Com letras afiadas, presença de palco intensa e uma mistura sonora que transita entre o experimental e o rock visceral, a cantora Giovanna Moraes se prepara para um dos momentos mais marcantes de sua carreira: sua estreia no Lollapalooza Brasil. A apresentação acontece neste domingo (31), e promete ser um cartão de visitas impactante para quem ainda não conhece a potência artística da paulistana.
“Vão ser gloriosos 45 minutos”, ela antecipa, animada. Com dois álbuns disponíveis nas plataformas e um histórico de reinvenção constante, Giovanna Moraes levará ao palco do festival faixas como As Minas no Poder, Bloquinho de Notas e Valentina — esta última, uma composição sensível sobre sua vivência com bulimia na adolescência. “Quero que as pessoas se sintam acolhidas e se identifiquem”, afirma.
Giovanna Moraes também prepara surpresas no setlist, com músicas inéditas e medleys que refletem seu processo criativo livre, intuitivo e sempre em mutação. “Sou uma metamorfose ambulante”, diz. De um passado mais experimental, com influências que vão de King Crimson a Elis Regina, até um presente mais enraizado no rock alternativo com distorções vocais e atitude punk, Giovanna Moraes construiu seu caminho na marra — de forma independente, sem seguir as fórmulas do “music business”.
Em conversa exclusiva com o Blog n’ Roll, Giovanna Moraes falou sobre as expectativas para o festival, o machismo persistente na cena roqueira, seu processo de composição e a importância de ocupar espaços como o do Lolla com autenticidade, coragem e presença feminina.
Imagino que você esteja bem empolgada, né?
Nossa, tô muito empolgada! Num momento especial como esse. Foram muitos anos até chegar até aqui. E vai passar muito rápido, vai passar rápido demais. O lance é aproveitar bem o tempo que tem.
Você já sabe quanto tempo vai ter lá, não?
Acho que é 45 minutos o set, curtinho. Vão ser gloriosos os 45 minutos. O público que está chegando ali no festival está lá por algum headliner e tal. Só que aproveitando bem esse momento, a gente sabe que pode fazer uma mudança, fazer a galera ir atrás, consumir mais o teu som. É o momento de dar aquele cartão de visitas legal.
Eu tô fazendo algumas coisas um pouco diferentes. Vai ter As Minas no Poder, que é a minha música lá do calmativo. Vai ter Bloquinho de Notas: ‘na moral, eu sou original, você é a cópia’. Valentina, que é uma música que fala sobre a minha bulimia na adolescência e que conversa com muitas meninas que acabam entrando nesse sistema de sentir que elas estão erradas num mundo que às vezes deveria acolher mais do que apontar o dedo e dizer que a gente não é normal. Porque a gente não se encaixa dentro dos padrões da sociedade.
Quero trazer um pouquinho de música nova também, algumas das outras tô preparando um medley. Em vez de tocar a música inteira, tô juntando e fazendo uma brincadeira um pouco diferente. As músicas têm muito disso de experimentar, como é o processo criativo.
Você comentou que já está preparando músicas novas. Como é esse teu processo de composição?
Tenho dois álbuns lançados no Spotify, mas tenho muito mais coisa que tirei do Spotify. Antes dessa Giovanna Moraes sair, eu fazia um som meio experimental. Fiz dois álbuns com uma pegada experimental, um que era em inglês e o outro que tinha uma pegada um pouco mais de brasilidade, mas era outra fita, teclado e um bagulho que é difícil de reproduzir ao vivo.
E daí fui me encontrando dentro do rock por causa do show, sabe? Porque no momento de colocar e entender como aquelas músicas iam ser no palco.
A partir daí já tirei o teclado, coloquei uma guitarra e fui ficando com essa cara mais rock’n’roll. É um caminho muito doido, muito longo até chegar até aqui.
E o meu processo é de estar criando sempre, experimentando coisas novas, muito dessa pegada do improviso, de às vezes estar cantarolando e ver o que vem. Às vezes vem alguma melodia, ideia de provocação e daí anoto. Logo depois, repenso e recrio mais pra frente.
Tenho muito isso mesmo desse processo de estar criando o tempo inteiro. A inspiração acho que vem de todos os lugares. Vem de um papo aqui com você, vem de algum comentário nas mídias sociais, um filme ou de uma história que ouvi na notícia.
Pretende lançar mais álbuns ou focar nos singles?
Não sei se vai ter um álbum por ano, não gosto muito dessa pressão de álbum. Mas música nova o tempo inteiro vai, porque gosto de fazer isso e acho que é massa poder ter um registro do crescimento do artista.
Tem pelo menos umas seis músicas que estou pra lançar esse ano. Talvez algumas antes do Lolla, talvez algumas logo depois do Lolla.
Não tô querendo chamar de álbum, porque não tenho um nome para essa coletânea ainda. Mas é isso, tem coisas novas.
Trabalhar mais os singles é uma forma de atender o algoritmo das plataformas de streaming?
Quando fui fazer o Fama de Chata, álbum que lancei em maio do ano passado, ele começou, na verdade, com uma música, Fala na Cara.
