Meu contato com Raul Seixas, um cara simples e muito acima da média

Meu contato com Raul Seixas, um cara simples e muito acima da média

Conheci Raul Seixas nos anos 1960. Para nós baianos, o Raulzito, apelido familiar pois o seu pai se chamava Raul também. À época, eu morava no bucólico bairro de Pituba, que era uma área de veraneio (hoje se tornou o maior reduto de classe média de Salvador). Naquele tempo, Raul namorava com Edith, sua primeira esposa, uma garota americana, filha de um pastor da igreja presbiteriana.

Edith era minha vizinha. Todos os dias, no meio da tarde, ficávamos reunidos sentados no muro da casa de Dona Chica esperando o sol esfriar para pegar o baba, como nós chamamos pelada, em Salvador. E aí surgia Raul, sorridente, sempre se sacudindo com seu topete igual ao de Elvis Presley, suas roupas, às vezes, colete, bota e calça jeans justa. Aliás, ele disputava com o apresentador de televisão Waldir Serrão, o Big Ben, quem tinha mais discos de Elvis e mais conhecimento sobre o Rei do Rock.

Antes de ir para a casa de Edith, ele trocava uma ideia com a turma. Falava dos seus planos e sobre o show de lançamento da banda Raulzito e os Panteras, que era formada por meu parceiro Eládio na guitarra, Carleba na bateria e Mariano no baixo.

O show de lançamento do show aconteceu num sábado (não me lembro a data), no antigo Cine Roma (1948-1983), espaço do rock em Salvador nos anos 1960/1970. O cinema ficava localizado na Cidade Baixa, no Largo de Roma, pertinho da Igreja do nosso padroeiro Senhor do Bonfim. Hoje, ele se transformou numa unidade hospitalar das obras sociais de Irmã Dulce, mas manteve as características arquitetônicas da época.

Voltando aos papos com Raul Seixas, ele disse que todos nós teríamos que ir ao show se não ele iria ficar retado com a gente. Na época, ir da Pituba ao Largo de Roma era uma viagem, mas resolvemos nos organizar para ir. Minha vó Guiomar tinha uma Kombi, pilotada pelo motorista chamado de Carrasco que levava eu e os meus primos para escola. Sabendo que minha vó gostava muito de Raul, tive esse ideia de sugerir ao Raul que pedisse a minha avó para liberar a Kombi, pois ela achava ele muito educado e atencioso. E assim foi…

Aquele sábado foi inesquecível! A Kombi lotada com 12 pessoas: eu, Artur, Roberto, Claudius, Claudimiro, Joaca, Afonsinho, Mardio, Cura, Jorge, Gumé e Zé Carlos. Entramos na Kombi e fomos para o Cine Roma! Cara, nunca me esqueci quando vi Raulzito magrinho, mas que parecia um gigante no palco. Sua dança, voz, canções ainda desconhecidas, a imitação perfeita de Elvis Presley… Era Rock n’ Roll puro na sua essência e da melhor qualidade. Eu tinha apenas 15 anos.

A Bossa Nova estava arretada em Salvador. E era uma guerra. De um lado o Teatro Vila Velha, de outro o Cinema Roma, que era o templo do rock”, disse Raul Seixas em sua biografia.

Reencontrei Raul, em 1987, quando trabalhava na Fundação Cultural da Bahia. Nesse período estávamos organizando um grande festival de música popular, o Feira do Interior, embrião do atual Festival de Verão de Salvador. Nessa primeira edição resolvemos homenagear a Bahia só convidando artistas baianos (sem nenhum bairrismo) e Raul foi um deles. Fomos conversar com ele em São Paulo, mas ele já estava com a saúde abalada e muito debilitado, com uma grave crise de pancreatite. Na nossa conversa, nos lembramos do muro da casa de Dona Chica na Pituba e daquela tarde de sábado épica e inesquecível, nos anos 1960, no Cine Roma.

Zé Virgílio/ BBMP