MÁRIO JORGE
Os vídeos mostrados nessa crônica não contam com Laurindo no vocal. Não encontramos registros com ele.
Em 1985, conheci um sujeito durão, fora dos estereótipos da turma que acabava de chegar à Faculdade de Jornalismo da UniSantos – boa parte oriunda de escolas caras e cursinhos pré-vestibulares. Tinha o falar rude, cru, mas possuía uma sensibilidade latente, original, daquelas cultivadas em famílias mais humildes.
Era o Laurindo. Ingressou no Jornalismo, mas o ofício de contar histórias parecia não estar em seu DNA. Ele mesmo admitia. Seguia em frente, porém. Por alguma razão, nos aproximamos nos bancos acadêmicos. Tínhamos quase que o mesmo interesse musical, além de trabalharmos na mesma empresa – ele, como vigilante, eu, no escritório – e ocuparmos o mesmo teto na universidade. Disse quase, porque Laurindo era punk, daqueles cultivados ao som dos Pistols e, mais ainda, da porrada sonora de bandas paulistanas – Olho Seco, Cólera, Inocentes, Ratos de Porão etc. Eu, um apaixonado pelo heavy metal. As discussões eram intensas, cada um defendendo seu estilo preferido.
Se estudos do Jornalismo não o cativavam, o som “fácil” do punk, sim. Nessa onda, juntou amigos com ideias afins e criou uma banda: Pacto de Morte. Lembro do nome de apenas uma música, em meados dos anos 1980 – talvez 1986 – I Hate You. Calma, só o título e o refrão eram em inglês… O restante da música era em português. A temática não variava muito: ódio ao sistema (capitalista, organizações, formalidades).
Laurindo e sua banda tocaram em alguns lugares alternativos de Santos. Recordo-me de dois: Concha Acústica e um festival na Faculdade de Direito da UniSantos intitulado Semana da ConTradição. Nesse dia, coube ao Pacto de Morte subir ao palco após uma banda evangélica tocar. A porradaria foi geral. Laurindo, endiabrado, mandou um som rápido, vocais guturais e até empreendeu uma performance que incluía pular do palco e dançar o pogo entre a pequena plateia.
Uma vez perguntei a ele: como você aprendeu a tocar guitarra – era o guitarrista e vocalista da banda-? A resposta, simples: “Três acordes e raça, verme”. Verme era o apelido “carinhoso” que ele dispensava a mim, fruto do vocabulário ríspido comum entre os punks de então.
Em 1987, ele quase me converteu: com sua turma, fomos a um show no saudoso Caiçara Clube onde tocariam Plebe Rude com abertura de uma banda gaúcha, Replicantes. Foi demais, especialmente a apresentação dos gaúchos. Fizemos a famosa roda punk, o que levou um grupo de seguranças a cercar a galera. Não deu em nada… até porque, como sempre faço, vou a shows para me divertir, extravasar, compartilhar o êxtase cuspido nas caixas de som.
A mudança
No terceiro ano de faculdade, Laurindo me comunicou uma decisão: “Vou embora, sair do País”. Respondi: “Pra onde?”.
“Vou para Londres, tentar carreira musical lá”. Foi um choque. Achei que, mesmo com toda a sua impulsividade e força de vontade, a aventura seria arriscada demais. Tentei demovê-lo da ideia, que se mostrava cada vez mais firme.
Laurindo foi, mas, barrado no Aeroporto de Madri, foi impedido de seguir viagem até a Inglaterra. Mudou de rota e se deslocou para Portugal. Lá, trabalhou na construção civil. Depois de um tempo, passou a me mandar cartões postais, fotos e cartas. Dizia que a vida estava difícil, que compartilhava uma casa com uns “badalhocas”, punks portugueses.
O tempo passou. Terminei a faculdade e comecei a trabalhar no jornal (A Tribuna). Em 1990, recebi um telefonema da sua irmã. Alguém de Portugal havia ligado, informando sobre a morte de Laurindo. O haviam encontrado na cama, sem respiração, ao lado de um prato de comida. As explicações foram vagas à época.
Uma existência, lá pelos seus 27 anos, terminava assim, de forma trágica, curta. Laurindo foi em busca de um sonho, o qual ninguém conseguiu fazê-lo desistir. Sua vida foi rápida, mas eletrizante, como os três acordes que aprendeu com o punk rock.