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Radar - Nuno Mindelis

Radar #03 – Jeff Beck – Emotion & Commotion

NUNO MINDELIS

Não se trata de lançamento, o disco fará aniversário de sete anos em abril, mas tenho convicção de que não foi dito o suficiente sobre ele. O que de certa forma é uma injustiça para com alguém que atingiu tal estágio de evolução artística. A sua análise requer bastante atenção às entrelinhas e algum isolamento, como quem lê um livro .

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Cada mais me espanto com nível de proficiência (técnica e espiritual) de Jeff Beck. Em termos de amadurecimento e evolução como instrumentista, poucos conseguem o que ele conseguiu. Coloquemos da seguinte forma: se Jimi Hendrix, considerado o maior gênio da guitarra de todos os tempos ressuscitasse, seria tiete de Jeff Beck, sem risco de errar na profecia.

Emotion & Commotion mostra mais do que nunca a ligação orgânica do músico com o instrumento. Compreendi, ao ouvi-lo, o clichê quase surrado atribuído a alguns guitarristas: “o seu corpo é uma extensão da própria guitarra”. Nunca tinha dado muita bola a essa frase.

Completo, maturíssimo, melódico, moderno, dinâmico, exibe todas as inflexões que só sábios conseguem imprimir. Gênio.

O manejo do volume no próprio botão da sua Stratocaster, os timbres inacreditáveis garimpados a partir majoritariamente da sua técnica seminal (a despeito de qual amplificador ou qual guitarra) a assinatura única e espetacular no uso da alavanca. Poucos galgaram este estágio. Personalíssimo.

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Outro detalhe importante é que Jeff nunca parou no tempo. Seus albuns não são (desde há muito) repetições do ‘same old blues” ou de qualquer outro gênero, fusion, rock, jazz, o que for. Impossível defini-lo ou, como ele mesmo já disse uma vez, é “Jeff Beck Music”. Concordo.

Chama-se a isso experimentação. Necessária para se chegar à assinatura, à impressão digital, ao selo com aprovação da Casa Real.

O blues é o seu DNA, o seu abecedário, o que o transformou no que é. Mas usa-o para experimentar em larga escala, funde-o com batidas novas, arrisca. Em Emotion & Commotion executa até árias como Nessum Dorma que fariam Puccini emocionar-se, aposto nisso. E você perguntaria o que o DNA Blues tem a ver com uma ária de Puccini ? Ouça e me conte. Ele está lá.

Joss Stone participa da faixa I Put a Spell On You, clássico que fez de Screaming Jay Hopkins um homem rico. Legal. Mas aqui voltamos ao mundo terreno, o da indústria que precisa de encontros para poder tocar na rádio ou aparecer no especial de TV. Por incrível que pareça Joss, artista de quilate indiscutível, não faria falta desta vez.

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O solo de Lilac Wine, curto e timbrado como especiaria rara, vale pelo disco todo. A execução da guitarra em Nessum Dorma também deveria ser de alguma forma transformada em ouro e guardada em pirâmides para ser preservada por milênios.

Jeff passou do nível terreno de grandes guitarristas há muito tempo, ele está para a guitarra o que Neruda ou Vargas estão para a literatura e é quase espantoso como isso não chega a ser valorizado na medida justa. Foi um dos poucos a atravessar a barreira entre o tocar-se guitarra muito bem e atingir um plano quase metafísico, um semi Deus ou um Deus da guitarra. Jeff is God. Adolescentes deveriam pintar isso nos muros de Londres desta vez, tal como fizeram com Clapton nos anos 60.

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Curiosidade, o português Luis Jardim , que já trabalhou com Sir McCartney, Stones, David Bowie, Gilmour, Coldplay, Bjork e literalmente algumas outras dezenas de gigantes, assina a percussão. O elenco (estelar e vasto, quatro bateristas, três baixistas etc.) inclui Vinnie Colaiuta (bateria) Chris Bruce e Pino Paladino (baixo) Imelda May (vocal) e a queridinha australiana Tal Wilkenfeld, também no baixo.

Abraço, pessoas musicais !

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4 Comments

4 Comments

  1. bruno coutinho

    9 de março de 2017 at 17:40

    concordo plenamente, o melhor álbum dele deveria se tornar a bíblia de qualquer guitarrista ouvir esse álbum é de uma grandiosidade , genialidade espiritualidade que acho que ninguém chegou ainda que eu ja tenha escutado….

  2. Ernesto

    9 de março de 2017 at 19:38

    Sensacional Nuno! Amo o Jeff e seu som. Parabéns pelo texto.

  3. NORBERTO MACHADO FILHO

    10 de março de 2017 at 04:33

    Nuno, sou guitarrista há 51 anos. Comecei com 13, hoje estou com 64 então aí se vão 51 anos de dedicação e considero dois turning points na minha vida musical que explico aqui: O primeiro foi quando ouvi o album APOCALYPSE de JOHN MCLAUGHFLIN e o segundo quando ouvi BLOW BY BLOW de JEFF BECK. Não consigo compreender como JEFF BECK não está na mídia como acho que deveria estar. O cara é simplesmente um GRANDE GENIO.

  4. nuno mindelis

    11 de março de 2017 at 09:56

    Caro Norberto.

    Desde que a indústria fonográfica trocou música por ‘entretenimento”, músicos de verdade não têm mais representantes. (-:

    Abraços !

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