JONATHAN VINCENT
Fotos: Jeremy Deputat
O melhor show de hip hop que já vi na vida foi Nas no Lollapalooza 2013. Nem mesmo toda a classe de Kanye West no SWU 2011 é capaz de ser melhor que o lendário rapper nova-iorquino mandando seus maiores clássicos reproduzidos com maestria para uma, infelizmente, pequena plateia que o viu na tenda dedicada à música eletrônica daquela edição. A mítica apresentação é ainda mais especial porquê não há qualquer registro dela no famigerado YouTube. O que resta é a memória de um dos maiores nomes do rap mandando rimas com precisão cirúrgica.
Confesso que não estava tão empolgado com Eminem nesta edição de 2016, mesmo que muito feliz que os organizadores do festival tenham dado um espaço tão grande para um artista de hip hop (agora só falta trazer mais de um nome relevante do gênero por edição). O rapper de Detroit não tem mantido a mesma qualidade nos últimos discos, deixando a desejar desde o magnífico The Eminem Show, de 2002 (apesar de Relapse ter sido ao menos acima da média).
Entretanto, assim que ele entrou no palco para executar as rimas de Won’t Back Down (que na versão original do fraco Recovery são acompanhadas pela voz da cantora P!nk), minha boca e a de vários críticos foram caladas. A incrível energia dele e seu hype man Mr. Porter (integrante do saudoso D12) já era de se esperar, mas a combinação das rimas bem executadas de Marshall Matters em conjunto com sua competente banda é algo de se aplaudir em pé.
Quem viu Nas em 2013, logo percebeu do que se trataria o restante do show. Os dois fazem parte de uma geração de rappers que realmente levam a sério o sentido literal da palavra rap: ritmo e poesia. Eles querem os fãs ouvindo cada palavra cuspida com raiva no microfone sendo bem clara e o mais parecido possível com as gravações originais. Afirmando seus status como maiores nomes do gênero, eles são os verdadeiros MCs e merecem um espaço no hall da fama do hip hop.
Após mandar a violenta 3 A.M. relatando uma série de assassinatos cruéis, a brincadeira ficou melhor ainda quando músicas boas de verdade de Eminem foram executadas. Square Dance, Business, Kill You e White America remetem à melhor época da carreira, no começo dos anos 2000, na qual ele lançou os essenciais The Marshall Matters LP e The Eminem Show. Na sequência, Mosh e Evil Deeds (ambas do mediano Encore) continuaram o maravilhoso espetáculo no palco Skol. A plateia quase que uniformizada com camisetas do artista vendidas nas lojas do festival ocupava um imenso espaço do Autódromo de Interlagos.
Quem ainda duvidava de Eminem, não teve mais argumentos para tanto quando ele mandou ao vivo Rap God, uma canção do recente The Marshall Matters LP2 (que não chega nem aos pés do primeiro, aliás), na qual ele mostra uma incrível rapidez na hora de rimar. A tão esperada parte foi recebida aos gritos dos fãs impressionados com a maestria do rapper, marcando um dos pontos altos da noite.
Durante todos os 90 minutos da apresentação, um telão gigante combinado com efeitos pirotécnicos trataram de dar um show visual equivalente ao que o artista mandava no palco. Mesclando canções clássicas às mais novas, Eminem tratou de agradar fãs de diferentes de gerações. Até mesmo as canções dos discos mais fracos ficaram ótimas graças ao cuidado que ele teve em executar as rimas de forma tão perfeita, além dos ótimos arranjos da banda que lhe acompanhava. Por falar em companhia, o rapper Royce da 5’9″, conterrâneo de Eminem e parceiro no projeto paralelo Bad Meets Evil, surpreendentemente subiu ao palco para cantar sua parte nas colaborações Detroit Vs. Everybody e Fast Lane.
Agora, o que dizer de uma música que chegou a criar um termo específico dentro do hip hop? Coincidentemente, Nas já fez isso com Ether, sua provocação soberba para cima de Jay-Z durante a já resolvida rivalidade entre os dois. As rimas eram tão potentes e humilhantes, que Ether se tornou um termo para denominar quando um rapper é “assassinado” em uma música. A coincidência é maior ainda ao lembrar que Nas diz “Eminem te assassinou na sua própria música” na letra do clássico de 2001, mencionando a parceria de Renegade (na qual o verso de Marshall é infinitamente melhor do que a parte do marido da Beyoncé).
