Do underground paulistano surgiram as bandas que ajudaram a consolidar a identidade da primeira dentição do roque genuinamente brasileiro. Os Mutantes e Secos & Molhados reinam, quase que onipresentes, como as maiores expressões do som da juventude “alienada”, num ambiente altamente politizado e pintado de cinza concreto, que colocou em trincheiras opostas guitarras e violões.
A dupla que aparece em 11 a cada 10 listas sobre o gênero nacional não foi a única a trilhar por esse malfadado e tortuoso caminho. Do submundo alocado à margem pelos mais “engajados” brotou uma das mais emblemáticas representações da música jovem sob os trópicos: Joelho de Porco.
Considerado por muitos críticos como o precursor do movimento punk no Brasil, o grupo escreveu capítulo na história do BRock além do Do It Yourself! e dois ou três acordes básicos do subgênero criado após o excesso e virtuosismo do progressivo. A banda cunhou um dos mais classudos e pioneiros discos de rock independente no Brasil – apesar das vendagens não empolgarem tanto quanto a crítica ou o reconhecimento tardio.
O Joelho de Porco raiou em maio de 1972, quando o progressivo sob os trópicos engatinha as primeiras e longas notas musicais. A banda era formada por Tico Terpins (ex-Os Baobás), Walter Baillot, Próspero Albanese, Conrado Assis e Rodolfo Ayres Braga (ex-The Jet Black’s e que ingressaria ao Terreno Baldio).
Joelho de Porco – Fly America
Com essa formação, o grupo entrou no estúdio no ano seguinte para o registro de um compacto simples. A bolachinha teve produção do (eterno) mutante Arnaldo Baptista, uma das maiores influências da banda. Além da produção, ele assumiu o sintetizador na clássica (e sensacional) Fly America – lado b do vinil, cuja face oposta era a ingênua Se Você Vai de Xaxado, Eu Vou de Rock’n’Roll.
Um ano depois – e pela obscura gravadora sediada em Diadema, Crazy –, a banda lançou seu primeiro Long Play São Paulo 1554/Hoje. Trabalho, aliás, tido como uma das obras-primas do roque setentistas brazuca e um dos mais elogiados discos do pop da época (apesar das pífias vendas). O petardo teceu um patchwork entre rock pesado e referências tropicalistas, com nuances psicodélicos e pitadas de progressivos (ecos que surgiam por aqui, vindos de Londres).
O disco abre com um clássico absoluto: Hey Gordão. A humorada e nada politicamente correta faixa traçar as amarguras de quem luta com a balança. Numa eletrizante linha de baixo, digna da melhor escola de John Alec Entwistle e John Paul Jones, a canção flua em versos como Voe como uma pluma \ Esqueça do macarrão.
Joelho de Porco – Cruzei meus braços… fui um palhaço
Na sequência, o hit Boeing 723897 (que ganharia versões diferentes nos dois próximos trabalhos do grupo). A engraçada faixa relata o desejo de o paulistano fugir da selva de pedra e do mar de poluição. Já a hilária Maldito Fiapo de Manga narra as amarguras de quem teve um pedaço da fruta nativa do sudeste asiáticos preso entre os dentes. Clássico do deboche paulistano.
A proto balada-psicodélica Cruzei Meus Braços… Fui Um Palhaço mantém em altíssimo nível o repertório, que prisma pelo humor. Abro um parênteses para acrescentar que o Joelho de Porco também é considerado o percursos dessa linha, que ganharia capítulo especial duas décadas depois, com os Mamonas Assassinas. O lado A chega ao fim com Debaixo das Palmeiras, uma facilmente assoviável e inspirada nas ambições nacionalistas de Ari Barroso.
Joelho de Porco – Aeroporto de Congonhas
No lado B da bolacha, a fina ironia surge como linha condutora. México Lindo é um engraçado trocadilho costurado com referências de alguns sucessos vindos daquele país que dominavam as ondas das rádios populares de então. Já Aeroporto de Congonhas recorda o programa do típico paulistano, cujas diversões semanais eram conferir as decolagens de aviões ou se espremer numa Kombi para peculiar piquenique em Praia Grande. Genuinamente paulistana e atual, São Paulo by Day é uma crônica das imediações do Viaduto do Chá.
O disco encaminha para seu desfecho com a belíssima A Lâmpada de Edison. A canção enumera feitos que ascenderam a humanidade à marcha rumo ao progresso, num refrão de profunda análise existencialista digno de Immanuel Kant ou Arthur Schopenhauer: Hoje é o passado do futuro. A balada emoldurada por violões de aço faz um interessante paralelo entre os feitos nacionais e seus respectivos pares nascidos sob a bandeira das 13 faixas horizontais. Meus 26 anos (única composição que não é do grupo) a aventura-se sobre as amarguras típicas de quem não sabe qual caminho seguir. Clássico dos cabeludos que optaram pelo desbunde como luta contra a Ditadura Militar.
Joelho de Porco – A Lâmpada de Edison
Redescoberto no começo do atual século (quando ganhou versão digital), o álbum passou despercebido na época de seu lançamento. Fato esse a contribuir com a saída de alguns integrantes e primeira (de uma séria de) paralisação da banda.
O grupo voltaria com gás total e renovado em meados de 1976. Ocasião que o argentino Billy Bond (de La Pesada del Rock and Roll, banda que contou com geniais guitarristas Pappo e Luís Alberto Spinetta) assumiu os vocais. No ano seguinte, eles lançariam pela gravadora Som Livre um LP homônimo já inclinado aos mandamentos punk (mais na atitude, que no som), que é quase uma releitura do primeiro e (semi) desconhecido trabalho.
A repercussão também patinou e a trupe encerrou, novamente as atividades. No começo da década de 1980, Tico Terpins já era um dos mais renomados compositores de jingles publicitários. Ele escalou o (lendário) Zé Rodrix (ex-Momento Quatro, Ex-Som Imaginário e Sá, Rodrix e Guarabira), Próspero para remontar o Joelho, mas com uma proposta inclinada ao pop oitentista.