Quis o destino que o Dia Municipal do Rock, celebrado no próximo dia 13, reunisse dois dos maiores nomes da história do metal da região: Vulcano e Santuário. Contemporâneas dos anos 1980, as duas bandas vão repetir uma dobradinha que ocorreu há 35 anos no Sindicato dos Metalúrgicos, em Santos.
Desta vez, o palco será o Teatro do Sesc, mas as lembranças do encontro de 15 de janeiro de 1983, que também teve o Trava como atração, seguem vivas nas cabeças dos remanescentes dessa história.
“Foi um evento muito bom, lotamos o sindicato. Trabalhei na produção do show, então lembro que foi uma correria para mim”, conta Zhema Rodero, guitarrista e fundador do Vulcano, que foi eleita a banda mais influente da história do rock santista, em pesquisa feita por A Tribuna e Blog n’ Roll em 2016.
Em nono lugar no Top 100 do rock santista, o Santuário teve vida curta. Não chegou nem aos anos 1990. Mas isso não diminui em nada a relevância do grupo. Questionado se havia algum tipo de rivalidade entre as duas bandas no início dos anos 1980, o guitarrista do Santuário, Ricardo “Micka” Michaelis, afastou qualquer tipo de concorrência.
“Eu fui ver uma banda ao vivo pela primeira vez com o Vulcano. Nunca tivemos nenhum problema entre as bandas, a sonoridade sempre foi diferente também. O Vulcano começou como uma banda de rock and roll, o Santuário sempre seguiu como heavy metal. Depois, o Vulcano foi para um lado mais black metal”, explica Micka, que concedeu a entrevista na Praça Independência, em Santos, na última terça-feira, junto com Zhema e Arthur (Vulcano) e Alessandro (Santuário).
O fundador do Vulcano conta que, naquela época, existia uma distância muito grande entre black metal e heavy metal. “Nosso som vingou mais no Interior. Sempre que tocávamos por lá, excursões de várias cidades lotavam os shows. O Santuário foi mais aceito na Capital, por isso até que eles participaram da coletânea SP Metal (Baratos Afins)”.
Sobre a escolha do lugar, Zhema explica que a região não vivia um bom momento para o rock, no início dos anos 1980. Não havia opções de espaços para apresentações e poucas bandas faziam som autoral.
“Não tinha nada. Tempos depois desse show no Sindicato dos Metalúrgicos, um ou dois anos depois, o Micka fez um esforço filha da mãe e conseguiu alugar o Itajubá (extinto cinema na Avenida Presidente Wilson, 1.955, no José Menino). A outra opção que tínhamos era a Concha Acústica, mas ela não oferecia estrutura para o rock. A Concha foi montada para algo de música popular, acredito”, explica Zhema.
O guitarrista do Vulcano recorda, ainda, que já havia frequentado o local antes de marcar essa apresentação. “Nos apresentamos no Festival da Canção (Femuc) em 1981, no Sindicato dos Metalúrgicos. Era aquele tempo dos resquícios dos anos 1970. Era um som mais cabeça, violão. Quando aparecia uma banda, ela ia mais para o lado da bossa nova. E só tinham duas bandas que faziam rock no festival: Vulcano e o Alta Tensão, do Dentinho. Veio antes do Santuário, inclusive”.
A condição colocada pelo Sindicato dos Metalúrgicos na hora de locar o espaço facilitou a produção de Zhema. Ele conta que foi feito um trato pela bilheteria: 30% ficou para a entidade, que cedeu o teatro.
“Não era um espaço feito para shows, funcionava mais para os eventos deles, mas aproveitamos bem a oportunidade”.
O evento que marcou a primeira parceria entre Santuário e Vulcano foi batizado de Rock’ncontro. Uma outra edição foi realizada meses depois no Tênis Clube de Cubatão, com o V-8 no lugar da banda de Micka e Alessandro.
As lembranças de outros shows entre os dois são um pouco vagas, mas os integrantes recordam de outras duas oportunidades: uma em Praia Grande, um evento de verão na praia, e a outra foi no ginásio do Santos Futebol Clube.
“Lembro que o Vulcano abriu aquele festival e o Santuário fechou, mas nunca nos ligamos nessa coisa de ordem das bandas. O importante era encontrar o espaço para todos”, comenta Micka. “Rivalidade só tinha entre os DJs que tocavam na festa”, conta Zhema.
Ledo engano na Colômbia
A trajetória do Santuário, mesmo que curta (1982-1987), teve uma passagem internacional inesperada. “A irmã do Rato (baixista) se correspondia com um poeta de Medellín, na Colômbia, em 1985. Esse cara veio para o Brasil, conheceu a gente e fez o convite para tocarmos lá. Acho que fomos a primeira banda de metal do Brasil a tocar fora, em 1986”, recorda Micka.
Mas o curioso ainda estava por vir. Aproveitando o frenesi da primeira edição do Rock in Rio, em 1985, o Santuário foi apresentado pelos produtores como uma das atrações do festival de Roberto Medina (o que não aconteceu).
“Como não tinha comunicação, os caras nos anunciaram como a maior banda de rock da América do Sul, falava que o Rato era filho do Roberto Marinho (fundador da Rede Globo). Fomos tratados como o Iron Maiden. O show foi na Plaza de Toros, para 7 mil pessoas. Andávamos nas ruas e tinham vários cartazes com os nossos rostos. Não pagávamos almoço, café da manhã, éramos ídolos”.
