NUNO MINDELIS
Se você gosta de blues de verdade e de contos de fada, está tudo aqui. Roll and Tumble é apenas o segundo álbum de estúdio de RL Boyce, aos 62 anos de idade, mas já está indicado ao Grammy de melhor álbum de blues na categoria tradicional, junto com consagrados como Eric Bibb, Elvin Bishop e Rolling Stones (estes últimos com o seu disco-retorno ao Blues, Blue & Lonesome).
De Como, Mississipi, com pouco mais de 1 mil habitantes, RL praticamente não saía dali, fazia shows em pequenos botecos da região e tocava na varanda de casa, a clássica imagem do bluesman do sul dos EUA. No passado foi baterista de Othar Turner. Agora, depois de décadas no ostracismo, frequenta o programa de Jools Holland e é produzido por David Katznelson e Luther Dickinson (este último de North Mississipi All Stars e Black Crowes).
Há na música (e na vida, pelo jeito) de RL Boyce muito de outro RL, o Burnside, também do sul, que após uma vida inteira tocando nos botecos foi descoberto nos anos 1990 e embrulhado para presente. Dele foram feitos pelo menos dois discos muito bons, produzidos por malucos brancos que incluíram Moby, flertando com eletrônica, rap, hip hop etc. (Come On In e I wish I was In Heaven Sitting Down, recomendo)
Voltando ao Boyce, é interessante notar que o filho de Burnside, baterista de primeira (com o qual cheguei a tocar em Memphis uma vez, normalmente não menciono essas coisas mas não resisti) participa de Roll and Tumble, cuja música é de uma verdade crua e incontestável. Poor Black Mattie exibe o tipo de riff que Led Zeppellin ou Cream roubariam se a história se passasse nos anos 1970. Going Away também, embora aqui pareça que Boyce, ele mesmo, o tenha emprestado de Howling Wolf. Assim como em Shotgun. Mas emprestar riff para colocar outra melodia e/ou letra é praxe no blues.
As guitarras soam sempre meio (às vezes bem!) desafinadas, nada de afinadores. Back to the real thing! Tudo é marcado pela improvisação e permeado pela informalidade e zoeira típica dos bluesmen do Delta, risadas para cá e para lá, sem contagens para introduções, sem muita preocupação com as métricas ou os finais. Blues! O mais próximo possível dos heróis como Muddy Waters, John Lee Hooker, Howling Wolf, que saíram das plantações de algodão para Chicago.
Em Going Down South (além do well well well típico do outro RL), Boyce pergunta várias vezes ao final How about it? How about it? para saber se o take serviu!
É um documento.
Abraço