O advogado gaúcho Leandro Porto, colaborador do Blog n’ Roll, acompanhou a estreia da turnê The Wall, do Roger Waters, no Brasil. O show foi em Porto Alegre, no último domingo, e ele conta o que cariocas e paulistas vão assistir nesta semana. A turnê ainda passa por Rio de Janeiro, na quinta-feira, e São Paulo, no domingo e terça-feira (3 de abril).
Por Leandro Porto*
Esqueça tudo que você já viu sobre música. Isso mesmo. O que Porto Alegre testemunhou na noite do último domingo (25) entrou pra história dos grandes eventos musicais da capital gaúcha. Cerca de 30 mil fãs vibraram com a ópera rock do ex-Pink Floyd, Roger Waters.
Antes da celebração, no entanto, problemas. O show do guitarrista que estava marcado para as 20 horas infelizmente atrasou. A produção do evento preocupou-se mais com a divulgação e venda de ingressos do que com a organização do show. Pouco mais de meia hora para o horário previsto para o início do espetáculo, duas filas quilométricas serviam como indicativo inequívoco: seria impossível que o público conseguisse adentrar a tempo no Estádio Beira Rio.
Felizmente, apesar da pontualidade típica dos britânicos, pesou o bom senso e a solidariedade do artista, que prontamente aceitou atrasar o início do concerto – fato anunciado pelos altos falantes, abaixo de fortes vaias dirigidas à produção do evento.
Já dentro do estádio, o público depara-se com o imponente muro erguido de uma forma a fazer inveja à construtora Andrade Gutierrez, responsável pela reforma da casa dos colorados. Por volta das 20h40, as luzes se apagam e o público pensa que daria início o show de Roger Waters. Ledo engano. Não era. Não foi. O que o público presente pode testemunhar foi uma verdadeira experiência musical como nunca antes vista.
In the Flesh abre a ópera rock com um Roger Waters de óculos escuros, longo casaco militar, conclamando o público como um comandante bradando à sua tropa. O muro é um personagem à parte. Projeções em altíssima definição sobre ele acabam por criar uma disputa com o ex-Pink Floyd quanto ao protagonismo da noite. Um telão fixo ao fundo do palco apresenta a imagem de dois martelos cruzados, enquanto pessoas desfilam com bandeiras vermelhas em cima do muro.
Ao comando de Roger Waters, dois canhões de luzes acendem-se no palco como que tentando identificar um avião sobrevoando o local – e o som que ecoa por todo o estádio é exatamente esse. Fogos de artifício incendeiam no palco ao final da canção de abertura, que encerra com a réplica de um avião chocando-se e explodindo em pleno palco.
O roteiro do show basicamente segue o álbum. Ou seja, logo de cara, o público é brindado com as clássicas Another Brick in the Wall, Pt. 1, The Happiest Days of Our Lives e Another Brick in the Wall, Pt. 2. A transição é simplesmente brilhante! De um início como numa penumbra, tendo destaque através de uma luz vermelha, a apresentação avança à parte de The Happiest com uma marionete gigante junto ao palco em alusão a um professor opressor.
No tão esperado momento por todos de cantar em coro “we don’t need no education/We don’t need thought control”, um coral de crianças de uma ONG participa da interpretação, apontando contra o boneco do professor.
Após, Waters assume o violão e canta em homenagem ao brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia londrina, dedicando a ele o show – a família do jovem estava presente assistindo ao show em Porto Alegre.
Após uma hora (que mais pareceram 5 minutos), chega o intervalo, com o muro já inteiramente erguido. Imagens com fotos de pessoas falecidas na guerra ilustram o muro.
HeyYou anuncia o retorno para a segunda etapa com Waters e banda por atrás do muro. Is There Anybody Out There – questiona Waters por meio de um bloco retirado em meio ao muro. Já a frente do muro, Waters, à direita do palco, numa réplica de quarto, interpreta com intensidade Nobody Home.
Outro momento de grande destaque é a performance de Confortably Numb, com dois músicos acima do muro substituindo David Gilmore, intérprete original do trecho – é fantástico quando Waters bate com seus braços contra o muro gerando uma projeção como se o muro ruísse, revelando uma paisagem por trás dele.
Enquanto Eric Clapton em sua visita a Porto Alegre fez jus à reputação britânica (pontual e frio), Porto Alegre recebeu um simpático e performático Roger Waters que, além de atrasar propositalmente seu espetáculo em respeito ao público que se esforçava para adentrar no estádio, ainda arriscou-se a fazer uma saudação inicial e agradecimentos em português.
Assistir The Wall Live é como estar dentro de um videoclipe. Seja pelos bonecos gigantes (incluindo um porco/javali inflável que sobrevoa a segunda metade do espetáculo), seja pela qualidade impressionante de som e efeitos especiais em geral, que, por vezes, leva à impressão de que realmente há aviões, helicópteros e rajadas de metralhadoras por todos os cantos.
Na pista o público comenta: “- Ele canta mal, né?”. Sim, canta e talvez esse seja exatamente um dos segredos de porque The Wall Live funciona tão bem com Roger Waters. Não se trata simplesmente de um show saudosista. De um disco conceitual e intimista, Waters encontrou a medida certa de fazer tudo atual, desde as referências ao mundo cibernético, críticas ao capitalismo e ao terrorismo de Estado, a síntese vem do próprio criador que em meio ao show afirma ter criado um disco para ele, mas que agora vê que é um disco de Jean Charles e de outras tantas vítimas.
O final é impactante, com a queda do muro – perfeita como o seu levantamento.Out side the Wall com a banda toda reunida – incluindo o filho de Roger – marca a despedida daquele que talvez tenha sido o maior espetáculo testemunhado pelos amantes do rock em Porto Alegre.
Dizem que o artista cria a obra, mas depois ela tem vida própria. The Wall têm 32 anos – a minha idade – e ainda segue um adolescente rebelde, recusando-se a envelhecer, negando a sua temporalidade, utilizando o tempo como um catalisador para a crítica do modelo de sociedade ainda vigente.
No meio do caminho havia um muro, só que Waters mostrou o outro lado. Se por um lado seu muro não mais existe, assim como o longo muro da Mauá que recebe quem chega a Porto Alegre, criado para evitar enchentes como a de 1941, a lembrança daquela noite de 25 de março persistirá na memória por longa data para aquelas privilegiadas testemunhas de que o rock não morreu.
Set 1
In the Flesh?
The Thin Ice
Another Brick in the Wall Part 1
The Happiest Days of Our Lives
Another Brick in the Wall Part 2
Mother
Goodbye Blue Sky
Empty Spaces
What Shall We Do Now?
Young Lust
One of My Turns
Don’t Leave Me Now
Another Brick in the Wall Part 3
The Last Few Bricks
Goodbye Cruel World
Intervalo de 20 minutos
Set 2
Hey You
Is There Anybody Out There?
Nobody Home
Vera
Bring the Boys Back Home
Comfortably Numb
The Show Must Go On
In the Flesh
Run Like Hell
Waitig for the Worms
Stop
The Trial
Outside the Wall
Another Brick in the Wall em Porto Alegre (vídeo postado por fmboth)
*Leandro Porto é gaúcho, gremista fanático e advogado.