmente, não há nada mais para se fazer, nada acontecendo. Estava tão entediado, já tinha assistido todo programa de televisão que já existiu. Ficar hiper entediado ajuda com o foco, mas ter muito tempo às vezes é algo ruim.
Às vezes pensamos em algo além do necessário, sendo que no passado eu concluiria e não pensaria nunca mais naquilo, é o que é. Acho que há um meio termo feliz entre esses dois extremos.
Vocês consideram o TikTok um bom meio para expandir o trabalho de vocês?
Sendo breve, acho que não. Não acho que somos uma banda de mídias sociais. Estamos engajando com o público no Instagram e no Twitter um pouco, mas não fazemos algo mais incisivo nesse quesito. Tentamos começar no TikTok alguns meses atrás, mas acho que não somos pessoas do TikTok.
Acho que funciona para muitas bandas, acho ótimo para bandas novas. Mas neste ponto, pessoalmente, não falo por outros membros da banda, estou muito velho pra isso.
E pra dar um contexto a essa resposta, eu ainda aprecio equipamentos analógicos, ainda gravo em fita, ainda escuto vinil. Eu tinha Spotify, e estava assinando uma petição que dizia: foda-se o Spotify. Provavelmente deveria deletar minha conta se assinar uma petição.
Troquei para o Apple Music, e uso de vez em quando quando dirijo, é legal, é incrível ter toda música que já existiu basicamente no meu bolso. E se você quer saber algo sobre essa canção, você pode pesquisar e ver quem gravou. A quantidade de informações é insana, é demais, às vezes.
Gravar no próprio estúdio representou mais liberdade para vocês?
Foi rápido, sinceramente. Nós, no passado, passávamos vários meses tentando finalizar um disco. Não podendo fazer as coisas que queríamos por conta própria, tínhamos que contratar outro estúdio ou outro engenheiro de som. E esse foi o primeiro álbum que fizemos em nosso próprio estúdio, que basicamente construímos do nada.
Colocamos muito dinheiro, sabe, no final da turnê, nós fomos comprar um compressor legal, um microfone de US$ 5 mil, realmente investido. Então, no momento de gravação, o processo foi bem rápido, para o esqueleto dele pelo menos.
Como disse, os vocais vieram depois, mas quando estivemos juntos, aconteceu de maneira tranquila, o que é surpreendente. Mas acho que ficamos mais confortáveis com nossos equipamentos, e como tirar certos sons deles. Estamos vivendo em estúdios por quase toda nossa vida adulta, e nesse ponto já sei onde encaixar o bumbo da bateria no melhor lugar.
Você acredita que aumentou a intolerância entre as pessoas após a pandemia?
Há uma grande lista de coisas. Muitas não me afetam pessoalmente, mas você vê muitas pessoas tendo seus direitos retirados, pessoas que basicamente vivem em determinada parte da sociedade e não conseguem sair dela, e não há jeito de sair dela.
Tem vários tipos de coisas, uma pandemia global que dividiu, quer dizer, não moro nos EUA já faz cinco anos. Canadá não está tão mal nesse quesito, mas os EUA estão divididos: ou você está no extremo de um lado ou no extremo de outro.
É muito peculiar, você pensa que seria mais fácil das pessoas se conectarem devido aos problemas, mas eles acabaram separando elas mais ainda. E isso é muito sobre você só ouvir o que quer escutar. O Facebook vai ter mostrar algo desse lado e, se você gostar, vai receber apenas informações desse lado. Você não tem acesso a coisas do outro lado, pois não aparecerão na sua tela. É um desperdício pois acho que poderia ser usado para o bem, mas não funciona desse jeito.
A política acaba sendo um grande problema nesse sentido?
Li um pouco sobre a política daí, e o Brasil está muito parecido, uma extrema direita maluca com uma vibe ditatorial. Novamente, não afeta meu cotidiano, acordo de manhã e posso fazer minhas compras e comer, posso sair no final de semana, é mais sobre o que acontece com outras pessoas.
É brutal, mas tive sorte de ser um garoto branco classe média do Canadá. E é só sorte, acho, mas é insano pensar que se você nasce em determinado lugar ou determinada posição da sociedade é difícil sair de lá, e as pessoas te verem de maneira diferente é muito duro.
Arrangements é uma boa indicação para o atual momento?
Acho que esse álbum pode servir nesse momento de sentar no sofá, fumando um cigarro e tomando uma cerveja, mas também pode servir na hora dirigir em uma estrada.
Acho que tem algumas músicas de raiva, de punho cerrados, mas no geral estou feliz de alguém ouvir qualquer música e sentir algo, seja o que quiser sentir.
Não fiz para sentir nada específico, mas gosto do fato de você ter se sentido relaxado enquanto fumava um cigarro, me faz feliz.
Pretendem excursionar pelo mundo para divulgar o novo álbum?
Temos uma grande turnê em novembro na América do Norte, e acho que faremos seis semanas na Europa entre fevereiro e março. E depois estamos tentando arranjar um jeito de ir para os países ao sul dos EUA, o que espero que inclua vocês.
O Brasil pode ser contemplado com uma turnê do Preoccupations?
Nunca estive no Brasil, está na minha lista. Quero tocar, mas também quero ir como turista, comer comida, beber bebidas e todo o pacote.
Consegue listar três álbuns que influenciaram sua formação como músico?
Essa é difícil, mas dos anos 1990, pois sou uma criança dos anos 1990, vou dizer Nirvana, In Utero. Foi muito grande pra mim quando criança, e me introduziu a música punk e tal.
Um do final dos anos 1990 é do Radiohead. Na verdade do ano 2000, Kid A, é um que explodiu minha mente.
Depois disso, fui para o ensino médio e comecei a me interessar mais por música punk e pós-punk. Vou escolher Pornography, do The Cure. Acho que é trio sólido de bons discos.