Quinta passada, às vésperas do lançamento do álbum Meninos & Leões da banda Dona Cislene, conversei com Bruno Alpino, vocalista e guitarrista da banda, sobre um monte de coisas: O processo de produção do disco, tatuagem, a cena de rock nova de Brasília e mais um monte de coisa bacana. Agora que o álbum saiu, vem saber como foi esse papo divertidíssimo entre brasilienses!
Isabela Taylor: Eu imagino que você esteja na maior correria, né? Véspera do lançamento do disco novo!
Bruno Alpino: Sim, mas é o que a gente tava esperando há mais de um ano!
IT: Pois é, vocês estão há muito tempo compondo…
BA: É, a gente tá… deve ter o que? Um ano e meio pensando em outro CD e tal, só que o disco anterior ainda tava muito recente, o Um Brinde Aos Loucos (2014), aí a demos uma segurada. Mas enquanto isso fomos compondo e tal, foi um disco que foi muito natural. Quando a gente viu, já estava com as dez músicas fechadas.
IT: Ouvi o disco de vocês e está super amarrado! Achei muito bom!
BA: Pô, você ouviu o disco inteiro? Nossa, até agora foi a primeira pessoa que deu esse feedback pra gente. [risos]
IT: Claro! E achei bem mais pesado do que o trabalho anterior. Era essa a intenção?
BA: Não foi a intenção, mas eu acho que é bem natural do que viemos ouvindo. A gente perdeu o medo de arriscar, sabe? Fazemos o que gostamos de fazer sem pensar no que vão achar ou qualquer coisa assim, entendeu?
IT: Maneiro! Eu gostei de várias músicas especificamente. É evidente que poderia falar muito da Tattooar, porque vocês até já lançaram como single no Spotify, tem clipe no Youtube… Aliás, vocês todos se tatuaram no clipe! Como é que foi isso?
BA: Cara, a grande realidade é que a gente já ia fazer a tattoo, né? [risos] Quando vimos a logo, que fizemos com o nosso designer (Henrique Meuren), a gente disse: “Cara, isso tá com cara de tatuagem, vamos mandar!” Sacou? Mas não caiu a ficha de que a gente tinha uma música sobre tatuagem e queria tatuar a logo. Então, quando falamos com o diretor do clipe, que é o Pedro Bedê, da Godzilla Filmes daqui de Brasília, meio que caiu. Durante um brainstorm, rolou um: “Ah, a gente queria fazer um clipe de uma música que fala sobre tatuagem…” Aí a gente falou: “Ué, a gente não ia tatuar a logo? Então vamos fazer tatuagem no clipe!” . E ela realmente foi feita no clipe! Enquanto o tatuador (Pablo Hermano) tava sendo filmado, ele tava mandando o preenchimento porque o traço é mais difícil. Foi muito massa!
IT: Nossa, super dá pra ver que foi feito na hora! A cabeça do baixista sangrando e tudo…
BA: É, sangrou bastante a da cabeça. Ele tá até aqui do meu lado! [risos] É engraçado porque todo mundo fala que na cabeça deve doer demais e depois a gente foi perguntar e ele disse que foi a que menos doeu. Acho que a que deve ter doído mais deve ter sido a do Paulo (baterista) ou do Gui (guitarrista). Todas são muito preenchidas, né? Menos a do Piauí (baixista), mas a dele, em compensação é na cabeça, né? [risos]
IT: Mas olha, vou te falar que a que eu mais gostei do disco todo, tirando Tattooar, foi Cidade Planejada. Vou te falar porque: Eu também sou de Brasília e, apesar de morar no Rio há muitos anos, quando falo que sou daí, as pessoas me tiram de ladra. E eu acho que é como vocês dizem na música, a cidade não é assim, ela foi manchada!
BA: Tem o maior preconceito, né? Essa era a ideia! Eu acho que com Ilha a gente fez uma música só falando muito bem de Brasília, dos pontos turísticos e tal. Já em Cidade Planejada a gente fala desse lance político mas sem ser uma coisa chata. Vamos falar que Brasília é uma cidade massa e que quem mora aqui não tem culpa dela ser do jeito que é, cheia de gente que rouba muito. A gente não tem culpa de morar numa cidade onde a corrupção corre solta. Até porque a maior parte das pessoas que estão aqui roubando não são daqui de Brasília.