Apenas os anéis da praça foram ocupados pelo público, o que limitou uma audiência maior. “No último show de rock que rolou lá, o público jogou areia na banda. Então, ninguém poderia ficar nessa parte”. Mas se o Santuário escapou da chuva de areia, o mesmo não pode se dizer do golpe dos empresários. “Eles fugiram com a grana. Ficamos dois meses lá. Depois de um mês tocando nos barzinhos, conseguimos o dinheiro para voltar”.
Nessa excursão, o Santuário quase voltou com um vocalista novo. “Quem tocou com a gente foi o Kraken, que é a maior banda de rock da Colômbia. Eles estavam no comecinho. E o vocalista era igual ao Dio. O Elkin Ramírez era uma celebridade, um cantor fantástico. Ele gravou no bar com a gente. Não conseguiu vir porque era desertor do exército e isso o impediu de sair”.
Furto no Chile
Se o Santuário passou perrengue na Colômbia em 1986, o Vulcano também teve seus dias de tensão no ano seguinte, em sua primeira excursão internacional. Foi em um show em Santiago, no Chile.
“Fizemos uma apresentação no ginásio lotado e o público estava muito agitado. Quando acabou o show, uma parte do pessoal invadiu o camarim. Eles queriam pegar tudo que tinha lá. E nessa correria, levaram minha carteira, passaporte, me ferrei. Mas consegui dar um jeito e voltar para casa”, comenta o guitarrista e fundador do Vulcano, Zhema Rodero.
Mas a experiência assustadora no Chile foi apenas o primeiro capítulo de uma trajetória repleta de turnês
no exterior. Nos últimos 30 anos, o Vulcano se apresentou diversas vezes na Europa, na América do Sul e na América do Norte, sempre com muito apelo entre os headbangers.
“O nosso som tem mais a ver com o cenário europeu, então boa parte das nossas turnês aconteceu lá. Fomos uma vez para os Estados Unidos e fizemos show em apenas uma cidade”, comenta o guitarrista, que já antecipa que fará outra turnê europeia no início do próximo ano. “Ainda não divulgaram de forma oficial, pois existe um calendário e uma prática entre eles de não divulgar um show que vai acontecer lá na frente, antes dos outros, agendados para datas mais próximas”.
Atualmente, o Vulcano tem em sua formação Zhema Rodero (guitarra, desde 1981, o único da formação original), Luiz Carlos Louzada (vocalista, 1997-2000, 2008, desde 2010), Diaz (baixo, 2007-2013, desde 2016), Arthur Von Barbarian (bateria, desde 1987) e Gerson Fajardo (guitarra, desde 2015).
Participações especiais em clima nostálgico marcará os shows em Santos
Para o público que comparecer ao Teatro do Sesc Santos no próximo dia 13, o Santuário será uma atração e tanto. Como já encerrou as atividades há décadas, são raras as oportunidades de curtir um show dos vicentinos. Foram poucas as reuniões nos últimos anos.
“O nosso show terá convidados, mas usamos um critério de chamar apenas quem tinha ligações com a banda. O Medusa, que é um super guitarrista, quando acabou o Santuário, montou uma banda com o Alessandro, a Oryon. O Cachorrão, que participou da excursão na Colômbia, o China Lee, do Salário Mínimo, além do Renato DeLone (Angel)”, adianta Micka.
A apresentação do Santuário contará ainda com algumas projeções. “Vamos tocar cronologicamente músicas de 1982 até 1987, quando já estávamos mais hard pop, com teclado. Cada um dos nossos convidados tem uma ligação com essas fases da banda. É um set com uma hora de duração”.
O Santuário subirá primeiro ao palco, mas nada por uma questão de hierarquia ou estrelismo, que passa bem longe da amizade entre os integrantes. “É uma bobeira esse negócio de banda de abertura. Não pensamos dessa forma. Se o Micka me disser que o Santuário precisa fechar por conta de logística, não veria problema algum”.
O respeito é mútuo entre eles. “O Vulcano é número um no metal. Todo mundo veio depois deles, não tem como existir outra conversa. Sou PhD no assunto, gravei um filme sobre a história do heavy metal no Brasil e todos são unânimes em reconhecer isso”, argumenta Micka.
O Vulcano não deixará por menos no palco. O show também deverá ter uma hora de duração, mas com um set especial. “Queríamos trazer alguns convidados e estamos tentando. Mas um guitarrista já morreu, o outro também. O baterista está no Japão e o Angel (Uruka) está nos Estados Unidos, mas não sei se chega a tempo”, comenta Zhema.
O repertório terá um destaque para os discos Live (1985) e Bloody Vengeance (1986), que será tocado na íntegra. “Faremos também umas três do álbum novo e alguma passada por discos que não estamos acostumados a tocar, como o Anthropophagy (1987) e o Rat Race (1990), que só saiu no exterior”.
Ingressos à venda
Os ingressos para a dobradinha entre Santuário e Vulcano já estão à venda na bilheteria do Sesc e no site. Eles custam R$ 6,00 (sócios do Sesc com credencial plena), R$ 10,00 (meia-entrada para estudantes, professores da rede pública, deficientes e aposentados) e R$ 20,00 (inteira).
A expectativa é que cada uma das bandas tenha uma hora para seus shows. O Teatro do Sesc fica na Rua Conselheiro Ribas, 136, na Aparecida. Mais informações sobre o show pelo telefone 3278-9800.