Em 16 de agosto de 1977, Elvis Presley foi encontrado morto em sua mansão, em Memphis, nos Estados Unidos. Quarenta anos depois, no entanto, o legado do Rei do Rock segue firme e forte, inclusive, no Brasil. E ele não se diz respeito apenas aos inúmeros covers topetudos espalhados de Norte a Sul. De Roberto e Erasmo Carlos até Marcelo Nova ou Jerry Adriani até os gaúchos do Devils Throat, a lista é imensa. Diretamente ou indiretamente, todos carregam em seu DNA um pouco do Rei..
“Talvez a grande influência que um artista pode ter sobre o outro é exatamente influencia-lo a ser original. Mas no caso do Elvis, acho que ele é o artista mais imitado do mundo, como a gente pode ver em tantos covers por aí. Os Beatles, o Roberto, o Erasmo são artistas ultra influenciados por ele que não são cópias, por exemplo”, comenta o vocalista da banda carioca radicada em São Paulo Autoramas, Gabriel Thomaz.
O músico diz que é impossível separar o Rei do Rock de suas influências e afirma que gosta de todas as fases do músico. “Pessoalmente acho o mais legal ele de terninho, anos 1950, topete gigante, que a TV não podia mostrar sua pélvis e sua dança ultra lasciva para a época. Pra mim essa é a principal marca. Mas o Elvis é o primeiro artista da juventude, a voz de negro, a interpretação, todas as barreiras que ele quebrou. Difícil apontar só uma coisa num artista tão completo”.
O jornalista Eduardo Molinar, autor do livro Rockabilly Brasil, que narra toda a história do gênero no País, reforça o coro da importância de Elvis. E aponta uma banda conterrânea como uma das mais impactadas pelo topetudo.
“A influência de Elvis é presente em diversas bandas no Brasil. Uma das mais notáveis é na Devils Throat, de Santa Maria, cujo som tem influência direta do rockabilly e rock and roll de Elvis Presley. Os integrantes possuem identificação no som, visual e estilo de vida”.
Para Molinar, a grande diferença das bandas de rockabilly em geral desde os anos 1950 para Elvis é a versatilidade musical do Rei.
“Uma banda de rockabilly dificilmente fará grandes misturas de ritmos. Se misturar será com psychobilly ou punk rock talvez. Elvis, apesar de ser conhecido como Rei do Rock, não tinha essa obrigação. Ele mesmo se via como um artista, um cantor não apenas de rock. Dessa forma, você ouvirá Elvis gravando gospel, country, funk, baladas e até mesmo sons oriundos da música mexicana. Ele não se prendia a um estilo, principalmente por causa da sua voz, que alcançava notas que outros cantores não alcançavam ou alcançam. Uma prova é que a voz de Elvis combinou com música eletrônica em A Little Less Conversation, remix feito pelo DJ Junkie XL.
O jornalista Alexandre Saldanha, integrante do Reverendo Frankenstein, que tem influências de rockabilly, afirma que todas as bandas de rockabilly são influenciadas por Elvis. “Além do repertório, a marca dele também está presente no visual dos rockers: topetes, costeletas e até nos blue suede shoes (sapatos de camurça azul). O psychobilly agrega outros referências como punk, surf music e metal, mas tem como base o rockabilly. Então mesmo com um visual mais agressivo, muitos dos mesmos elementos estão presentes na música e na estética deles”.
Saldanha acrescenta que as bandas de rockabilly brasileiras geralmente focam mais na primeira fase da carreira de Elvis, ainda na década de 1950.
“A levada de bateria, o uso do baixo acústico, os riffs de guitarra inspirados pelos do Scotty Moore (guitarrista que acompanhou Elvis nesse período), além da voz grave encorpada e o visual são as principais características”.
Para Luiz Teddy, do Coke Luxe, seja na música ou no visual, o DNA do rockabilly é o mesmo do Rei. “São muitas bandas e cantores que conheço influenciados pelo Elvis”. E Luiz utiliza exemplos próprios para mostrar como não é conversa da boca pra fora.
