Safra I – Os pioneiros (1986-1990) – O hardcore em Santos começa assim…

Safra I – Os pioneiros (1986-1990) – O hardcore em Santos começa assim…

O hardcore é protesto e anti-mídia. Mesmo sem o apoio da grande imprensa, as bandas de Santos fizeram muito barulho pelo Brasil e mundo afora no início dos anos 1990. A cena hardcore caiçara já foi considerada a mais forte do Brasil e a cidade era conhecida como a ‘Califórnia Brasileira’, pelo clima e celeiro de bandas semelhante ao encontrado na costa oeste americana. E tudo isso foi construído por músicos da região.

Uma banda, em especial, podemos afirmar que é a responsável pelo início do movimento na Baixada Santista: Psychic Possessor. Criada por José Flávio Rodrigues, o Zé Flávio, a banda ganhou uma sonoridade hardcore após as entradas de Fabrício Souza (baixista do Garage Fuzz) e Maurício Boka (batera do Ratos de Porão).

Depois da experiência de tocar no Vulcano, com 12 anos de idade, o guitarrista Zé Flávio viu seus amigos Fabrício e Boka trazerem influências do 7 Seconds e Minor Threat para a banda. A sonoridade até então era mais metal. “Como tocávamos com bandas de metal, a galera não entendia a música e vaiava o grupo”, diz Zé Flávio.

Fabrício conta que Zé Flávio tinha uma certa resistência ao hardcore no início. “O convívio conosco e os sons que mostramos para ele, fez com que realmente adotasse o estilo”, relembra. “Acho que o Psychic Possessor, por ter absorvido o metal, crossover, punk e hardcore, ajudou a criar uma cena que até então não existia para esses lados”, completa.

Ouça o álbum Nós Somos a América do Sul, do Psychic Possessor

Paralelamente ao Psychic, surgiram as bandas de punk rock, Mordedura, Tropa Suicida e Pesadelo. Todas eram influenciadas por bandas paulistanas que fizeram parte do festival ‘Começo do Fim do Mundo’, em 1982, no Sesc Pompéia, em São Paulo. Como o movimento punk não era tão forte em Santos, a saída foi realizar shows em São Vicente, Cubatão, São Paulo e no ABC.

O punk não havia vingado na região e o jeito foi continuar tocando com as bandas de metal. “As coisas começaram a mudar quando o crossover ficou em alta”, explica Zé Flávio. A mistura de hardcore com metal passou a ser bem aceita pelo público caiçara. Em 1988, o Psychic lançou o primeiro LP, Toxin Diffusion.

Nesta época a banda contava na formação com Lauro, no baixo e vocal, Zé Flávio, na guitarra, Arthur, na bateria, e Korg, no vocal. O álbum foi lançado pela Cogumelo Records. “As letras em inglês abordavam temas como militarismo, fim do mundo e guerras”, conta o guitarrista.

No ano seguinte, com a formação alterada, apenas Zé Flávio continuou, o Psychic gravou o segundo LP, Nós Somos a América do Sul. O som era mais hardcore e as músicas falavam dos problemas sociais no Brasil. O time do segundo álbum contava com Márcio Ferreira (Nhonho) no vocal, que faleceu em fevereiro último, Fabrício Souza no baixo, e Maurício Boka na bateria.

Depois do segundo LP, o Psychic Possessor trocou várias vezes de formação até o encerramento das atividades no início dos anos 1990. Um desses músicos que passou pela banda foi Alexandre Farofa, que depois virou vocalista do Garage Fuzz.

“Com essa formação a banda acabou em 1990 com um disco inteiro composto, mas q nunca foi lançado. Eram 16 músicas”, conta Fabrício.

O legado, porém, foi grande. Com o fim da banda surgiram mais nomes na cena hardcore caiçara. OVEC, Explicit Repulsion, Alcoólica, Leucopenia e IHZ vieram na seqüência. O OVEC era formado por ex-integrantes do Psychic: Fabrício no baixo, Alexandre Farofa no vocal e Toninho, na guitarra. Daniel (Garage Fuzz) completava a cozinha. O som pauleira não era muito diferente da antiga banda. Seguia a linha do 7 Seconds e grupos do chamado Old School ou hardcore nova-iorquino.

Ouça Idiotas no Governo, do IHZ

O IHZ veio um pouco depois. No final de 1990, Fábio Prandini no vocal, Marcelo na bateria, Guilherme na guitarra e Joel no baixo, apareceram com um som ligeiramente diferente do OVEC e do Psychic. “Nossa música tinha influência do Bad Brains, Fugazi e Dead Kennedys”, explica Fábio Prandini. Para ele, o IHZ também tinha um pé no indie rock. “Gostávamos muito do Pixies e do Dinossaur Jr e isso aparecia no som”.

Em 1993, o IHZ foi para o estúdio registrar seu material. Foram duas demo tapes: Safari Hamburguers/ IHZ e #2, além de um EP: Alternative Attitude.

Assim como todos os grupos de Santos, o IHZ mexeu bastante na formação. Teve mais três baixistas: Marcelo, Adriano e Luciano. Um guitarrista e um baterista: Toninho (ex- OVEC) e Michel. Em 1994, os caras botaram um ponto final na história da banda. “As constantes alterações de integrantes fizeram com que perdêssemos a identidade e não deu para continuar”, desabafa.

Ouça Democracy for What, do IHZ