A península escandinava, mais uma vez, aparece aqui na Worldground. Um dia ter todos estes registros nórdicos do século 21 será uma bela aquisição.
O assunto de hoje abrange um pouco mais que apenas uma banda ou estilo, mas uma tendência que vejo já há algum tempo na cena underground da península escandinava. Suécia é muito mais que Sabaton e a Noruega vai bem além do Mayhem.
Primeira coisa: tratemos de mudanças de som. Tratemos de Black Magic.
Tudo começou com Cato “Sadomancer” Stormoen (ex-bateria, ex-backing vocals) que convidou Jon Henrikson (guitarra/vocal) para criar um novo projeto. Com raízes no metal extremo, a demo Raise the Dead surpreende por suas similaridades com o som da Hellhammer e de outros nomes como Venom e até mesmo Slayer. Speed metal, falando de modo geral, porém com aquele pé na NWOBHM.
A produção das três faixas (Rite Of Suffering, Cleansed By The Dead, Bestial Purity) não ultrapassava o método Burzum de gravação, a excetuar talvez pelo microfone que certamente não era um headset. O segundo lançamento, Reap of Evil, agora com uma produção, em seus próprios termos, decente, chamou a atenção de alguns fãs de heavy metal underground. Porém, a explosão viria com o primeiro EP da banda.
https://www.youtube.com/watch?v=uEilomjVEIg
Wizard’s Spell é uma sopa de influências. A começar pela faixa inicial, Black Magic, e seu corrido solo de synth. O que vem a seguir em Rite of the Wizard é impressionante: um riff completamente contagiante e prominente de talvez algo que está entre Vol. 4 (em especial Snowblind) do Black Sabbath e A Dangerous Meeting do Mercyful Fate. Inclusive, sobre este último, há diversas similaridades sonoras encontradas no decorrer do álbum.
As letras, que abordam temas como fantasia, magos e rituais demoníacos, sentam ali entre Ronnie James Dio (era Heaven and Hell do Black Sabbath) e Ken Hensley (era Demons and Wizards do Uriah Heep).
O EP, lançado em 2014, é, em sua essência, um álbum de heavy metal tradicional. Porém, há momentos em que é possível sentir a influência thrash nos pesados e assimétricos riffs carregados de string skipping e ritmos que revezam entre o padrão de batida NWOBHM e a palhetada alternada.
Black Magic nunca mais, depois do lançamento de Wizard’s Spell parece ter lançado algum trabalho de estúdio, a excetuar pela fantástica faixa que inspirou a escrita deste texto. E é aí que o presente autor diz: eles não precisam de um estúdio.
A faixa que menciono é Demon Lord, que, se não fossem os vocais dramáticos e com uma vasta potência, claramente seria algo do Ghost (ou Ghost B.C., para os americanos), em especial de seu debut Opus Eponymous, de 2010. A explosão de pratos de bateria seguida de um belíssimo verso acompanhado de uma linha leve de guitarra distorcida datava uma mudança na sonoridade dos noruegueses do Black Magic. Datava a inserção de tudo que há em King Diamond/Mercyful Fate e nunca deveria ter sido abandonado pelos metaleiros: a melodia, a teatralidade, e acima de tudo a prodigiosa construção de uma composição única, inesquecível.
Há diversas outras novas faixas. Porém, sem motivo esclarecido, nenhuma delas foi gravada em estúdio. Todas as que estão disponíveis têm o elemento ao vivo, o que impressiona ainda mais ao ouvi-las e estudar cada camada do som. Tais faixas, Into the Depths, Sacrifice, Savage Sword, progridem no que foi inciado com Demon Lord e são executadas com maestria ímpar. Black Magic é daquelas bandas que conseguem mudar para melhor.
Sem fugir muito ao assunto mudança, agora tratando mais de associações e fusões, temos que falar de Kverlertak. Os conterrâneos do Black Magic pegaram a “música folclórica regional”, o Black Metal (perdão, não resisti à piada), e a viraram de ponta cabeça. Muitos conservadores do estilo, marcado por produção e mixagem que um radinho de pilha consegue superar, com toda a certeza considerariam o que Kverlertak faz como uma gigantesca heresia.
Seus lançamentos são sempre muito polidos, com a dose certa de brutalidade, porém sempre acompanhados do banho de sangue que todo bom álbum de black metal deve possuir – à sua própria maneira, claro.
A estreia dos músicos Erlend Hjelvik (vocal), Vidar Landa (guitarra e piano), Bjarte Lund Rolland (guitarra), Maciek Ofstad (guitarra e vocal), Marvin Nygaard (baixo) e Kjetil Gjermundrød (bateria), o álbum auto-intitulado, foi uma explosão na cara da crítica: chegou à 3ª colocação nas paradas norueguesas e não recebeu muitas críticas abaixo dos 80%.
Com nomes como Kurt Ballou (High on Fire, Nails, Chelsea Wolfe) liderando a produção, Alan Douches (Mastodon, Motörhead, In Solitude e incontáveis outros) na mixagem/masterização e ninguém menos que John Dyer Baizley (Baroness) no departamento de arte, a banda estourou logo na primeira tentativa, sendo premiada por Dave Grohl com um disco de ouro.
Sua sonoridade, que é basicamente nossa área de interesse, é típica de uma banda que não quer ser uma banda só. A integração de elementos do hard rock, do hardcore punk, do punk rock e de tantos outros ao estilo brutal do Black Metal dá às composições uma característica dinâmica e divertida rara em álbuns do gênero- por muitas vezes monótono e desafiador.
Não há o que dizer, pois há MUITO o que dizer. As guitarras (note, são três) fazem uma baita barulheira que plana pelo campo do rock n’ roll clássico com a brutalidade que apenas o estilo mais extremo de metal poderia ter, o baixo é simplesmente sensacional, com notas rápidas (algumas mais lentas, recorrentemente), e o trabalho de Gjermundrød na bateria, por si só, merecia um estudo.
Sophomore dos noruegueses, Meir (“Mais”, numa tradução direta para o português) segue a mesma sonoridade do primeiro lançamento, a excetuar talvez pelo uso mais frequente de um violão acústico que hora ou outra aparece no meio do som para dar um ar de melodia e delicadeza. Uma bela pitada de melodia, por sinal.
Já o terceiro lançamento… Ele tem boas faixas. Tem um grande potencial, sim. Potencial de talvez vir a ser a época da carreira em que Kverlertak revise seu som e evolua, sem deixar de lado (tanto quanto foi deixado no trabalho em questão) aquilo que formou seu nome: a brutalidade.