O que você está procurando?

Geral

Captain Beefheart: o álbum mais esquisito de todos os tempos

Don Van Vliet, ou Captain Beefheart, é um daqueles artistas que nunca aceitaram ter sua arte limitada a conceitos pré-estabelecidos. Amigo íntimo de Frank Zappa, o músico até tentou render-se às rádios com seu primeiro disco – o excelente Safe As Milk, lançado no auge da psicodelia de 1967 – mas foi durante uma bizarra viagem de ácido que chegou à conclusão de que o caminho a ser seguido era o oposto.

A história é engraçada. Don se apresentava com sua Magic Band em Los Angeles quando, durante a execução de Electricity, teve um repentino ataque de pânico. Após alguns olhares de desespero, o cantor, sem hesitar, correu de costas para o fundo do palco, deitando-se ao chão e deixando a banda finalizar a música sem vocalista. O motivo era curioso: o cantor, supostamente, havia visto na plateia uma garota que tinha o rosto de um peixe e soltava bolhas pela boca. O incidente alucinógeno despertou certo “imaginário marítimo” no mundo de Beefheart, dando início aos frutos do que seria seu disco controverso: Trout Mask Replica.

Continua depois da publicidade

Muito diferente do antecessor, o trabalho não segue nenhum tipo de linearidade, nexo ou forma. Tem produção assinada pelo Frank Zappa, que deu, corajosamente, total liberdade artística para Don. O resultado é algo que beira o impenetrável, com misturas complexas de free jazz com poesia beat, melodias que não se conectam, vocalizações esquisitas e outros detalhes que, na ambiguidade que o significado artístico fornece, podem ser tanto um amontoado de lixo quanto peças de uma obra-prima inquestionável. Você decide.

As batidas e o tempo das canções mudam sempre que possível, não dando tempo para que o ouvinte capte qual a forma real da música. Esqueça qualquer concepção de verso, refrão ou ponte, pois não existe. O imaginário é o principal foco, e se as letras e o instrumental não fazem o menor sentido, é porque foram pensados meticulosamente dessa forma. E põe meticulosamente nisso.

Segundo Zappa, a gravação do disco levou menos de 5 horas para ser concluída, resultado de quase um ano ensaiando 12 horas por dia. Praticamente um culto realizado pela liderança e perfeccionismo de Beefheart, que dividia a mesma casa com os músicos em decorrência do desemprego e da falta de dinheiro. Treta não faltou, e apesar da escassez de comida, a personalidade de Don era o principal desafio a ser encarado, visto que o cantor massacrava mentalmente todos os envolvidos no trabalho para atingir os resultados desejados.

Resultados esses que, em certos quesitos, foram atingidos: o disco é muito bem executado no ponto de vista técnico, e não tem como dizer que Captain Beefheart não atingiu aquilo que propôs. A proposta é ser livre, e foi. Por bem ou por mal, Trout Mask Replica é um disco que, artisticamente, é um instrumento de vanguarda pela forma que quebrou sem medo os paradigmas musicais, servindo para incentivar muitos artistas que surgiriam depois a fugir das fórmulas estabelecidas pela indústria, como Tom Waits, Nick Cave e, até mesmo, os Red Hot Chili Peppers e o John Frusciante.

Continua depois da publicidade

Sonoramente falando, no entanto, o disco é bruto e inquestionavelmente indigerível, e quanto a isso não há o que possa ser refutado. Seja na primeira ou trigésima audição, a experiência será sempre coberta de estranheza, não existindo brecha pra curtir alguma coisa ali. Mas é, acima de tudo, uma experiência semelhante a ver alguém com cabeça de peixe.

https://www.youtube.com/watch?v=xiorncOFpcg&t=3343s

Em tempo, não se assuste. Não sou maluco de deixar esse álbum como a recomendação da semana. Para hoje, deixo recomendado o Safe as Milk e os álbuns que viriam posteriormente, The Spotlight Kid e Clear Spot, ambos de viés acessível. Vale a pena dar uma conferida. Um bom fim de semana.

Continua depois da publicidade

COLUNAS

Advertisement

Posts relacionados

Publicidade

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados

Desenvolvimento: Fika Projetos