SÉRGIO DIAS
Na década de 1990 em São Paulo o comércio de CDs fervilhava, o vinil estava em baixa com muita gente se desfazendo de coleções inteiras, então para o amante dessas duas mídias o mundo era um lugar melhor de se viver.
Geralmente uma vez por mês lá estava eu tirando um dia de folga para bisbilhotar as inúmeras opções da capital paulistana. André, amigo e ex-sócio do Box Pop – loja de discos que teríamos alguns anos depois – passava o relatório de onde encontrar os discos com um bom preço.
A visita do dia seria numa distribuidora dentre as várias localizadas na Rua Santa Ifigênia. Lá estava eu disposto a olhar todos os itens disponíveis, e não eram poucos, umas três salas cada uma com uma faixa de preço, começava pelo valor maior e no final as ofertonas de R$ 5,00 para baixo.
Passei pelas duas primeiras e nada, já estava desistindo, mas fui com energia para a tal sala com os menores preços possíveis, só que o nível também caia assustadoramente. Olhei todos, cada CD que passava aumentava a decepção de sair sem um álbum interessante. Acreditem, no último disco da última fileira veio o grande achado, um dos meus prediletos da cena Power Pop americana.
Trata-se de Living Room!!! álbum de estreia de Richard X. Heyman, um singer/songwriter totalmente desconhecido por aqui. Lançado em 1988 somente nos Estados Unidos, sabe se lá por quais cargas d’água veio parar em São Paulo, ainda por cima numa promoção ao lado de um monte de discos nacionais de nível baixíssimo.
Vamos falar um pouco sobre RXH, americano radicado em New Jersey, cantor, compositor e multi-instrumentista, começou sua carreira muito cedo como baterista do The Doughboys, uma banda da metade dos anos 1960.
Com influências claras de Byrds, Beatles e Beach Boys, RXH é um gênio pop que praticamente passou despercebido – como outros tantos – apesar de seu segundo álbum ter tido alguma exposição, foi lançado e distribuído pelos selos Sire e Warner, com direito a clipe exibido na MTV.
Living Room!!! foi gravado no seu quarto em Manhattan com Richard tocando todos os instrumentos, guitarra, baixo, piano, violão e bateria. A Rolling Stone na época cravou: “um disco a ser descoberto”. O álbum tem grandes canções, como a urgente Call Out The Military, Palace of Time, a balada Night Ride Rail, entre outras.
Richard segue gravando seus álbuns pela independente Turn-Up Records, o último foi Incognito lançado no ano passado.
Resgate histórico
Em 2011, Sérgio Dias e o seu amigo Rafael Paulino (Blaster) entrevistaram Richard X. Heyman para o blog Som do Dias. Confira abaixo.
Nova Iorque através do olhar de um músico de rock nos anos 1970…
Eu cresci em Plainfield, Nova Jersey, um bairro que fica a cerca de 45 minutos de Nova Iorque. A cena roqueira em Nova Jersey no início dos anos 1970 era, em sua maior parte, baseada em bandas tocando covers de músicas populares, se apresentando em bares. Por isso, foi um verdadeiro choque cultural ir para Nova York ouvir grupos no auge da CBGB. Primeiro, essas bandas de Nova Iorque tinham seu próprio material, e mesmo que se algumas delas faltava habilidade musical, o faziam com originalidade e exuberância.
Em 1976, me mudei para Washington, DC, onde me estabeleci tocando bateria para o guitarrista Link Wray. Ao mesmo tempo, inspirado pelas bandas que vi no CBGB, eu fundei um grupo chamado The Rage, fazendo minhas próprias canções, passando a tocar tocar guitarra principal e a cantar. Em 1978, fui para Los Angeles, onde eu tinha um emprego estável tocando bateria numa banda de country-rock chamado Cooper Dodge.
Voltei à Nova York no início dos anos 1980 e comecei minha carreira solo a sério. Havia uma cena musical vibrante acontecendo na cidade – Kansas Max City, CBGB, Tramps, Trax, o Club Mudd, da Peppermint Lounge, Private, o Club 80, The Ritz, The Bottom Line, estavam todos bombando. Muitas das canções que a minha banda apresentava nesta época, acabaram fazendo parte dos meus dois primeiro álbuns.
Muitas bandas que hoje são clássicas, estavam bem próximas de mim no início dos anos 1980, e Nancy e eu vimos muitos deles de perto. Estávamos a metros de distância quando Bono do U2 tocou no The Ritz. Na verdade, muitos artistas emergentes tocaram no The Ritz: Prince, The Pretenders, Squeeze, The Bangles, The Eurythmics, REM e muitos mais. Marshall Crenshaw já era bastante comentado pelo público local e vimos alguns dos seus shows no CBGB e Trax. Um ano antes de se tornarem estrelas internacionais, o The Police tocou no CBGB.
Essa cena veio e se foi, e novos estilos de música surgiram em outros bairros, mas tenho boas recordações daqueles anos, empurrando nossos amplificadores e bateria pelas ruas do East Village, às 3h da manhã depois de tocar no CBGB. Numa noite, vimos Billy Joel filmar o vídeo de Uptown Girl em um posto de gasolina na Bowery, do outro lado da rua, em frente ao clube. Esses foram grandes momentos.
Mudança de estilo: Você já se sentiu inclinado a seguir uma certa moda, somente para obter sucesso comercial?
Há um velho ditado que diz “nada se cria no vácuo”. Eu não posso falar por outros compositores e músicos, mas eu acho que todo mundo é influenciado em algum grau com o que está acontecendo ao seu redor.
É claro, as escolhas e preferências do que você gosta e admira são grandes fatores no resultado do processo criativo. Para mim, eu estava cercado pela música dos Beatles, Dylan, Stones, Byrds, Kinks, Motown, The Who, Beach Boys e muitos outros.
Eu também ouvi um monte de musicais da Broadway e clássicos, bem como jazz antigos e novos, blues e R&B. Dito isso, eu creio nunca ter intencionalmente tentado entrar em alguma nova onda ou tendência só para faturar. Eu sempre escrevi e toquei música porque eu amo isso, especialmente a emoção que um conjunto de acordes e melodia pode evocar.