O Picanha de Chernobil nasceu em Porto Alegre, mas foi em São Paulo que a banda consolidou sua identidade e ganhou espaço na cena musical independente. Com uma trajetória marcada pela performance nas ruas da capital paulista, o trio encontrou na Avenida Paulista um palco natural para sua sonoridade, que transita pelo blues, rock e psicodelia.
Agora, Matheus Mendes (vocal e baixo), Chico Rigo (guitarra) e Fernando Salsa (bateria) estarão no Lollapalooza Brasil. A banda se apresenta no sábado (29), às 12h, no Palco Samsung Galaxy, que terá Alanis Morissette como atração principal, às 20h10.
Ao longo dos anos, o Picanha de Chernobil enfrentou diversos desafios, desde mudanças na formação até a recente tentativa de restrição à música de rua na cidade. Mesmo com as dificuldades impostas por regulamentações e pressões políticas, a banda segue na luta pelo direito de se apresentar nos espaços públicos.
Paralelamente, o reconhecimento de sua trajetória os levou a grandes festivais, incluindo o Rock in Rio e turnês internacionais.
Em entrevista ao Blog n’ Roll, Matheus Mendes falou sobre a origem do Picanha de Chernobil, a experiência de tocar na rua, os desafios impostos pela prefeitura de São Paulo e a expectativa para o show no Lolla.
O Picanha de Chernobil surgiu em Porto Alegre, mas ganhou mais destaque quando veio para São Paulo. Como foi esse início?
A gente era bem iniciante em Porto Alegre. É muito diferente o cenário das bandas, era outro universo. Não dá nem para comparar. A gente era bem mais jovem também, mas foi legal.
A gente fez o Circuito Fora do Eixo, viemos para São Paulo e conhecemos bastante gente, acabou dando um incentivo para a gente vir morar aqui.
A ideia de vir para São Paulo foi aquela padrão de toda banda que está fora do eixo Rio-São Paulo: ter mais visibilidade, mais oportunidades?
Foi, total. Tínhamos muito mais gente aqui, era um universo a se explorar. Lá estava fechando muita casa. Está foda ainda, Porto Alegre desmantelou muito. Parte da cultura e tal, oportunidade de show, rádio, fechou tudo. Antigamente não, era bem promissor. Teve várias fases em Porto Alegre, mas nunca foi o polo do mainstream.
Sempre foi uma referência pela quantidade de bandas boas que surgiram por lá desde os anos 1980.
Realmente, sem dúvida, mas isso foi enfraquecendo com o tempo. Mudou muito o mundo, e também a cabeça dos jovens. Porque a música sempre foi consumida pelas camadas mais jovens. O pessoal precisa consumir mesmo, ir nos shows, comprar as coisas, ficar falando.
O lance de tocar na rua começou em São Paulo? Ou o Picanha de Chernobil já fazia isso em Porto Alegre também?
Em Porto Alegre rolava para algumas bandas. Eu até acompanhava, era um negócio bem provinciano. Aqui em São Paulo já era bem diferente. Como a cidade já tem muito ruído, a gente começou a levar amplificadores e tal, e fazer uma coisa que não tínhamos visto ainda, uma banda de rock tocando na rua. E começamos ali no (Largo do) Paissandu, só que era bem legal, eu ia em galera, não tinha muita noção do que estava fazendo.
Mas 2014 foi muito revelador para nós, muito produtivo do ponto de vista de saber os nossos limites na rua. A lei da música de rua estava sendo promulgada. Com a entrada do (Fernando) Haddad e da Nádia (Campeão), como vice-prefeita, eles deram um gás nisso. E em 2015 a gente já começou a fazer totalmente diferente.
Começamos a tocar todo dia, a gente ia no Centro de São Paulo tocar no horário do almoço dos trabalhadores. Meio-dia, 13h, das 10h até umas 14h. Depois, passamos a levar violão, contrabaixo acústico, aquele rabecão, bateria reduzida, uma coisa bem mais tranquila, mais acústica, até para não causar muito alvoroço.
