Lágrimas sobre o palco

Lágrimas sobre o palco

MÁRIO JORGE

Homens não choram. Por muito tempo, a frase, curta e imperativa, dominou – e talvez ainda predomine – no inconsciente coletivo. Ainda mais quando as referências são homens acostumados a conduzir massas, a expor seu lado agressivo, a mostrar quem é o senhor da razão.

Pois bem, Gotemburgo, Suécia, 17 de junho de 2016. Sobre o palco, uma das mais pesadas e cultuadas bandas do planeta. No comando, um sujeito habituado a pressões: estádios lotados, músicas que induzem à catarse coletiva, aviões que cruzam os continentes.

Naquele dia, na cidade sueca, o Iron Maiden fazia uma de suas grandes exibições. Uma, porque há 40 anos a banda tem uma rotina de apresentações memoráveis, explosivas e invariavelmente apoteóticas.

Como relata o Whiplash.net, após a banda executar um de seus clássicos, The Number of The Beast, e se preparando para iniciar a balada épica Blood Brothers, vem a surpresa: por vários minutos, os suecos gritam o nome do Maiden de forma uníssona, espontânea, a ponto de os velhos ingleses da Donzela de Ferro pararem para admirar o espetáculo extra-palco. Um ritual de adoração que parecia interminável.

Os guitarristas Dave Murray, Adrian Smith e Janick Gers olhavam atônitos; o baterista Nicko McBrian levantou-se do banco. O criador Steve Harris admirava sem muito perceber o que se passava. Afinal, como eles mesmo dizem, é na América do Sul que o público se mostra mais caloroso e envolvente. Mas estavam num país escandinavo, acostumado a temperaturas frias, hábitos talvez mais contidos.

Por fim, Bruce Dickinson. Para quem já viu, ao vivo, a performance do dublê de piloto não estranha a retribuição do frontman, sempre com agradecimentos intermináveis à legião de fãs. Desta vez, não foram somente palavras e gestuais sugerindo um abraço e gratidão. Depois de agir como um súdito às avessas, Bruce foi às lágrimas. Chorou a ponto de enxugar os olhos.

O som pesado tem dessas coisas. Ele faz você descarregar a adrenalina, porque mexe com enzimas naturais do corpo e da mente. Mistos de sentimentos podem estar contidos nesse indutor de emoções, todos expelidos com a energia que o rock desperta.

Diz-se que, na Mitologia Grega, os homens surgiram das lágrimas e do ódio de Prometeu após feroz batalha de deuses olímpicos. Longe de ser um Deus grego da mitologia, mas endeusado por milhões de adoradores, Bruce viveu seu momento de Prometeu e quebrou a máxima secular de que homens não choram. Choram, sim, por tantas coisas…