Experimentei um negócio com uma linguagem um pouco mais agressiva, falando coisas que achava que não podia falar, e o negócio repercutiu muito. E daí fiquei um tempo meio que digerindo e pensando o que mais que essa chata tem pra dizer? Então já tinha essa ideia do nome do álbum, Fama de Chata, com esse conceito de trazer as coisas que gostaria de falar.
Hoje não tenho um conceito para um novo álbum, mas talvez tenha um pouco mais pra frente. Tenho essas músicas e elas combinam desse jeito. Posso pegar algumas que já lancei, fazer algumas novas e juntar num álbum. Mas, por enquanto, quero estar lançando música nova, porque às vezes fica na gaveta por muito tempo e deixo de gostar. Sou uma metamorfose ambulante, estou sempre mudando.
Não sou muito music business, não tô fazendo single pra trabalhar melhor no Spotify, playlist do Spotify, não estou fazendo essa coisa de estratégia. Porque sou eu e o Thanos (produtor), sou independente. Eu não tenho rabo preso com ninguém, ninguém manda em mim.
Giovanna, você comentou sobre essa migração do trabalho mais experimental para o rock and roll. O que permeia esse teu ambiente sonoro de influências?
Tudo é referência. Nunca fui uma pessoa que tem ídolos. Não é muito minha fita.
Acho que acabo somando tudo para o meu caldeirão e experimento a partir disso. No meu primeiro projeto, por exemplo, gostava de rock mais progressivo, uma pegada mais Yes, 21st Century Schizoid Man, do King Crimson. Era uma vibe mais experimental prog.
No segundo projeto, me trouxe esse desafio de trazer a brasilidade pra dentro do meu projeto, que nunca tinha escrito em português. E muita gente falava: ‘pô, mas você é brasileira, cadê as influências do Brasil no teu som?’ A partir daí trouxe uma coisa mais Elis Regina, uns ritmos brasileiros, mas ainda nessa visão experimental.
Eu fui uma pessoa que demorei, custei pra entrar dentro do molde do que é uma música tradicional, sabe? Três minutos, refrão, pré-refrão, pós-refrão. Demorei pra caralho mesmo pra me enquadrar e entender que a música tem um molde, uma estrutura.
E no Para Tomar Coragem, meu primeiro álbum disponível no Spotify, as minhas referências eram mais Paramore, Pitty, fui experimentando muito dentro de várias gomas do leque do rock. Já tinha meio que esse interesse pelo rock, mas investi em um rock groovado, algumas faixas mais pop punk, outras esquizofrênicas bem Giovanna Moraes.
Não tinha muita experiência dentro do rock, então a minha voz ainda não estava do mesmo jeito que coloquei no Fama de Chata, que já tem mais distorção vocal. Mas foi um passo, um primeiro passo muito interessante, e fui circular com esse álbum.
Não tinha pretensão necessariamente de ter público, nunca tinha tocado com banda, era o meu hobby, entende? E daí passou a ser um negócio um pouco mais profissional depois da pandemia, quando peguei as músicas do Para Tomar Coragem e comecei a circular aqui pelo Sudeste, Sul, e daí me entendi enquanto artista.
Meu show passou a ser um espaço para poder ser não civilizada, poder dar o louco, ser um bichão mesmo.
Você vê alguma mudança na questão do machismo na cena roqueira? Nos anos 1990 e 2000 era muito comum aquele comportamento de…
Show your tits! Show your tits! Essas coisas bem imbecis, certo?
Exato. Você enfrenta esse tipo de comportamento nos shows?
Enfrento bastante essa situação, acho que especialmente na internet. Acho que existe muito ainda esse tiozão, que é meio misógino e acha que a mulher está no palco e deveria mostrar a teta.
Você vê os lineups de festivais de rock pelo Brasil e não tem mulheres, com exceção da Pitty. Falta oportunidade dentro do rock.
Acredito que no público talvez role coisas piores, infelizmente. Comigo rola na internet mesmo, quando as pessoas expõem seus preconceitos sem medo algum. Muitas vezes são crianças, mas elas acham isso engraçado. Elas nem entenderam que é um ser humano do outro lado. Tento levar na esportiva, dar risada, usar um pouquinho de ironia.
Agora que derrubaram as regras de comunidade nas redes, tal como o X e o Instagram, você acredita que as coisas pioraram?
Putz, pra mim não mudou nada essa derrubada do Instagram. Porque já era assim antes, recebo os meus comentários há muito tempo e o Instagram não fazia um bom trabalho para filtrar nada de tipo de comentário. Zero! Inclusive tinha alguns comentários meus que eram flagrados e retirados e que não tinha nada de mais, mas a galera falando para eu acabar com a minha vida não tinha problema.
Voltando ao Lollapalooza, você pretende assistir algum artista no seu dia?
Vou ver Tool, com certeza. Acho que a Giovanna de 2018 vai pirar. Acho que vai ter Sepultura, que também deve ser bem massa. Não conheço o show deles ainda.
Vai ter Charlotte Matou um Cara, que são umas minas que fazem um punk que conversa bastante com o meu som. Acho que vai ser bem em cima do horário do meu show.
Tem também um cara da Argentina que esqueci o nome (Ca7riel & Paco Amoroso), mas ele fez um Tiny Desk que achei muito brabo. E estou empolgada também pra ver o show dele, pra conhecer.