Foi a partir de 2016, já com a Paulista Aberta, que a gente começou a tomar essa forma atual de banda, algo mais padronizado, como o público vê hoje.
Essa proibição recente na Paulista afetou o Picanha de Chernobil? Estão conseguindo tocar?
Como somos a banda que está há mais tempo na rua, em grupo de trabalho com a prefeitura, a gente está discutindo alguns pontos para melhorar. Na verdade, não rolou uma proibição, rolou uma ação da prefeitura, meio arbitrária, baseada num termo de ajuste de conduta. Ele diferencia o que é evento e o que não é. E aquilo foi usado contra nós, através da polícia de choque.
Desde o ano passado está tendo uma resistência da prefeitura contra os artistas. Mas isso está cessando porque como a gente reuniu as pessoas, estamos na luta para promulgar a lei. Mas não temos o poder de regulamentar, nem autoridade para isso. Então estamos buscando apoios para isso.
Em 2025, todo músico de rua usa equipamento de som. A gente está na maior cidade da América do Sul, uma metrópole. Como é que a gente vai cantar tudo no gogó, né? É difícil, ninguém é o Pavarotti.
Mas, respondendo sua pergunta, tem três semanas que rolou aquele negócio de proibir, mas faz duas semanas que a gente tem tocado na Paulista.
Tudo indica que a gente vai conseguir manter. A gente é muito educado, todo mundo ali da música de rua é muito educado. Tenta conversar, dialogar, explicar.
E a gente tem argumentos muito válidos pra cidade, para a economia também. Acho que o que mais pega é o ponto da economia, né? E realmente gera muita grana, para os próprios, para as lojas. O comércio local se beneficia muito com as bandas, com a arte rolando.
E no meio desse impasse para tocar na rua, o Lollapalooza chamou o Picanha de Chernobil. Como foi esse convite?
A gente foi no Caldeirão do Huck, Sabrina Sato, Roberto Justus, Ratinho. Fomos para a Europa três vezes, estamos vendo de irmos a quarta ainda este ano. Lollapalooza é uma construção de dez anos, dez anos se fudendo muito: na chuva, no sol, de tudo que é jeito.
Essa construção tem a ver com o nosso propósito de estar na rua sempre. Cada artista tem um propósito, juntando todo mundo a gente consegue algo grandioso. Se fosse só nós, não teria nem sentido. É a energia da cidade que faz tudo isso acontecer. É os gringos passarem, é o povo passar, é tu tocar no centro também, não só na Paulista. É tu fazer outras gigs para outros estados, é fazer entrevista, como eu estou fazendo contigo. É tudo, é uma caralhada de coisas. Quando vê, tem uma oportunidade dessa.
O que você pode adiantar sobre o show no Lollapalooza?
A gente vai tocar as músicas que tem mais poderio. Vamos priorizar as músicas do Pindorama (álbum lançado em 2024), mas também vai rolar Anhagabablues e Om Namah Shivaya, que são nossas principais músicas, ambas do O Conto, A Selva e o Fim, de 2016. Brasil, talvez, é uma música com viola caipira, funcionaria bem.
A gente tem 45 minutos só, a Brasil tem uns 12 minutos, imagina? Porque ela tem três partes, depois tem uma apoteose no fim. E as músicas geralmente são longas, mas no Pindorama, não. A gente até cortou muita coisa.
Você pretende assistir algum show lá no Lollapalooza ou não tem nada que você se interessa?
Quando toco, gasto muita energia. Às vezes fico meio atordoado, mas acredito que vá conferir alguma coisa. Alanis é do caralho, né? O Tool é incrível também. Não sei se a gente vai ter acesso aos três dias, mas domingo a gente vai tocar na Paulista. A gente vai tocar na rua normalmente, então não sei se vou poder ficar até muito tarde lá.