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U2: Uma banda “antiga” de coração “jovem”

CASSIO AMPER
Foto: Manuela Scarpa / Brazil News

Assisti ao show de comemoração dos 30 anos do importantíssimo disco The Joshua Tree, da banda de folk mais pesada do mundo (palavras de Bono, não minhas!), ontem, no Estádio do Morumbi, em São Paulo. Senhoras e senhores, o U2, pelo menos no Brasil (ou seria especialmente?), é a maior banda de todos os tempos em atividade. E cientes do fracasso crítico e comercial do último disco, Songs of Innocence, tiveram a feliz ideia de comemorar o disco mais relevante de sua carreira, responsável por pelo menos três dos seus maiores hits, e pelo seu maior sucesso, With or Without You. O disco foi tocado na íntegra, como esperado. Vamos aos detalhes técnicos.

Pra início de conversa, vamos chegar num consenso: não dá mais pro Morumbi. Definitivamente, não serve mais para shows grandes. A dificuldade de transitar pelo local, poucos acessos, muitos carros, guardadores a preços exorbitantes, táxis exploradores e a falta de sinal pra chamar o Uber (com tarifa triplicada e em escassez) tornam a experiência de chegar e sair da área algo muito, muito frustrante, fisicamente massacrante. Um constante cheiro de esgoto circundava o local em toda sua extensão – e não se pode culpar somente os cavalos da polícia montada por isso. Algo de podre está no ar (e no bairro). Bom, pelo menos a cerveja era Boadweiser (ufa!) e aceitava cartão. Deus nos livre da Eitaipava.

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O estádio é oval, o que faz qualquer lugar sentado, e do “meio de campo” pra trás, impraticável pra quem deseja VER alguma coisa das bandas. Abordarei o som mais adiante.

Na abertura, diante de uma repentina ventania que chegou a assustar a plateia sem capa de chuva no bolso, Noel Gallagher e seus High Flying Birds executaram seus maiores hits, e claro, hits de sua ex-banda, o Oasis, momento celebrado e cantado em uníssono pela audiência. Por outro lado, o público até que respondeu bem às músicas ainda desconhecidas da maioria; curiosamente, ele homenageia Gabriel Jesus, estrela de seu time, o Manchester City, com a última música, AKA… What a Life!

Um show rápido, eficiente, com a “frieza” habitual, mas completamente coerente com o show principal, o que soma muitos pontos positivos. Nesse aspecto, o U2 tem uma vantagem enorme: sempre traz grandes bandas emergentes no cenário para fazer o número de abertura, nos poupando de shows manjados de artistas nacionais cansados e sem inspiração, ou de surpresas desagradáveis (não é complexo de vira-lata, é constatação. Adoraria ver uma banda nova e nacional arrepiar num show de abertura pra uma banda enorme, e assim dar uma revigorada na cena, mas não tá rolando, amigo.)

Por se tratar do U2, o som estava melhor do que o esperado. Nítido e cuidadosamente planejado, como é de costume com a banda. Mas em qualquer outro caso, de bandas que não levam seu próprio equipamento, é certo que o som seria um embolo só. Não foi, desta vez. O visual também foi salvo, por conta do gigantesco telão em altíssima definição, operado com maestria.

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Sabemos que o U2 domina a arte de se tornar mais do que uma banda tocando num palco, é um espetáculo visual diferente a cada turnê, e apesar de algo mais “tradicional” do que palcos centrais e circulares, ainda assim, foi impressionante – e um alívio para quem estava sentado nas cadeiras e arquibancadas. Exceto talvez pelo início do show, aberto com uma sequência preciosa de clássicos (Sunday Bloody Sunday, New Years Day, Bad e Pride), que foram executadas no palco menor, mais próximo do público, com o telão desligado. Quem estava sentado, viu formigas.

Quem estava na pista, para trás da cabine de som, foi atrapalhado por uma espécie de área vip Global, com presenças “ilustres” de Galvão Bueno e esposa, Luciano Huck, e o ator americano Owen Wilson, e mais um séquito de sub-celebridades e convidados de relevância zero, que nesse “cercadinho”, se amontoaram e roubaram a visão de praticamente todos num ângulo de pelo menos 120º. Infeliz ideia da organização.

Na sequência, já no palco principal, o álbum título da turnê foi executado na íntegra, agora acompanhado pelo telão enorme, uma verdadeira parede visual de altíssima definição, que encheu os olhos de quem estava perto e longe.
Nesse momento pude perceber algo que não tinha me dado conta: o U2 é uma banda com dissociação proposital de personalidade.

Os fãs da velha guarda se deliciaram com o disco rolado na íntegra, enquanto que os fãs mais novos (e eram muitos), observavam embasbacados pelo telão e pelo fanatismo, mas sem cantar junto – o que automaticamente representa uma sequência interminável de filmagens e fotos de celular, o que INFELIZMENTE se tornou uma instituição nacional em shows, pouca gente reclama, a maioria absoluta replica o comportamento – até os mais prejudicados pela altura ou ponto de vista.