“O Run Devil Run, banda de covers que faço parte, regrava com uma pegada mais pesada e nervosa diversos sons dos primórdios do Elvis, da época da Sun Records. Durante o show contamos um pouco da história e das influências do Elvis. No Krents, outro projeto meu, desta vez de psychobilly, temos mais de 20 anos. Além de ter apresentado nos shows alguns covers do Elvis, criamos um personagem que acabou virando o mascote da banda. Ele era uma espécie de múmia do GG Allin (cantor punk) que tentava roubar o título de Rei do Rock and Roll do Elvis. Isso acabou virando um curta em uma mostra de filmes”, comenta Luiz Teddy.
O vocal da Coke Luxe ressalta que houveram mudanças em várias coisas, na comparação com Elvis, mas os vestígios seguem presentes. “Hoje em dia a sonoridade musical é outra, os tempos são outros. São poucos estúdios que conseguem aproximar a sonoridade que era capitada como antigamente, principalmente nas gravações. Mas dentro da cena rockabilly, acho que as principais características ainda são as vestimentas, o topete, em relação às bandas os instrumentos musicais e posturas no palco”.
Movimento forte no Sul
Guitarrista do Devil’s Throat, Alexandre Niederauer Rossi acredita que a tendência retrô de pin ups, jaquetas, coleção de carros antigos, topetes e a própria sonoridade dos 50’s têm ajudado na formação de um cenário rockabilly forte no Rio Grande do Sul.
“Tem um movimento começando, mas muito underground, só não aparece na grande mídia. E é o rockabilly do Elvis a essência disso. O Elvis se destacou pela personalidade. Ele foi o primeiro rock star da história. Enquanto todos usavam terno e gravata, o Elvis estava vestindo um terno dourado. Ele rebolava em uma época onde se tocava sentado para fazer o pessoal dançar”, comenta Rossi.
De acordo com o músico, Elvis não pode ser considerado o inventor do rock, mas o cara que disseminou a atitude rock and roll. “Acho impossível o Jimmy Page (Led Zeppelin) usar aquela roupa se o Elvis não tivesse mostrado isso antes. A atitude dele de ir contra ao que todos queriam chamava a atenção. Steven Tyler não ia se movimentar ou usar aquela roupa se não fosse o Elvis também”.
ALGUMAS BANDAS NACIONAIS COM O DNA DO REI DO ROCK
Coke Luxe
Considerada a primeira banda brasileira de rockabilly, a Coke Luxe começou em 1981, com o lendário Eddy Teddy nos vocais. Hoje, 20 anos após o falecimento de Eddy, o seu filho Luiz Teddy mantém o legado da banda vivo. Luiz é o vocalista do Coke Luxe, que tem show marcado em 15 de setembro, no Sesc Belenzinho.
“O Coke Luxe popularizou o rockabilly no Brasil, que foi o termo designado para definir o estilo do Elvis. Na época, era uma mistura do country e do blues, mas também fazia uma referência ao rock ability (um branco com habilidade dos negros para fazer rock and roll). Além disso, a banda fez diversas versões de músicas regravadas pelo Elvis com letras em português, retratando com um tom de humor um pouco da vida dos brasileiros em uma época de crise bem parecida com a atual”, comenta Luiz Teddy.
Devil’s Throat
De Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o Devil’s Throat é, provavelmente, uma das bandas mais Elvis Presley possível no Brasil. Como ressaltado pelo jornalista Eduardo Molinar, a influência não está apenas no som. Visual, modo de vida, tudo do Rei do Rock passa por eles.
E mesmo com tantas semelhanças, os caras ainda conseguem se manter originais. Não são mais um cover, como inúmeros encontrados por ai, em grandes shows, cruzeiros ou mesmo passeando pelas ruas em busca de fotos.
