“Deadbeat” e a era do relaxamento desacelerado para Kevin Parker, do Tame Impala

“Deadbeat” e a era do relaxamento desacelerado para Kevin Parker, do Tame Impala

Na música, quando um artista supera o status dele esperado, passando a agir como um guia para o que há de mais moderno na indústria, e não apenas como um mero instrumentista ou compositor, mas também como um produtor, colaborador que atravessa gêneros e convenções, chega um momento em que ele pode muito bem querer descansar, e abrir mão de jogar de acordo com as expectativas.

É justamente aí em que pode haver um desentendimento, um desacordo, entre a idolatria do público, sempre querendo o máximo, e o olhar mais íntimo que pode haver, de minimizar o esforço, mesmo, ser menos colorido, menos preocupado em ser genial, e mais sarcástico, autodepreciativo, que está no cerne da existência de Deadbeat, quinto álbum do Tame Impala (primeiro a ser lançado pela Sony Music), de Kevin Parker. O relapso pode ser uma forma de cuidado, pelo menos é o que está estampado na capa, que já começa contrariando o perfeccionismo usual ao “quebrar” com as artes conceituais padronizadas com nome da banda e do álbum alinhados simetricamente, com a mesma fonte.

Dessa vez, Parker aparece segurando sua filha, em paz consigo mesmo, sem querer trazer nenhuma mensagem através das cores da imagem, entusiasmo ou vibração. Na verdade, o universo familiar é o da estabilização, e o que é estável não se sobressai, assim como as batidas repetitivas de cada música, ou o groove cansado e insistente, pouco criativo da faixa Loser, derivativa de um mesmo riff animado que é gostoso de ouvir, mas não se transmuta na faixa que muitos esperavam, com vigor criativo.

Parker, vocalista, multi-intrumentista, compositor e tudo o mais que uma única pessoa pode ser (não custa dizer a essa altura que a banda só o acompanha em shows) um dia furou a bolha e, pela primeira vez desde que isso aconteceu, resolveu olhar para trás e se isolar nela. Para uma parte do público, não está tudo bem. A outra parte está tentando decidir como se sente, mas o fato é que, apesar de ainda existir vestígios de psicodelia e rock alternativo no projeto, Parker sacrificou o ritmo previamente estabelecido, dinâmico e acelerado, pela paz e a liberdade que a música house, em conjunto com a produção eletrônica e a cultura das raves australianas, pode e pôde oferecer a ele.

A princípio, soa aleatória a escolha de não “criar” uma arte própria para o disco, mas nunca antes Parker se importou menos com coerência. As letras não acompanham a acomodação do ritmo, quando muito refletem um disparo alucinado para todos os lados, com referências a pessoas famosas, seriados de televisão e ligações diretas com canções de outros músicos.

Sem dúvidas, Deadbeat é um disco camaleônico, que aborda romance com um pé no esotérico em Piece of Heaven, aludindo a Enya com harpas, teclados saturados e também acenando para Phil Collins e clássicos da madrugada de estações saudosas de rádio. Parker também quer incorporar Michael Jackson, temática e sonoramente, em faixas como Dracula (o funk aqui é contagiante) e Afterthought (uma versão de Thriller malhada no sintetizador), mas dificilmente se contenta em ser ele mesmo.

Kevin Parker se enxerga (ou ao menos quer que você o veja assim, talvez com um certo cinismo), como um fracassado, um perdedor, alguém que tentou e agora parou. O recado está claro: não espere mais nada de Tame Impala. Dê um tempo às ilusões, ao maximalismo, às convenções. Essa é a era do desapego, mesmo que você não acredite nisso ou ache o álbum uma farsa. Talvez ele seja, mas nem tudo tem que ter personalidade formada.