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Até aí, a banda apresenta uma postura direta, poucas explicações, pouco papo, direto ao assunto. Exceto por um momento sui generis, onde um trecho de filme velho oeste é exibido, onde um personagem de caráter duvidoso chamado de TRUMP faz um discurso apocalíptico, alardeando a construção de um muro. Diretaça. Confesso que não sei se o trecho do vídeo foi dublado ou é uma coincidência dos infernos, mas foi engraçado, e percebíamos a semente ali plantada. Mas era a banda exatamente como era na época: banda “recente”, mas que era considerada revolucionária, uma banda folk com atitude punk, aquele lance sonhador romantizado de mudança, sem o apelo pop que define a banda e seu frontman na atualidade. Bono estava aprofundado na cultura e contra-cultura americana na época do lançamento do disco, e isso é bem referenciado e lembrado com os “clips” no telão durante o show.

Entre as músicas, Bono canta trechos de Bowie, cita Cazuza e Renato Russo num trecho de Heroes, canta também Rebel Rebel, e assim ajuda a reconquistar os fãs mais velhos que talvez estivessem desconfiados ainda.

Terminada a primeira parte do show, a banda retorna com seus três hits de maior relevância dentro da “fase 2”. Aí, surge o Bono atual: falante, populista, o messias que muitos esperam para ver, e outros prefeririam que simplesmente ‘calasse a boca e tocasse’. Sim, porque os há. E aí é estouro de boiada: o estádio canta junto em coro, pula, comemora como aquele gol no fim do segundo tempo que dá o título pro time da casa. É contagiante, não se pode negar. Fica claro que é o prêmio para a nova geração de fãs, pela paciência.

Mais uma parada estratégica, e a banda retorna para mais três hits, e dessa vez a mensagem política vem
com força: em Ultraviolet, Bono homenageia as mulheres do mundo, e o telão (desta vez rosado), mostra imagens de mulheres revolucionárias e relevantes para o feminismo em geral. Aparecem as brasileiras Tarsila do Amaral, Maria da Penha, Irmã Dulce, e – realmente fiquei sem entender – Taís Araújo (coméquié?!). Enfim….

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Bono ainda elogia o país pela iniciativa de remédios genéricos e tratamento gratuito para HIV. Até o discreto baterista Larry Mullen Jr., aparece em destaque no telão com uma camisa de Censura Nunca Mais, e o público mais novo enlouquece, grita Fora Temer, e aí fica evidente que essa postura de Bono é totalmente adaptada à realidade desses fãs mais recentes, o que curiosamente combina com o espírito que envolve a alma do disco. Nessa confusão entre banda veterana e disco inovador (à época), parece que as coisas formam um ciclo completo.

Ainda que pareça que Bono sempre faça uma breve atualização rasteira a respeito do local onde vá se apresentar – e nisso me sinto com propriedade para confirmar, já que é meu sexto show da banda em três tours diferentes – com a intenção de dar o tom messiânico ao show (afinal sabemos que as discussões envolvidas são mais profundas do que simplesmente “escolher um lado”), a coisa se encaixa perfeitamente no contexto. O disco tinha esse espírito de revolução, e à época, convocou muita gente pra essa postura. Talvez, os mesmos que hoje, mais adultos, entendam que havia muito de romance e pouco de realidade nos discursos, e com isso se irritem com essa pose de “Embaixador do mundo” do frontman. O que é, de certa forma, uma leve hipocrisia – mas quem é que não tem sua cota?

Noves fora, o que os fãs viram foi uma banda madura, mas que resgatou o espírito do disco, ou seja, a proposta foi cumprida. A tecnologia parece cobrir as lacunas deixadas pela perda de jovialidade natural da banda, uma forma “artificial’ de magia do palco, mas válida. Não deixa de ser um show impressionante.

E nessa dissociação de personalidade, entre o populismo romântico que agrada aos jovens ‘rebeldes’, e a maturidade nostálgica que atrai os fãs da “velha guarda” o U2, ao menos no Brasil, continua a mover montanhas de gente, que vem de todos os cantos do Brasil, enche hotéis, e para São Paulo – para o bem e para o mal.

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A banda ainda tem mais três shows no Estádio do Morumbi, sábado (21), domingo (22) e quarta-feira (25). Alguns ingressos foram liberados pela produção e estão disponíveis no site da Tickets for Fun.

Set list do U2
Sunday Bloody Sunday
New Year’s Day
Bad (com trechos de O Alquimista e Heroes)
Pride (In the Name of Love)
Where the Streets Have No Name
I Still Haven’t Found What I’m Looking For
With or Without You
Bullet the Blue Sky
Running to Stand Still
Red Hill Mining Town
In God’s Country
Trip Through Your Wires
One Tree Hill
Exit
Mothers of the Disappeared

Bis:
Beautiful Day (com trechos de Starman)
Elevation
Vertigo (com trechos de Rebel Rebel)

Bis 2:
You’re the Best Thing About Me
Ultraviolet (Light My Way)
One

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Set list do Noel Gallagher
Everybody’s on the Run
Lock All the Doors
In the Heat of the Moment
Riverman
Champagne Supernova (Oasis)
Holy Mountain
Half the World Away (Oasis)
Little by Little (Oasis)
Wonderwall (Oasis)
Don’t Look Back in Anger (Oasis)
AKA… What a Life!

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