“É uma banda de amigos que sempre cultivou a cultura do rockabilly. Hoje não trabalhamos com sons próprios, mas com covers dos anos 1950 e bandas que fazem remasterizações daqueles sons. Tentamos mostrar toda a cultura envolvida, a coisa de colecionar carros antigos, tudo. Não é só blue suede shoes. O Molinar expressa isso muito bem no livro dele. É algo que vai muito além da Jovem Guarda, que mais me parece uma piada, uma cópia do que era feito lá fora”, comenta o guitarrista Alexandre Niederauer Rossi.
Relativamente nova – iniciou a carreira em 2015, a Devil’s Throat mantém em sua formação os músicos José Luiz Poletto Filho (voz e violão), Alexandre Niederauer Rossi (guitarra), Mateus Trindade (contra-baixo) e Rafael Lopes (bateria).
Old Stuff Trio
De Sapucaia do Sul, bem próximo de Porto Alegre, a Old Stuff Trio tem muita influência de rockabilly e música country norte-americana. Com três discos lançados no Brasil e no exterior, a banda já fez diversas turnês pelo país e também pela Europa e Estados Unidos.
Recém terminada, a banda trabalhava como ninguém a transição do country para o rock and roll. Em seu line up contava com músicos bem conhecidos do cenário como Juliano Cashless, Billy Joe Rocker e André Kavera.
Em seus momentos históricos pode ressaltar as apresentações nos dois maiores festivais de rockabilly do mundo, o Hemsby na Inglaterra e o Viva Las Vegas em Las Vegas. Na ocasião, dividiram o palco com nomes como Brian Setzer, Dick Dale, Restless, Sleepy La Beef e Polecats.
Em Jackson, Tennessee, a banda fez uma apresentação histórica no International Rockabilly Hall of Fame, sendo a primeira banda do Brasil a receber a honra máxima do rockabilly mundial, agora imortalizada em seu museu internacional.
Lennon Z and The Sickboys Trio
Não muito distante de Sapucaia, o Lennon Z and The Sickboys Trio, de Canoas, está na ativa desde 2008. Tem em sua formação Gus Sickboy na guitarra, Jones Ireland no baixo, Mr. Bow Tie na bateria e Lennon Z nos vocais e violão. O debute dos caras, Bastard Songs for Bastard People, saiu em 2015, com oito faixas autorais bem marcantes.
Ovos Presley
Não vá atrás dessa banda esperando ouvir A Little Less Conversation, Love Me Tender, Always on My Mind ou Blue Suede Shoes. A grande referência ao Rei do Rock está no próprio nome da banda. De Curitiba, um dos maiores polos de rockabilly e psychobilly no País, o Ovos Presley carrega como descrição um som psychopunk ‘a’ billyboogie. É pesado, cru e direto.
Na estrada desde 1993, o Ovos Presley sempre dividiu o espaço com nomes marcantes do cenário curitibano como Os Catalépticos e o Sick Sick Sinners. Mesmo que muitas das músicas tenham um peso extra na bateria e nas cordas, você provavelmente encontrará coisas que remetem ao baiano Marcelo Nova. E, como dissemos anteriormente, fortemente influenciado por Elvis.
Autoramas
Com quase 20 anos de carreira, o Autoramas tem como seu líder o vocalista e guitarrista Gabriel Thomaz, ex-integrante do extinto Little Quail and the Mad Birds. Com premiações e turnês pela Europa no currículo, a banda chegou a emplacar alguns hits na programação da MTV e Multishow, como Fale Mal de Mim, Carinha Triste e Quando a Polícia Chegar.
Em uma de suas últimas formações, o Autoramas contou com músicos experientes como Melvin Ribeiro (Carbona e mais uma centena de bandas cariocas) e Fred Castro (ex-baterista do Raimundos). Hoje, além de Gabriel, o Autoramas tem Jairo Fajer (baixo), Fábio Lima (bateria) e Erika Martins (vocal, guitarra, teclado e percussão). Erika é esposa de Gabriel e ex-vocalista da banda Penélope.