Por José Luiz Araújo
Não é para ler, é para ouvir, embora o nome – Bula – nos remeta à consulta da posologia correta para a cura dos males. O de Marcão foi a angústia, efeito colateral da perda, em sete meses, dos amigos Chorão e Champignon. Foram 20 anos de convívio. “Eu precisava acabar com esse silêncio sufocante e externar os sentimentos sobre esses acontecimentos muito loucos. Meu processo autoterapêutico foi a música”.
Mas de nada adianta se fechar no estúdio e compor. É preciso a segunda dose do “tratamento”: dividir, mostrar. Foi o que fez com Não Estamos Sozinhos, faixa do disco (que chega às lojas na próxima segunda) de estreia da recém-criada banda Bula. A canção, mais do que uma ode a Chorão e Champignon, sinaliza o reencontro, algum dia, em algum lugar, “numa única vibe” (diz a letra). O CD, gravado no estúdio Electrosound (de Marcão), está sendo lançado pela Deck.
O compositor e guitarrista foi em busca de requisitos finos para a Bula: gente de alta qualidade musical, conhecida sua há muito tempo, parceira e confiável. Lena Papini (baixo, ex-A Banca) e André Pinguim (bateria, ex-Charlie Brown Jr) são os escolhidos. “Com eles, fico tranquilo. E ter só uma guitarra me dá maior liberdade”.

À dupla mostrou Não Estamos Sozinhos, há quase um ano, quando fez os convites de adesão ao seu sonho. Portanto, a gestação da banda não foi da noite para o dia. Nesse tempo, Marcão compôs mais 11 músicas para o CD, que possui 15.
Das três restantes, uma é a versão acústica de Não Estamos Sozinhos, Duas Caras (parceria com Ivan Sader) e Ela Nasceu Para Mim (seis mãos, com Chorão e Thiago Castanho). “Chorão adorava Ela Nasceu.. Sempre me pedia: ‘toca aquela parada’. Um dia, pegou caneta e papel e fez a letra na perna. Foi gravada só agora”.
Legado
Para fãs que, de longe, identificavam sua pegada no baixo, Champignon deixou gravada as bases para Ela Nasceu… e Duas Caras. “Nesta, sem me falar nada no dia. Foi um dos últimos takes dele. Um legado que deixou para nós”.
OK! E ao vivo, no show? “Tranquilo, tocarei da minha forma. Na Banca ele foi para o vocal e assumi o baixo porque confiava em mim e jamais fez cobranças. Não tinha sentido, pelo fato de ser nosso CD e banda, regravarmos comigo tocando. Pô, o cara ainda está por aqui, tomando o meu lugar, e no meu disco” (brinca Lena).
Versatilidade. É o mínimo que se exige de quem assume a bateria em bandas com a característica da Charlie Bronw Jr. e A Banca. O rock é o fundamento, mas o repertório passa pelo ska, reggae, balada, rap…
“Tenho experiência de sobra como músico. Banda é como casamento: bom e ruim. Uma hora, deu, fui. Eu não estava afim. Quando o Marcão ligou e falou da Lena… Fazer o quê? Casei outra vez”, diz Pinguim.

Na boca
Marcão – que é introvertido – assume o vocal, para o que vinha se preparando. Me propus a isso agora, vamos em frente. Sei o que significa. A Bula é um trabalho autoral. Temos nossa identidade e sonoridade”.
Muito se falou sobre as mortes de Chorão e Champignon. Marcão é direto: “Só quem passa sabe como é a essência da perda, a dor, o ficar sem chão da noite para o dia. Todos nós tivemos nossas vidas totalmente reviradas e muito expostas”.
Apesar de usar a música como seu divã, Marcão, no fundo, ainda não entendeu bem o que houve, mas tem um pensamento que ajuda a digerir. “Acredito que a gente tem uma missão aqui. Se não, a vida não tem sentido. A deles (Chorão e Champignon) foi levar alegria por meio da música. Para mim, cumpriram muito bem. Alguém pode falar da forma trágica como morreram. Cada um é um quando fechado em si. Às vezes nos surpreendemos com as atitudes porque nunca saberemos tudo sobre alguém, por mais próximo que nos seja. Em Não Estamos Sozinhos eu disse tudo que sinto e não conseguiria falar até mesmo para alguns amigos”.

Saudade
Você tem fome de quê? Marcão, Lena e Pinguim têm da estrada. A ansiedade transborda. A velha rotina de ônibus, hotéis, aeroporto, avião, camarim, mídia, fãs…
Para o guitarrista, “é o ganha-pão, mas alimenta muito mais. Tem efeito emocional. Sou casado e tenho família. Faz bem ficar longe. Isso sempre melhorou meu relacionamento. Você volta para casa com saudade. Valoriza quem e o que possui”.
Se depender do talento de Marcão compondo, a estrada da Bula será bem pavimentada e duradoura. Das 300 obras da Charlie Brown Jr, vários mega-sucessos são dele (solo e em parceria), casos de Proibida para Mim, Papo Reto e Tudo o que ela Gosta de Escutar.
No mínimo, haverá um enorme público que se identificará com as letras, porque elas dizem o que nós, mortais, não temos talento para expressar. E o som do bom e velho rock fará o resto ao nosso físico, colocando-o em movimento.
O primeiro grande teste será com menos de três meses de vida: Ela vai tocar dia 28 de março, no palco principal do Lollapaloosa, na mesma noite de Jack White e Robert Plant.
Há quem aponte a Bula como uma boa surpresa no rock nacional. Vingará? “Sabemos o que queremos e o por que estamos aqui. O futuro? Também estamos curiosos”, solta Marcão. Todas as faixas do CD estão aqui e no player abaixo. Façam suas apostas!