IT: Eu ia falar isso agora!
BA: Ficamos putos também! A gente tá acostumado, já ouviu muito. Quando viajamos de carro com a placa de Brasília…. ixi! Até flanelinha vem dizer: “Ih, devem ter dinheiro pra caramba! Tudo filho de deputado…”
IT: Eu sei! O primeiro “véi” que eu falo já voa um cocô na cabeça!
BA: [risos] Pior que é mesmo!
IT: Falando em Brasília, a minha coluna no blog se chama Microfonia e aborda mais bandas novas, do cenário independente. Recentemente fiz um texto sobre bandas de Brasília, mas acabei até falando só de três bandas, porque senão ia me estender pra sempre. [risos] Tem muita banda nova agora por aí!
BA: Tem! A cena aqui tá muito forte. Muita banda aparecendo e com estilos bem diferentes. Não tá mais rolando aquela modinha que rolava antigamente de todo mundo tocando metalcore, ou todo mundo tocando indie rock. Cada banda tá surgindo numa vertente, num estilo que gosta. As bandas estão perdendo o medo de arriscar, parando de pensar no que vai agradar o público e começando a pensar no que gosta de tocar mesmo. E vendo a banda como empresa também, o que pra mim é o mais importante hoje em dia. A parte de fazer e tocar música é a parte gostosa pro músico, mas tem esse outro lance que hoje em dia você tem que ser a sua própria gravadora, seu próprio empresário, vender seu próprio merchandising. Tem que ter essa mentalidade. Não adianta ficar esperando alguém fazer, né?
IT: E muita gente não consegue fechar com um selo, né? Então precisa mesmo ter uma noção de mercado…
BA: Até porque empresário, gravadora… ninguém vai fechar com quem não tá num nível legal. Pra você chegar nesse nível, precisa trabalhar sozinho, entende?
IT: Mas fiquei muito feliz de ver que a cena brasiliense é feita por músicos muito novos mas que tem uma relação de proximidade muito grande com os famosos das outras gerações de Brasília. No caso do meu texto, eu falava dos Distintos Filhos que gravam com o Philippe Seabra (Plebe Rude) e depois descobri que vocês já trabalharam com o Dinho Ouro Preto (Capital Inicial), com o Digão (Raimundos) …
BA: Isso! Tem o Alexandre Carlo (Natiruts) também! Ele não é do rock mas o que ele já deu de força pra cena aqui é imensurável! É muito massa isso, porque eu acho que essa galera da “velha guarda” se preocupa muito em deixar um legado. Vai chegar uma hora que eles vão ficar mais velhos e é importante pra eles que o rock tenha continuidade. Eu vejo que sempre que o Dinho pode ele posta coisas de outras bandas que estão surgindo, como o Far From Alaska, por exemplo. O Digão também ajuda muito aqui… a gente tem o telefone dele, liga pra pedir sugestão pra música… é demais! Não tem esse palanque, sabe?
IT: E o Meninos & Leões sai amanhã! Como estão os preparativos?
BA: Eu não durmo há alguns dias. Sério! [risos] É engraçado porque às vezes as pessoas acham que é exagero, mas cara, pra gente que tá nesse processo de gravação, pré-produção, de composição das músicas… é muito tempo! A gente tá há quase dois anos nisso. Pensa que você olha pra trás e enxerga dois anos de construção. De repente você vê que o resultado desses dois anos vai ser divulgado amanhã! Depois de dois anos, amanhã a galera vai escutar o meu trabalho! É ansiedade, nervoso, felicidade… é muito bizarro! Olha, eu não tenho filho, mas acho que deve ser essa a sensação de esperar por um filho nove meses, ficar preparando o quarto, a roupinha… e aí o moleque nascer! [risos]
IT: E vocês já estão pensando em fazer turnê?
