O que você está procurando?

Radar - Nuno Mindelis

Radar #08 – Kenny Neal – Bloodline

NUNO MINDELIS
Foto: David Simchock

Vou falar de novo do Grammy de Blues Contemporâneo, e seus indicados 2017. E de um cara que gosto muito e não é de hoje, chamado Kenny Neal. Seu álbum para consideração da Academia foi Bloodline, de 2016. Kenny Neal é um dos poucos que têm condições de escapar a esse repeteco de fórmulas que impera no blues feito nos dias de hoje. Ele soa como os grandes que o ensinaram. Há organicidade. Ele não clona os seus heróis, é um deles. E um dos ingredientes para isso (além de ser pós graduado no que faz) é o bom gosto. Ouça o solo de Keep on Moving e depois me conte.

Continua depois da publicidade

Outro ingrediente é a sua própria condição, ele é um bluesman da Louisiana, a carga histórico-musical e a proximidade das plantações não lhe permitiriam ser outro. Essa é, queiramos ou não, a sua originalidade. A mesma de um Lazy Lester ou de um Pinetop Perkins.

A sua trajetória foi interrompida, aqui e ali, devido a uma enfermidade não especificada (de 2006 a 2007 , por exemplo) e é cheia de prêmios homenagens e láureas; Music Hall of Fame da Louisiana, Best Contemporary Blues album pela lendária Living Blues, West Coast Blues Hall of Fame, três vezes pelo menos indicado ao Grammy em várias categorias etc, etc..

Ain’t Gon let the Blues Die é o petardo inicial de Bloodline (no qual ataca de slide, embora eu o prefira com os dedos) um swing em que menciona Otis Redding, Robert Johnson, Jimmy Reed, Albert King, Koko Taylor e muitos, muitos outros. Na verdade desfila quase todos que compõem o sistema nervoso central do blues e do soul, desde sempre.

Continua depois da publicidade

Bloodline, música que dá título ao disco, mostra um vocal cada vez mais precioso e sempre vale o clichê, de que não costumo gostar mas devo admitir : ‘é como o vinho’. Nem a harmônica me incomoda (depois de um surto no Brasil em que todo o mundo decidiu que seria gaitista na vida, o meu corpo desenvolveu uma certa intolerância, como acontece com remédio que se toma a vida inteira; só Little Walter não me dá urticária).

E, aqui, aproveito para dizer que se o disco fosse meu, esta faixa seria a primeira. Recomenda a combalida indústria fonográfica sempre colocar a faixa mais agitada em primeiro lugar num disco, com a talvez ingênua ideia de que o consumidor pode decidir ir em frente e ouvir o resto em função de ser arrebatado logo no começo. E isso levá-lo a comprar o disco. Comprar disco? Soa algo como acender um lampião ou enviar um Telex, não? E mesmo que a prática ainda fosse atual, continua questionável, eu diria. A mais agitada ou a melhor? Eu prefiro a segunda opção. Depois, quem gosta de um gênero já sabe o que pode encontrar, ninguém esperaria ouvir algo parecido com Beyoncé no disco de Kenny e, se esperasse, teria sido o consumidor que pegou no produto errado e não o autor que errou a sequência por ter escolhido uma música mais intimista. Por essa lógica, Funny How Time Slips Away, de Elvis, que Kenny versionou com estonteante beleza e eficiência (faixa 4) deveria ser a primeira também. Mas vamos adiante.

Em Plain Old Common Sense, nada poderia ser mais senso comum mesmo, um shuffle previsível e invertido, mas afinal estamos falando de Kenny Neal, da sua guitarra bem timbrada, do seu vocal, da sua autenticidade e origem na Louisina, celeiro dos melhores músicos da América.

Continua depois da publicidade

Se Neal se sente tão feliz em I’m So Happy (faixa 7), mais feliz fico eu em poder ouvi-la: haja groove, voz, timbres, guturalismo no backing vocals femininos, dos velhos tempos em que gospel era isso, ahh!!!

Em I Can’t Wait, a imagem e lembrança dos grandes Sonny Terry & Brownie Mcghee surge de forma quase inevitável.

Continua depois da publicidade

E o groove não para! Em Real Friend, já na faixa 10 (de um total de 11), a coisa sacode com uma levada tipo Mustang Sally (ou Otis Mr. Pitiful, ou Wilson Picket Midnight Hour, escolha) e, apesar da ajuda da metaleira, solo de sax e tudo o que tem direito, prefiro a guitarra sábia, de bom gosto e timbre bonito de Kenny Neal.

Encerra o disco um shuffle, vertiginoso, bem apertado (entre as notas ghost e a reais na caixa) em que Kenny Neal agradece ao Rei dos Reis, BB King!

Aposto que o Rei, vivo fosse, agradeceria emocionado e feliz com a expertise.

Continua depois da publicidade

Abraço, pessoas que lêem!

Click to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

COLUNAS

Advertisement

Posts relacionados

Especiais

Foram necessários 24 anos de espera até o retorno do Shelter ao Brasil. A banda nova-iorquina krishnacore que marcou época nos anos 1990, principalmente...

BR

Lançado de forma independente, o álbum de estreia dos paulistas da Rã, já está disponível nas principais plataformas digitais. Intitulado Praia Grande Shore, o...

BR

Um dos grandes do rap nacional e nome histórico do hip hop carioca, Daniel Shadow faz de sua arte uma carta de respeito pelas...

Publicidade

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados

Desenvolvimento: Fika Projetos