Para a estrela da noite, seu equivalente é a perfeita Stan, na qual ele descreve as cartas de um fanático admirador que acaba machucando todos em volta graças ao seu louvor por Eminem. Quando o refrão entrou em cena, logo me lembrei que na época de seu lançamento, a canção estabeleceu o rapper como um dos maiores nomes de todos os tempos do hip hop graças às rimas afiadas e a composição emocionante.
Até então, Slim Shady (o controverso alter ego do artista) era quem tomava as rédeas da carreira com letras engraçadas e para lá de ofensivas. Infelizmente, assim como boa parte das 33 canções da noite, apenas metade do clássico foi executado. A climática segunda parte com o fã matando a própria namorada e Eminem finalmente respondendo suas bizarras cartas é um dos grandes momentos da história do hip hop, sendo indesculpável a ausência dela.
Alternando entre diferentes época da carreira, o rapper nascido em uma das regiões mais violentas dos EUA continuou a empolgar todos na plateia, independente do fanatismo. Conhecido por não ser lá muito respeitoso com as mulheres em suas letras, ele ao menos dedicou à elas a popular Love The Way You Lie. O relato de um relacionamento abusivo repleto de drama das duas partes ganhou as estações de rádio e paradas de sucesso na época do lançamento, entoando coros apaixonados por parte da plateia quando foi executada.
Outro ponto alto da noite foi My Name Is, The Real Slim Shady e Without Me em sequência- três canções cantadas sob a perspectiva do ofensivo Slim Shady. Ouvir as barbaridades ditas pelo personagem em um 2016 no qual os movimentos sociais e o chamado “policamente correto” tomou conta é bem bizarro e nos faz lembrar de uma época onde tudo era diferente (para o bem e para o mal).
Ironicamente, em seguida ele passou uma mensagem positiva sobre sua batalha contra as drogas em Not Afraid, canção que iniciou uma fase mais careta e menos polêmica do rapper. Para fechar a noite, a intensa Lose Yourself, trilha sonora do filme 8 Mile – estrelado e levemente baseado na trajetória de Eminem. De quebra, ele tratou de cumprir a promessa de uma piada feita no Facebook.
Sobre a infame Fack fechar a noite (a música aparece na coletânea Curtains Call: The Hits e traz uma hilariante imitação de Eric Cartman junto de peripécias sexuais). Apesar de ter cantado apenas um trechinho do refrão, essa foi a primeira vez que Eminem a cantou ao vivo!
No final, era notável que boa parte do público havia realizado um sonho ali. Quem não fazia parte desse grupo, ao menos tinha se divertido bastante com os sucessos incluídos no setlist de 33 canções. No meu caso, foi excelente novamente ver um MC de verdade no palco, como em 2013 com Nas.
Eminem vestia uma camiseta do heróico trio Beastie Boys durante a última parte do espetáculo, grupo cujo a influência é enorme ao artista e nessa cultura de mandar rimas sem o auxílio de auto-tunes, playbacks, entre outras características do hip hop contemporâneo. Não me entenda errado, o gênero vive um momento incrível com cada vez mais rappers de estilos distintos ganhando espaço. Mas nada se compara ao MC velho de guerra usando o microfone da forma mais crua possível.
Alternando entre o careta e completamente insano, Eminem se encaixa perfeitamente em um dos versos mais conhecidos dos Racionais MC’s: “Cada palavra vale um tiro, eu tenho muita munição/Na queda ou na ascensão, minha atitude vai além/E tem disposição pro mal e pro bem”. Descreve muito bem um dos melhores rappers de todos os tempos.
Set list:
Won’t Back Down
3 a.m.
Square Dance
Business
Kill You
White America
Mosh
Evil Deeds
Rap God
Kings Never Die
Just Don’t Give a Fuck
Criminal
The Way I Am
Detroit Vs Everybody
Fast Lane
The Hills (The Weeknd remix)
Airplanes, Part II (B.o.B remix)
Stan
Sing for the Moment
Like Toy Soldiers
Forever
Love the Way You Lie
Phenomenal
Berzerk
‘Till I Collapse
Cinderella Man
The Monster
My Name Is
The Real Slim Shady
Without Me
Not Afraid
Lose Yourself
Fack
1 Comment
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Luciana
23 de março de 2016 at 00:01
Excelente artigo! Muito informativo e impressões parecidas com as que eu tive. Show superou minhas expectativas.