BA: Sim. A galera da Zeroneutro, o escritório que cuida da gente, é que está vendo isso. Estamos muito felizes de estar com eles. Porque é uma coisa que a gente não tinha no primeiro disco. Eu acho que do Um Brinde Aos Loucos pro Meninos & Leões a gente cresceu muito nesse sentido. Não é mais uma brincadeira de criança, né? A gente se diverte, claro, até porque, no momento em que o músico pára de se divertir tocando, fodeu. Quando começa a tocar só por trabalho, é que eu acho que algumas bandas começam a desmoronar. A gente começou a enxergar com mais responsabilidade isso que a gente tá fazendo. Não é mais só subir no palco, ficar muito doido, tocar de qualquer jeito e “quem gostou, gostou”. [risos] Fazemos as músicas pra mostrar para as pessoas, para entrar em veículos grandes também… porque é hipocrisia dizer que tem banda mas tá cagando pro que o público pensa ou se não vai tocar no rádio. A gente não trabalha com outras coisas, vive em função da banda. Tem que levar a sério, entendeu? Mas estamos muito felizes com esse disco, muito confiantes!
IT: E você tem alguma música favorita no disco novo? Alguma que tenha uma história especial?
BA: Eu tenho músicas favoritas para momentos diferentes. Uma pra show, outra pra ouvir no carro, outra pra mostrar para as pessoas… Não tenho uma só. Eu acho que vai acabar surgindo uma com o feedback da galera. Por exemplo, no primeiro disco, tinha a Má Influência. A gente gostava muito dela, mas a partir do momento em que a gente começou a tocá-la nos shows e as pessoas se identificaram muito, cantar muito, compartilhar nas redes sociais… ela passou a ser a nossa favorita. Por causa da troca de energia que tivemos com o público graças a ela. Tem músicas que a gente ama, mas as pessoas não compram a ideia. Tem músicas que eu gosto muito de tocar, outras que eu gosto muito de ouvir. Uma nova que a gente ama tocar, por exemplo é a Queime para Ler porque ela é muito pancada, eu amo ouvir 90 que tem uma pegada mais folk, mais relax…
IT: Sim! Que tem até um ukulele! Tomei até um susto quando ouvi. Não estava esperando…
BA: [risos] Eu toco ukulele! Não tenho a cabeça tão fechada pro rock n’roll. Até me zoam, tipo: “E essa calça vermelha aí? Não é roqueiro?” e eu digo: “Me deixa! Ser roqueiro é o seu espírito, a sua personalidade. Não é a roupa que você tá usando.” E eu amo praia, vou muito pra Floripa, pro Rio… e eu sempre levo o ukulele comigo, porque é menos trambolho. [risos] Nessa música, eu toquei o violão e o nosso produtor queria que tivesse mais algum elemento peculiar, para as pessoas lembrarem como “a música do chocalho”, ou “a do cavaquinho”, sei lá. Então eu falei que toco ukulele e ele se amarrou. Tirei os acordes e ficou muito fera! O violão é mais grave e o ukulele mais agudo, então eles não competiram. E eu fiquei muito feliz, nunca imaginei que a Dona Cislene ia ter uma música com ukulele!
IT: Bruno, posso fazer uma última pergunta que eu tenho certeza que você já tá cansado de responder? Porque “Dona Cislene”?
BA: [risos] Cara, Dona Cislene foi a nossa primeira fã. Era uma senhora que morava no andar de cima do estúdio que ensaiávamos. A gente saia do colégio e ia ensaiar num estúdio na 112 Norte, no subsolo da comercial, e ela morava numa quitinete em cima. Ela sempre descia para assistir, não falava nada com nada, era muito doida, sei lá. A única coisa que ela falou que fez sentido foi: “Achei legal a banda, mas parem de tocar músicas dos outros e comecem a tocar as de vocês.” E isso foi muito estranho, vindo de uma senhorinha. Então nós dissemos que não sabíamos tocar músicas próprias, só covers. E ela disse: “Vou ajudar vocês. Cheguem em casa e façam uma música pra mim!” E aí foi muito louco porque a gente tinha que fazer uma música para uma velinha que fumava cachimbo e éramos novinhos, tínhamos uns 15 anos. Então fizemos a música e ela tá no nosso primeiro disco. Se chama “Dona Cislene”. Depois disso a gente só fez música autoral.
Ficou curioso pra ouvir o ” Meninos & Leões”? Dá o play aqui!