NUNO MINDELIS
Concorrente no Grammy na categoria Best Contemporary Blues, o álbum Robert Cray and Hi Rhythm foi gravado no Willie Mitchell Royal Studios, em Memphis, e conta com a cozinha dos “Hight Rhythm”, nada mais nada menos que os irmãos Charles Hodges (hammond, piano) e Leroy Hodges (baixo) e também com Archie “Hubbie” Turner (teclados geral).
E quem são esses? Eram parte da house band de artistas soul do calibre de Al Green e outros da Stax. (Se você não conhece, leia sobre Stax, vale a pena). Geralmente usavam também os ‘Memphis Horns” (os metais da Stax, de Otis Redding e toda aquela constelação do soul), bem como Al Jackson, baterista da mesma constelação. Estão em pelo menos 20 discos de platina esses Hi Rhythm, que também já foram os “Hodges Brothers”
Portanto, Cray sentiu um arrepio especial ao gravar este disco, seja pelo estúdio (o mesmo dos anos 1970, onde essas preciosidades sonoras aconteceram sob a batuta de Willie Mitchell) seja pela companhia lá dentro!
O resultado é um trabalho especialmente bem gravado, com sonoridades e execuções deliciosas como era de se esperar, músicos que deveriam ser condecorados todos os dias. Em vez de assistirem ao ‘recesso’ – espero que só isso – da música como a conhecemos.
Aqui para nós, nunca me animei com Robert Cray a ponto de subir o volume no carro ou seja onde for, talvez pelo repertório meio ‘soul meloso, (com pitadas de bateria ‘disco’) que sempre o caracterizou. Mas atenção: é gosto, e em nada, nadíssima retira ou alguma vez retirou o respeito pelo profissionalismo e talento dele. Para alguém que ouviu Stax a partir dos 9 anos e ainda ouve como áudio de cabeceira até hoje, esse é o ponto, fica difícil ser impactado com qualquer outro soul para o resto da vida e digo-o sinceramente.
Mas neste disco a coisa mudou um bocado. Não sei se foi a produção (de Steve Jordan, que já havia produzido um disco Grammy winner de Cray), a voz do homem tem nuances e timbres inesperados, o canto está claramente refinado, quase lírico em alguns momentos e especializado. A idade faz isso, ah se faz!
Os timbres da Stratocaster, ainda que sempre na posição intermediária, marca registrada de Cray (que também nunca me animaram, eita sinceridade!) continuam na intermediária, mas vieram melhores, mais dark, mais muddy. Isso aparece logo na primeira faixa, The Same Love That Made Me Laugh. Nela, o mesmo Cray de sempre (meloso?), mas cantando para caramba e extremamente bem captado.
O timbre do Hammond e da Stratocaster, bem como a elaboração (e melodias e inflexões) do vocal pagam a música, estrategicamente jogada no começo para tocar na rádio. Até o solo foi deixado para o final, para fade out sem riscos, suponho. Nos dias de hoje, um solo no meio da música pode ser considerado crime e proíbe execução, eu diria! Para que foi estudar e tentar ser virtuoso, seu bobo! Nada de solos!
A segunda faixa, You Must Believe in Yourself, entrou no lugar errado, arrisco dizer. Poderia ser a quinta, sexta ou última. Mas como é ‘groovadinha” foi eleita. A terceira, I Dont’t Care, teria encaixado melhor, é o groove em que Robert Cray deita e rola, a praia dele, a onda onde se nota que ouviu Otis quando era menino, aposto nisso.
Aspen, Colorado, faixa 4, é tratado de música bem bem tocada, bem timbrada, bem gravada, bem produzida. Melosa ou não, é isso. O disco vai melhorando bem a partir daí, aparentemente. Ouça Just How Low. Eita! Por que não abriu com isso? Bom, sabemos. Nessa eu subiria o volume. Baixaria só no refrão. Dispensável. Mas toda a música precisa de um não é?
I’m With You, faixa 7, é a sintese da música americana. Está ali tudo, desde o Delta do Mississipi, da plantação de algodão, da missa de escravos, até os bares ruidosos de Chicago na década de 1960, o canto repetição, o pastor e os fiéis, Congo Square! Só faltou John Wayne. Caso tenha faltado.
A faixa 10 começa com Fade in (a 11ª e última também) gosto dessas coisas. Por serem ao vivo. Lembram-me quando ouvi You’re Mean de BB King, aos 10, e nunca mais fui o mesmo. E é uma faixa diferente. Tem ácido. Ou limão. Experimente.
Abraço, pessoas que lêem e ouvem!