ADEMIR DEMARCHI
O ambiente político e cultural da década de 1970 motivava detestar a Coca-Cola como um dos símbolos do imperialismo norte-americano. Porém ela nunca faltava nos indispensáveis coquetéis Cuba-Libre, permitida sem culpa por ser benzida com generosas doses de rum que a limpava rapidamente de todos os demônios nessa paradoxal associação em que os dois países inimigos na Guerra Fria se juntavam num copo com gelo… A junção nada tinha a ver com o período pós-revolução cubana, uma vez que, conforme reza a lenda, o Cuba-Libre foi criado por soldados norte-americanos que participaram da guerra de independência cubana em 1898. Agora, depois das últimas décadas de embargo político e econômico, ao que tudo indica finalmente os cubanos vão poder tomar sua Coca-Cola e os norte-americanos voltar à ilha para tomar um Cuba-Libre com o legítimo rum cubano, que sempre foi para os EUA somente em contrabando.
Já quanto ao Cuba-Libre, ele foi o coquetel da década de 1970, que animava as “brincadeiras”, nome com que conhecíamos os espaços dançantes improvisados nas casas, nessa época, nos bairros maringaenses. Bastava pegar uma lona de caminhão, esticar uns bambus ou caibros, estender a lona e avisar alguns que a notícia se espalhava. Vinha um voluntário, o DJ da época, com uma vitrolinha e suas pilhas de LPs de rock e música romântica e a festa estava feita. Em geral eram eventos abertos, aos sábados, quando não se trabalhava, assim a juventude da região, depois de ralar durante a semana, passava pelo lugar, entrava, olhava, ouvia, namorava. Boa parte do tempo o rock comia solto com bandas como Creedence Clearwater e suas indispensáveis Have you ever seen the rain – “você já viu a chuva cair num dia ensolarado?” gritava ele; e Green river, em que um velho diz ao jovem que, partindo, se achasse o mundo muito chato que voltasse para por os pés novamente no rio verde, onde “garotas descalças andam sobre a luz da lua”.
Com ele se alternava The Animals com sua The house of the rising sun, que cantava que em New Orleans havia uma casa chamada Sol Nascente que era a ruína de muitos garotos pobres – “E, Deus, eu sei, eu sou um deles”. Nazareth, com um punhal no peito, voz rascante, gritava que “o amor machuca” em Love hurts.
Isso tudo socava os corações daqueles garotos na Vila Operária, no Aeroporto, na Vila Morangueira em Maringá… todos se sabendo um daqueles e que, cheios de vazios no peito, diante de um não se sabe o que fazer na vida a não ser torrar em subempregos no comércio ou em oficinas, relaxavam um pouco ouvindo aquele rock até que, na sessão seguinte, entravam as músicas lentas. Nesse momento se tirava pra dançar uma das moças, após uma estudada troca de olhares, e ambos serpenteavam com suavidade, por exemplo, ao som do Carpenters vertendo mel lírico musical: “Por que os pássaros de repente aparecem?”, “Por que as estrelas caem do céu?”…
Certamente porque um estava diante do outro, dançando – “assim como eu, as estrelas querem estar perto de você”, dizia a canção, nem que fosse apenas por aqueles poucos minutos que durava a música e depois cada um ia para um lado ficar se medindo à distância, até novo encontro.
Tanta timidez só era quebrada com Cuba-Libre, desde que comedida, pois uma dose além com a testosterona juvenil embaçando o ar, qualquer olhada errada dava em briga de socos e pernadas, bem longe do romantismo e muito mais perto do rock pesado da revolta contra um mundo sem explicação e diante do qual, com a vida toda aos pés, parecia haver apenas a solidão e a dureza de grana pela frente.